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quarta-feira, 1 de junho de 2022

O futebol da imaginação


"Ao ler a nova biografia de Fernando Pessoa, escrita por Richard Zenith, deparamo-nos com um daqueles livros que, segundo Cavaleiro de Oliveira escreveu sobre os Lusíadas, tem apenas dois defeitos: é demasiado grande para se saber de cor e demasiado curto para ser infinito.

No dia 5 de julho de 1904, uma terça-feira, pontualmente às 14h30, teve início um importantíssimo jogo de futebol entre o Anchor Club e o Marine Football Club. Na verdade, se partirmos em busca destes dois desconhecidos adversários, que desenvolveram uma ferrenha rivalidade, encontraremos alguns homónimos, sobretudo em Inglaterra, na Austrália e nos Estados Unidos, mas tendo em conta as informações recebidas em relação ao encontro em causa, que teve lugar em Durban, na Província de Natal, não é possível adiantar muito mais pormenores. Sabe-se que o capitão e treinador do Anchor Club era um fulano chamado Nat Gould, que a constituição das equipas foi publicada num quadro, mas o cartão com o resultado final da partida perdeu-se pelo caminho. O estádio, esse, era bem mais pequeno do que os habituais campos de futebol, e situava-se no pequeno quarto de Fernando Pessoa, no bairro de Berea, uma das zonas nobres da Durban daquele tempo. Um papel, um par de dados e a suprema imaginação do maior génio da literatura portuguesa resolviam o resto. Fernando tinha 16 anos e adorava futebol e críquete. Ainda não tinha escrito Autopsicografia:
“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.
Mas fingia tudo o que podia, até jogos físicos para os quais a sua estrutura débil não estava preparada para disputar em pessoa. Inventou rivalidades e clubes, tanto num desporto como no outro: Cato Lodge Cricket Club, Dives County, Pennyghast, Anchor e Marine. Nathaniel Rattan Gould era um atleta multifacetado que não se contentava em ser capitão e treinador do Anchor como era, igualmente, o melhor jogador da equipa de cricket do clube. Ao ler a nova biografia de Fernando Pessoa, escrita por Richard Zenith, deparamo-nos com um daqueles livros que, segundo Cavaleiro de Oliveira escreveu sobre os Lusíadas, tem apenas dois defeitos: é demasiado grande para se saber de cor e demasiado curto para ser infinito. Tal e qual como a obra de Pessoa, aliás, embora esta esteja mais próxima do infinito."

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