"Nunca falhava. No balneário, naquele tempo em que os pelados realizavam sonhos de adolescentes nos Distritais, o 'ritual' era verbalizado pelo treinador antes de se iniciar o primeiro treino de cada semana, na palestra de projeção do embate seguinte: 'Eles têm 11 bons jogadores, mas nós temos 23 magníficos'. O sorriso malandro que arqueia sobrancelhas dominava-nos quando intuíamos a chegada da ladainha. Era um momento de inexplicável cumplicidade, sim. Apesar da previsibilidade, havia ali um qualquer fator mental. As palavras ligavam-nos, mas, na verdade, não nos garantiam os desfechos que todos queríamos, mesmo que então vivêssemos um futebol 'faz de conta'.
Hoje, quando avaliamos e debatemos futebol a sério, de alto nível, partimos da premissa de que é impensável perspectivar sucessos negligenciando a exigência. Entre outras variáveis, a dita revela-se na competência, sim, nas mensagens galvanizadoras, também, e na intensidade, indiscutivelmente. O futebol topo de gama é cada vez mais um mundo de atletas, um universo de perfeccionistas. E ainda bem, a modalidade e o espectáculo só têm de lucrar.
Uma das cosias que mais nos afligem e irritam enquanto adeptos e quando diagnosticamos que os nossos, aqueles que queremos ver como vencedores, não correm o que devem, ou então correm mal ou a uma velocidade inferior aos mínimos exigíveis a quem tem sobre os ombros a obrigação de honrar uma história feita de competividade, de vitórias e de luta. É desesperante e frustrante. A exigência de que tanto falamos tem de ser austera, porque normalmente atrás dela vêm as (boas) escolhas, as (boas) decisões, as (boas) concretizações e o (bom) trabalho.
A intensidade, individual e coletiva, que admiramos nomeadamente nos jogos da Liga dos Campeões, molda-se, mas não é fácil no nosso futebol. Nesse processo de 'aculturação' emergem fatores essenciais como a visão e a capacidade de arquitetar e consolidar projetos, de saber e de confiar no que se aposta racionalmente, de ser consequente. Estruturar e desenvolver para depois colher, sejam quais forem as adversidades. Se há coisa que os mais ricos nos 'ensinam' (e refiro-me aos de Inglaterra, França, Espanha, Alemanha e Itália) é que o sucesso consistente não se compra (embora eles tentem...), antes da muito trabalho. È por aí."
João Sanches, in O Benfica
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