Últimas indefectivações

terça-feira, 1 de março de 2022

Trova do vento que passa


"Pedimos por empréstimo a Adriano Correia de Oliveira o título para este artigo. Porque “Pergunto ao vento que passa / Notícias do meu país / E o vento cala a desgraça / O vento nada me diz.”
Fevereiro de 2022 trouxe-nos a morte de um adepto do Palmeiras, no exterior do estádio deste clube, aquando da final do Mundial de Clubes entre este e o Chelsea, em São Paulo. Fevereiro também nos trouxe a morte de um futebolista grego, de 21 anos, durante um jogo da 3ª divisão do futebol helénico, vítima de uma paragem cardíaca. Tal como nos trouxe, também na Grécia, a morte de um jovem adepto de apenas de 19 anos em confrontos ocorridos em Salónica…
Foi também em Fevereiro que, num jogo do escalão sub-21 entre o Grupo Desportivo Sobreirense e o União Mucifalense, da AF Lisboa, se verificaram comportamentos impensáveis no futebol nesta faixa etária: agressões violentas, enormes desacatos e 21 expulsões – sim, vinte e uma – no final da partida, talvez um reflexo do ocorrido entre os mais velhos no final do Porto-Sporting também neste Fevereiro. O que nos leva a uma interrogação: quais os resultados práticos da existência de um organismo denominado «Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violênia no Desporto» para além da campanha denominada «Violência Zero» lançada em de Abril de 2019?
Foi também neste mês que se realizaram os J. O. de Inverno em Pequim… uns jogos em que vimos uma patinadora com apenas 15 anos – a quem em Dezembro tinha sido detectado o uso de ‘doping’ – falhar uma medalha de ouro à qual era a principal candidata e quedar-se num quarto lugar. Curiosas as competências pedagógicas que a sua treinadora evidenciou no final dessa prova, pois ao invés de tentar consolar ou apoiar a patinadora – Kamila Valieva – revelou um comportamento completamente reprovável. Ficou célebre o “Por que paraste de lutar? Explica-me. Porquê?” Pedagogicamente condenável! Sim, falamos de Eteri Tutberidze. Uma produtora de talentos através de treinos que, em certos casos, vão até às 12 horas. Uma fabricante de vencedoras de medalhas de ouro através de crianças com 15 ou 16 anos mas que descarta aos 18, 19, 20 e 21. Algumas que regressam a casa com lesões para toda a vida. Que o digam Julia Lipnitskaia, Evgenia Medvedeva, Elizabet Tursynbaeva, Darya Usacheva ou Polina Shuboderova. Quando o treinador se centra apenas nas preocupações inerentes aos seus próprios objectivos pessoais, quando esses objectivos se centram na apresentação de um ‘curriculum’ e na obtenção de um ‘status’ elevado, quando a valência dos factores pedagógicos é suprimida no alto rendimento em favor única e exclusivamente dos factores lógico-objectivos, o desporto deixa de ser desporto e passa a ser apenas arte circense. O espectáculo assim o exige! Tal como o negócio… “O capitalismo transformou os Jogos olímpicos em vastas operações comerciais e feiras-exposições turísticas. Os Jogos modernos são os Jogos da mercadoria triunfante, as divindades não se chamam mais Zeus e Hera, mas Adidas e Coca-Cola ou Philips e Toyota” diz-nos Jean-Marie Brohm (1). Sacrifiquem-se os atletas, os competidores, os desportistas, mas haja lucro para as grandes marcas! E para o COI!
Fevereiro de 2022 trouxe-nos a UEFA a retirar a final da Liga dos Campeões da Rússia, a qual estava prevista para São Petersburgo. Tal como nos trouxe a FIA a cancelar o Grande Prémio da Rússia de Fórmula Um que se iria realizar em Sochi. E como nos trouxe, do mesmo modo, a FIJ a cancelar o Gram Slam de Judo agendado para Kazan. Este mês mostrou-nos também a UEFA a tentar uma rescisão unilateral do vínculo com a empresa de fornecimento de gás natural Gazprom e a Polónia a rejeitar defrontar a Rússia no ‘playoff’ de qualificação para o Mundial de 2022, afirmando a Federação Polaca de Futebol que não vai participar no "jogo de aparências" proposto pela FIFA. Decisões tomadas por motivos políticos, por motivos bélicos…
Fevereiro de 2022 mostra-nos decididamente a natureza humana. Bastará reflectirmos nestes factos ocorridos e nos contextos em que os mesmos se situam. O que é bem exemplificado no diálogo seguinte, entre a autora de um projecto para um programa audiovisual e um produtor televisivo (1):
“ – Isso é tão… nojento.
– Não, sabes o que é, querida? Natureza humana.
Os olhos dela faiscavam.
– Parece-me mais baixeza e ganância.
– Exato. Foi o que eu disse. Natureza humana.
– Isso não é natureza humana! É lixo!
– Deixa-me dizer-te uma coisa. O ser humano é apenas mais um primata. Talvez mesmo o mais nojento e mais imbecil. Essa é a realidade. Eu sou realista. Eu não criei a merda do jardim zoológico. Simplesmente ganho a vida à custa dele. Sabes o que faço? Alimento os animais.”
Bastará reflectirmos… porque o vento nada nos diz."

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