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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Uma Petit amostra de Boavistão que quase chegou para este Benfica


"Há muito se colou que um treinador tem o rótulo que tinha enquanto jogador, mas não: como o fez noutras equipas, Petit montou um Boavista pressionante, competitivo e a querer jogar para atacar. E empatou com o instável e pouco perigoso Benfica, que só nos penáltis ganhou o acesso à final da Taça da Liga e continua a ser uma pálida versão coletiva do que pode fazer com os jogadores que tem

Os atos do passado perseguem-nos, se não para sempre, é quase, são eles que moldam a reputação que precede qualquer pessoa e a que Armando Gonçalves Teixeira trouxe dos tempos de futebolista, quase como etiqueta, foi a de um jogador durinho, a jogar como se abrisse a boca para mostrar os dentes cerrados e a existir sem cerimónias sobre cada bola que tinha de disputar com quem fosse. Uma pequena parte do que era em jogador etiquetou-o como um tudo, porque generalizar é uma infeliz condição humana.
O simplesmente Petit, alcunha posta pelos pais ao nascer o mais novo de cinco irmãos quando a família ainda fazia pela vida em França, não previa ser treinador, mas pronto, também isso é a vida e o facilitismo de transladar rótulos seguiu este homem que comprou a primeira casa colada à dos progenitores em Arca D’Água, no Bairro do Bom Pastor do Porto — se, quando jogava, o associava a cacetes e sarrafos, como treinador as suas equipas só poderiam ser retraídas, defensivas e faltosas, incluindo este Boavista.
As generalizações não se sentam à mesa com a verdade e esta é mentirosa, injusta também pelo que Petit fez no Tondela, no Moreirense, no Marítimo e no Belenenses SAD antes de regressar ao xadrez que o catapultou ainda de chuteiras calçadas e aos seis jogos, em oito, sem perder. A forma como o Boavista fecha espaços sem bola e os jogadores, empurrados pela boa agressividade, pressionam adversários quando certos gatilhos surgem, é testamento à competência devida a um treinador que não está ali para esperar e bater.
Não tendo, porque nunca teria, a mesma qualidade por cabeça do Benfica, a equipa de Petit só por duas vezes deixa que os contrários joguem no meio do seu bloco e pelo centro do campo. Na primeira, uma abertura de pernas de João Mário para Paulo Bernardo logo tocar em Yaremchuk deu em remate do ucraniano, direito ao guarda-redes Bracali; a segunda esfumou-se sem viver até um pontapé tentado à baliza, coisa que o Boavista consegue por oito vezes contra as três do Benfica. Mas, ao intervalo, ganhavam os menos rematadores.
O golo de Everton apareceu (16’) de um chuto de Vertonghen para a frente que foi desviado pela cabeça de Yaremchuk, o brasileiro perseguiu a bola que sobrou de uma trapalhada entre Nathan e Filipe Ferreira, centrais dos lados na defesa a três que evidenciam uma falência do Boavista, logo desde o início: com 10 jogadores indisponíveis, os axadrezados confundiam-se com retalhados e as dificuldades viram-se quando os laterais adaptados tiveram que acorrer a uma bola posta na profundidade.
Mas, depois, ainda havia a constância das ações simples de Sebastian Pérez a meio-campo, as conduções para a frente no pé esquerdo de Gustavo Sauer e o jogo em apoio do avançado Petar Musa, valioso para o Boavista usar para arranjar tempo e avançar jogadores no ataque. Querendo fazê-lo rapidamente, faltava-lhe, ao intervalo, variar passes para o outro lado do campo — onde sempre tinha um ala sozinho, à espera — quando lograva atrair o Benfica para junto de uma linha lateral.
Isso e montar a linha da pressão mais a frente, perto da área alheia, fez o Benfica minguar, os seus jogadores a mirrarem nos duelos e a sofrerem com o menor tempo que tinham sobre a bola. As saídas de trás inclinadas à esquerda (com dois centrais canhotos, a equipa construía por Vertonghen), para usar Grimaldo pelo meio do campo, entre linhas, aproveitando as virtudes do espanhol em tabelar com jogadores e fomentar jogadas, deixaram de existir. Sem elas, Everton também deixou de ter o flanco só para ele, para encarar a baliza de frente, embalar e tentar ser o que foi no Brasil.
Nesta decadência encarnada, Petit mantinha-se elétrico, gesticulando e movendo-se irrequieto à frente do banco enquanto o Boavista crescia, mais ainda quando Musa se intrometeu na passividade de Morato e lhe roubou a bola na área para a distração do central brasileiro depois o derrubar. Sauer empatou (53’) no penálti e o jogo ficou do Boavista durante muito tempo, repleto dos remates de Hamache, do mesmo Musa e de Gorré, todos a cortejarem o perigo em jogadas simples. E a mostrarem o quão poroso é Valentino Lázaro quando se tem de posicionar defender o seu espaço.
O Boavista quis sempre jogar, atacar e arriscar, a equipa a fechar-se num punho mesmo nos queixos da etiquetagem posta, há anos, ao seu treinador. Tentou com os meios que tinha e manteve-se quase sempre organizada perante as frágeis tentativas do Benfica, mais banal a cada minuto contado, até sem simples contra-movimentos entre jogadores para tentar furar a linha de cinco homens. Só ameaçou pouco antes dos 90’, num remate do recém-entrado Pizzi que sacou o melhor de Bracali.
A pobreza futebolística do Benfica, paupérrimo até a inventar coisas com bola face aos jogadores que tem, foi a penáltis com este Boavista (quinto empate seguido a um golo) e o momento mais individual que há no futebol decorreu assim: Pérez falhou, Pizzi falhou, Musa falhou, Grimaldo marcou, De Santis falhou (na baliza e tudo), Meïté marcou, Abascal marcou, Vertonghen acertou no poste, Hamache marcou e Weigl correu triunfantemente para marcar o último pontapé que apurou a equipa para a final da Taça da Liga.
Esta edição da prova que, para variar, teve duas equipas não grandes na fase final, pode ter servido para arrancar rótulos de vestimentas vindas de trás. Este Boavista comportou-se, com meios longe dos do passado, como o Boavistão dos tempos de quando Petit andava lá dentro, a pisar relva. E serviu para mostrar este Benfica, que oscila entre pequenas intenções de fazer novo e melhor com uma equipa moribunda na qualidade de jogo, sem maneira de encontrar uma versão de si própria que se equipare ao valor individual dos jogadores que tem. Para já, a amostra chegou-lhe para estar na decisão de um caneco, no sábado."

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