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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A receita que funciona

"Depois de um campeonato nivelado por baixo, anémico ainda antes de ser pandémico, com vencedor justo, mas de pouco brilho e uma concorrência abaixo do sofrível, a expectativa neste defeso tardio é obrigatoriamente a de que o nível só possa subir e a qualidade de jogo melhorar.
Sou optimista, prefiro o copo meio cheio e há-de ser isso que me faz renovar em cada ano a fé de que a qualidade do campeonato português pode melhorar, mesmo se nas temporadas mais recentes aconteceu exactamente o inverso. E, mais que de orçamentos, de dinheiro ou da falta dele e da capacidade de reter talento, falo de propostas de jogo empobrecidas e muitas vezes rudimentares ou da preferência por jogadores que são mais de lutar e correr que de jogar. Mais que os outros factores – mesmo o financeiro, que não é um valor absoluto, veja-se o Aves, que estava longe de ter o orçamento mais baixo e foi claramente a menos competitiva das equipas – é à qualidade de jogo, ou mais concretamente à falta dela, que devemos debitar o menor entusiasmo que a prova suscita nos adeptos (em particular nos mais novos, encantados por Inglaterra ou Espanha, onde brilham os heróis dos jogos de consola) e a competitividade externa decrescente, mesmo das melhores equipas do país. Podemos discutir tudo à volta do jogo e continuar a pensar que tem de se mexer mais na arbitragem e no VAR, mudar painéis televisivos, inovar nos calendários e na organização das provas. Por muito que pareça mais necessário alterar o que está na periferia, no centro estará sempre o jogo, ele próprio. E o maior segredo resume-se a uma ideia: jogar melhor.
O optimismo reentra aqui, que parece haver mais equipas apostadas precisamente em jogar melhor. O nível médio das propostas de jogo, aferido a partir das ideias que se conhecem a cada treinador definido para a nova época, augura uma melhoria face aos últimos anos. Ao campeão Sérgio Conceição, de jogo mais seguro que formoso mas sempre competitivo, juntam-se um Jorge Jesus com a autoconfiança de sempre e a prometer arrasar, Carlos Carvalhal com promessas de transferir para Braga o grande futebol exibido em Vila do Conde, Ruben Amorim em época de afirmação depois dos bons sinais dados (falo de ideias, mais que de resultados, como sempre). E João Pedro Sousa mantém-se em Famalicão depois do impacto espectacular em ano de estreia dupla, dele e do clube, como Pepa segue também, depois da recuperação que mudou o destino do Paços de Ferreira. E surge Tiago, agora Tiago Mendes, como aposta surpresa e muito interessante em Guimarães, até para perceber se pesa mais nele a herança do jogador que foi, de classe e pensamento, que parecia desprezar o esforço supérfluo, ou o ensinamento de Simeone em que o sacrifício é visto como via fundamental para o sucesso. E chega Mário Silva, na inteligente linha de continuidade que o Rio Ave tem sabido procurar, percebendo-o num trilho de sucesso, primeiro com os miúdos do Porto e depois no Almería. E há ainda Vasco Seabra, finalmente um treinador de perfil contrastante com o que tem vigorado no Bessa, capaz de provar que garra e atitude são para acrescentar a uma ideia e nunca para a definir. Até porque não faz sentido que Angel Gomes passe pelo mesmo que Bueno, por exemplo, que nunca se enquadrou num modelo de jogo que valorizasse a sua qualidade diferenciada.
Fala-se em Cavani, chega Gaitan, pode vir Cebolinha, regressar Hulk, as melhores equipas tentam acrescentar qualidade indiscutível, mas os melhores sinais para a competitividade virão sempre do momento em que os outros emblemas busquem boas ideias, como atrás descrito, que levem à valorização do talento. Como houve no último ano com Edwards e Pepê em Guimarães, Nehuen, Assunção, Pedro Gonçalves e Fábio Martins em Famalicão, Al Musrati, Mané ou Taremi no Rio Ave, até Kraev e depois Ruben Ribeiro em Barcelos. São precisos mais jogadores desses e é mais fácil acreditar que podem chegar, e em maior número, porque aumentou o número de treinadores que “querem jogar”. Essa é, para já, a grande notícia deste defeso atípico: a de haver mais gente pronta a valorizar um jogar positivo, que terá como consequência resultados desportivos e proveitos financeiros. Foi o que se viu, ainda na última época, no Braga, no Rio Ave, no Famalicão, até no Vitória de Guimarães. Se a lógica é simples e a receita funciona, porque não repeti-la…?"

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