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terça-feira, 16 de junho de 2020

Ufa! O jogo que nunca mais acabava...

"Nunca, em Portugal, uma eliminatória foi tão comprida como aquela entre Benfica e Olhanense para o Campeonato de Portugal em 1931: 90 minutos nas Amoreiras + 90 minutos em Olhão + 140 minutos em Setúbal (depois anulados) + 90 minutos em Setúbal, novamente.

1931. Dia 3 de Maio. Os espectadores que se acumulavam no Campo dos Arcos, em Setúbal, não seriam capazes de adivinhar o que estava para acontecer. Nos quartos-de-final do Campeonato de Portugal, Benfica e Olhanense encontravam-se pela terceira vez consecutiva. O primeiro desafio tinha sido nas Amoreiras, em 19 de Abril, com vitória dos encarnados por 5-1, mas a permitirem que os algarvios ganhassem vantagem cedo por Bengala, logo aos 2'. As águias revoltaram-se rapidamente. Ralph Bailão, de penálti (24'), repôs a igualdade. Depois, Manuel de Oliveira (50'), Cardoso (57') e Manuel Oliveira (70' e 75') resolveram um problema que iria tornar-se num dos mais bicudos do futebol em Portugal.
As eliminatórias disputavam-se a duas mãos a partir dos quartos-de-final. Havia agora uma viagem a Olhão onde morava uma equipa aguerrida e com qualidade. O encontro teve lugar no dia 26 de Abril. O Benfica foi uma mera sombra de si próprio. Almas penadas sobre um campo de terra batida. 2-0 para os algarvios, golos de Bengala e Delfim. Ainda não chegara o tempo de os golos servirem para acertar contas. Os dois conjuntos foram obrigados a um desempate. O tal desempate marcado para Setúbal. Onde houve mosquitos por cordas.
'O Olhanense, lutando com energia, aliás, mais com energia do que com saber, conseguiu sair vencedor da contenda desportiva que ontem se realizou', escrevia um jornal vespertino. Era o que se estaria para ver.

Tremenda confusão
Esse Benfica - Olhanense de Setúbal ficou para a história como o jogo mais comprido do futebol português. E; ao mesmo tempo, foi apagado dos arquivos como se nunca tivesse existido. Muito cedo Dâmaso pôs os algarvios na frente do marcador. Os lisboetas pareciam cansados, desanimados, desiludidos. A sua reacção foi pobre. O tempo ia correndo nos ponteiros dos relógios, e muitos bocejavam na tarde calma junto ao Sado. Nem um repente, nem um movimento brusco, nem um golpe de imaginação. Um ramerrão insistente, a favorecer os de Olhão, claro está, aos quais tanto covinha que o resultado se mantivesse até final. Um final absurdamente misterioso para o futebol daqueles tempos.
À beirinha dos 90 minutos, o Benfica chega ao empate através de uma grande penalidade muito discutida. Arma-se confusão. De nada serve. O árbitro do Porto, Manuel Oliveira, é peremptório. A agora decorrerá o habitual prolongamento de 30 minutos.
Mais do mesmo. Futebol amordaçado, luta a meio-campo, choques, empurrões... O Olhanense mostrou-se mais poderoso em termos de envergadura. Criou mais perigo. Mas de nada lhe serviu. Neste momento, tudo somado, tinhamos os 90 minutos das Amoreiras mais os 90 de Olhão mais os 120 de Setúbal.Ricardo Ornellas, o grande mestre da crónica desportiva, chamou-lhe 'a partida mais longa. Parecia título de um filme. Mas um filme rodado ao vivo com personagens autênticas.
O final do prolongamento com o resultado em 1-1 pôs capitães de equipa e árbitro às avessas. O do Benfica exigia que se realizasse um quarto jogo. Defendia que era o que os regulamentos impunham. O do Olhanense, por seu lado, invocava que se deveria jogar mais meia hora, talvez convicto de que a sua superioridade física iria dar-lhes o triunfo.
O árbitro do Porto tomou uma decisão inédita:iria jogar-se até que uma das equipas marcasse um golo. Aí ficaria declarado o vencedor.
Perante esta imposição, os teams voltaram à refrega. A fadiga acumulada era grande. A qualidade dos lances ia por aí abaixo até que Bengala fez o 2-1. Os algarvios dedicaram-se à festa; os lisboetas ainda não se davam por derrotados. Os espectadores do Campo dos Arcos tinham estado duas horas e vinte minutos a assistir a um desafio infinito. Que ainda não chegara ao fim.
Alavancando-se nos regulamentos, o Benfica obteve da parte do Comité Executivo da Organização do Campeonato de Portugal a anulação dos Arcos. O regulamento não previa qualquer prolongamento na sequência do primeiro, pelo que haveria lugar à repetição do desempate logo no domingo seguinte. Recorreu o Olhanense, e haveria que organizar um Congresso Extraordinário para dirimir a contenda. Dia 22 de Maio, saiu desse congresso a decisão definitiva. Outro jogo se disputaria no Campo dos Arcos, anulando-se o anterior.
Desta vez o Benfica foi mais forte: venceu por 2-0, golos de Aníbal José e Salvador. Montenegro, avançado do Olhanense, é que entrou em campo com maus fígados e arranjou problema com toda a gente. Finalmente, descarregou no árbitro: deu-lhe dois pares de bofetadas que o deixaram a sangrar do nariz. Foi expulso no último dos minutos desta incrível maratona. Já de nada lhe serviu..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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