"Conheço, há muito, a Doutora Maria Emília Brederode Santos, atual Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). Há quase 60 anos! Estudávamos ambos na Faculdade de Letras de Lisboa. E o José Medeiros Ferreira, que seria depois seu esposo, foi meu amigo-irmão. Desde jovem, nela resplendia a sua beleza essencial: independência e dignidade, num civismo amplo e arejado. Aqui, também muito semelhante ao seu companheiro, o Medeiros Ferreira, que se embebia da luz de todos os horizontes da liberdade e da democracia. Vista no exclusivo plano da factualidade histórica, é na década de 60 que o Papa Paulo Vi recebeu, em amigável entrevista, os “movimentos de libertação nacional” das colónias portuguesas; que a juventude universitária, em Lisboa, liderada pelo Doutor Jorge Sampaio, futuro Presidente da República, aceita o racionalismo seareiro ou o socialismo de Marx, Mao e Marcuse e recusa, frontalmente, o tradicionalismo ditatorial de Salazar; e que, nas Forças Armadas, começa a germinar um olhar lateral e suspeitoso, em relação à guerra (sem sentido e sem futuro) nas colónias. E tudo isto a Maria Emília intensamente viveu e, em tudo isto, antecipou (com a consciência da nossa matriz europeia)o renascimento da democracia, em Portugal. Entende-se assim a sua Introdução ao relatório de 572 páginas, intitulado Estado da Educação-2018, do CNE: “Educar implica sempre um projecto de futuro. Educamos crianças e jovens, que vão viver num tempo que ainda não é, mas que se prevê e se teme e se deseja. Nesta mudança de era que vivemos, todos parecemos andar à procura de sinais de futuro para nos adaptarmos a ele. Mas a educação, por essência, constrói o futuro, não se limita a inventariar os futuros possíveis. Sem ignorar os saberes acumulados, uma dimensão de desejo e, portanto, de utopia está assim presente nestes esforços”. Vem-me à memória a frase inesquecível de Jean-Paul Jacqué: “a Europa é uma utopia em acção”.
Como todos os verdadeiros líderes, no futuro por que se luta no CNE presidido por Maria Emília Brederode Santos, não há desigualdades que chocam, nem injustiças que ferem, nem preconceitos que cegam, nem vícios que magoam, nem cobardias que envergonham. “Sabe-se como é forte a correlação entre meio social de origem e resultados escolares, designadamente a taxa de insucesso e abandono. As razões para isso são várias e complexas. Uma, mais direta, é revelada pelo recente estudo encomendado pela CONFAP à Universidade Católica do Porto: embora com reservas quanto à representatividade da amostra, traz-nos a informação de que 60% dos alunos do ensino secundário, 50% dos alunos do 3º CEB, 20% do 1º CEB frequentam explicações fora da escola. Uma outra razão, menos directa mas frequentemente apontada, decorre das baixas expectativas que as famílias, as escolas e os próprios alunos de meios socioculturais, considerados mais desfavorecidos, alimentam relativamente ao seu sucesso escolar e ao seu projecto de vida (…) Para quebrar este círculo vicioso é necessária uma mudança de paradigma: a escola terá de ser uma escola para TODOS” (p. 7). Mas não só a mudança de paradigma na escola, pois que o apelo de uma sociedade nova ferve e referve, no mundo todo, incluindo as mais esclerosadas teocracias, tenhamos em conta a contestação, no Irão, ao governo do ayatollah Khameney. Compreende-se assim o lugar de relevo, no relatório, à “Agenda 2030 – Para uma educação de qualidade”, com os objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2016-2030: erradicar a fome e a pobreza; garantir o acesso à saúde e à “educação inclusiva, de qualidade e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”; alcançar a igualdade de género; garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos – e muitos outros objectivos se inscrevem, na Agenda 2030, que são “conditio sine qua non” a uma educação que, de facto, signifique desenvolvimento e progresso.
Será de referir que a globalização, embora os seus inescurecíveis benefícios, também apresenta os seus problemas de difícil resolução. É que ela tende a dividir, a separar e chegando mesmo a antagonizar: favorece os que estão preparados e elimina ou subalterniza os que não estão; proporciona oportunidades aos sistemas abertos e esquece os fechados. Enfim, como “a verdade é o todo”, como Hegel o dizia, na educação o “todo” é bem mais do que educação. E a estes “ciclópicos trabalhos” Portugal também é chamado. Não, não acredito, no Quinto Império de Vieira, Pessoa e Natália Correia e num protagonismo lusófono tal que a utopia destes grandes portugueses perdesse a sua vocação provocadora e se convertesse em “doutrina”, onde germina sempre uma rotina insuportável. Mas, para o trabalho indispensável de uma educação-para-todos, importa construir bases sólidas e não dispensar o estudo de um ou outro filósofo, para não encurtar o leque dos possíveis. Foi criado o “Dia Internacional da Erradicação da Pobreza”, em 1992. O Papa Francisco instituiu, em 2017, que se celebrasse, no terceiro domingo de Novembro, o “Dia Mundial dos Pobres”. E, no último mês de Novembro, deu a conhecer uma mensagem onde se afirma, sem subterfúgios, que a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora, deve ser uma escolha prioritária. O humanismo do Cristianismo e da Renascença e da Reforma e do Iluminismo e da Revolução Francesa, os ideais da Democracia e dos Direitos Humanos foram (são) transformações culturais que, ao informarem a sociedade toda, se transformaram em “causas das causas” do fenómeno educativo europeu e, portanto, português. Guilherme d’Oliveira Martins escreveu, um dia, que “a Europa é uma ideia, mais do que um continente”. Ora, José Eduardo Franco, em obra muito útil para a nossa pós-modernidade (trata-se, de facto, de um livro de leitura fascinante, A Europa ao Espelho de Portugal) sublinha: “A Europa tomou conta da política e da cultura portuguesas como prioridade e paradigma de progresso, que o país almeja obsessivamente imitar” (p. 29). Como negar que esta “ideia” não se descortine também, na Educação, em Portugal?...
Já se percepcionou até aqui que a cultura política (que não significa cultura partidária) transposta para este relatório, é a mesma cultura vivida pela Doutora Maria Emília Brederode Santos. Passemos agora às metas que o CNE aponta, como essenciais, à Educação, em Portugal, tendo em conta a génese de novos tempos: até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário (…); “até 2030, garantir que todas as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade, na primeira infância (…); até 2030, assegurar a igualdade de acesso, para todos os homens e mulheres, à educação técnica, profissional e terciária, incluindo a universidade, com qualidade e a preços acessíveis; até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos, que tenham habilitações relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo; até 2030, eliminar as disparidades de género na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, população autóctene e crianças em situação de vulnerabilidade; até 2030, garantir literacia e aptidões numéricas a todos os jovens e a uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres; até 2030, garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive por meio da educação, para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de género, promoção de uma cultura de paz e da não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável”. Não me é possível, nos limites de um artigo, ilustrar a mentalidade prospectiva do CNE, que este relatório revela, no seu curso e excurso de pensar a Educação. Num ponto havemos de convir: a revolução na tecnologia, a reestruturação da economia, a criação da sociedade informacional, a erradicação da exclusão social, as novas formas de sociabilidade – tudo isto radica, na Educação que o nosso CNE projecta e propõe. Parabéns à Doutora Maria Emília Brederode Santos e à sua equipa de trabalho!"
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