"Trataram-no como o «novo Eusébio», o destino pregou-lhe várias partidas; Do golo à Romário à massa com atum
1. Deram-lhe de nome Pedro Miguel Marques da Costa Filipe - com quatro letras apenas entrou na história a que se começou a aconchegar no CADE, clube do Entroncamento. (Em palestra numa escola de Oliveira do Hospital, contou-o: «O meu pai era cantoneiro de limpeza, em Torres Novas. Cruzava-me com ele todas as manhãs, à porta da escola. Um negro preto vestido com fato cor de laranja, imaginem... Podia fingir que não o via, mas ia ter com ele, com orgulho. Cheirava mal, mas dava-me sempre um beijinho. Os colegas gozavam comigo. Havia racismo - e eu andava muito à pancada...»)
2. Aos 14 anos, o Benfica foi buscá-lo - e pô-lo a viver no centro de estágio que havia por baixo das bancadas da Luz. Campeão europeu sub-19 (com Ricardo Costa na equipa). O fulgor no Benfica B (de Chalana) levou a que, a 23 de Janeiro de 1999, Souness o convocasse para jogo com o Rio Ave. Lançou-o no lugar de Nuno Gomes aos 89 minutos - e aos 90 fez golo: «Recebi passe do João Pinto, isolei-me, rematei de bico, à Romário. Volta e meia vejo o vídeo para matar saudades e para ser sincero é daqueles lances que em 10 marcava um».
3. Não, com esse golo não se tornou o mais jovem a marcar ao Benfica, mas quase: Chalana fizera-o com 17 anos, 7 meses e 7 dias, António Simões com 18 anos e 16 dias e Cândido de Oliveira com 18 anos, 1 mês e 9 dias (idade que ele tinha nessa tarde): «O golo teve um impacto brutal, até já diziam que eu era o novo Eusébio. E, depois tudo o não fosse tocar na bola e fazer golo já não chegava».
4. Esse golo (e não só) arrastou-o ainda para o deslumbramento (e para armadilhas que acabariam por trai-lo...) - e ele admitiu-o: «Cheguei a pensar que era o rei da noite de Lisboa. Queria boates, muitas mulheres ao meu lado, amigos. Muitos aproveitaram-se de mim, para pagar as contas, eram os amigos da onça...»
5. Foi emprestado ao Lierse - na Bélgica esteve largos meses sem jogar (devido a problemas com a inscrição). Por meados de 2001, regressou ao Benfica, à equipa B. Num jogo com o Moscavide fracturou um malar. Quando, enfim, se lhe ia abrir, de novo, a equipa principal, o destino voltou, aziago, a torpedeá-lo: «Ia ser titular, no último treino, ao ensaiarmos lances de bola parada, lesionei-me - o Fernando Aguiar caiu-me em cima» (e foi aí que perdeu, de vez, a chave do paraíso...)
6. Por 2002, o Varzim tentou-o «Foi o maior erro da minha vida. Tinha mais quatro anos de contrato. Há gente que paga para jogar no Benfica, eu implorei para que o Benfica me deixasse sair». Foi a sua cruz, o seu calvário: «Acabei a época a anti-inflamatórios de sim, dia sim. Depois, parti um braço - e até um tumor apareceu no pé que partira».
7. Do Paços de Ferreira foi para o Olhanense - e aos 26 anos (após nove operações em quatro anos) deixou de ser jogador. Em entrevista ao Expresso, revelou-o: «Houve uma altura em que o frigorífico só tinha o mínimo. Ninguém passou fome, mas fiquei a dever umas rendas ao banco. O banco podia esperar, as minhas filhas não podiam esperar para comer». (2500 euros era o que recebia ao mês do Olhanense. Tinha duas filhas, para não passarem fome, comia-se «muita massa com atum».
8. Ainda no Varzim, Luís Campos percebera-lhe o dom, aventando-lhe, certeiro, o futuro: «Vais ser o próximo treinador negro em Portugal». Para o ser teve, porém, de dar nova volta à vida (por si só): «Pensava chegar à I Liga em dez anos e foi tudo muito rápido. Nunca ninguém me deu nada. Nenhum empresário me colocou num clube, nunca andei a pedir favores. A única coisa que fiz, porque morava ali perto, foi ir ao Sacavenense perguntar se precisavam de ajuda em qualquer escalão. Foi a única vez que bati à porta de alguém. Porque à minha porta só batiam para deixar as contas da água, da luz e do gás. Não me dou com lóbis nem nada disso...»
9. Saltitou do Odivelas para o Olivais e Moscavide, do Taboeira para a Sanjoanense - e de lá zarpou (em resplendor) para o Feirense. Já no Tondela, ainda lhe faltava o Nível IV (não por «preguiça» mas meandros burocráticos) tinha de ficar no banco sempre muito bem sentadinho, se se soltasse de lá, num impulso qualquer, multavam-no em 1000, 1500, 2000 euros. E o último sinal do seu fadário, do grande treinador que ele é - deu-o, segunda-feira contra o Sporting..."
António Simões, in A Bola
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