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quinta-feira, 26 de maio de 2016

Carta a Rui Vitória

"Permitam-me a 27 de Agosto de 2015 - 4 dias depois de fazer 57 anos e também 4 dias depois de o Benfica ter perdido em Aveiro, contra o Arouca, na 2.ª jornada deste campeonato - aqui, em A BOLA, imaginei-me no lugar de Rui Vitória e, por ele escrevi uma carta, que me era dirigida. Tratava-se do que eu achava que Rui Vitória poderia dizer a qualquer adepto, a propósito do arranque da época que agora terminou, tendo em vista os objectivos do Benfica.
Hoje - sabendo todos nós a forma como a história acabou (fazendo-se História) - eis a minha resposta à carta de Rui Vitória... com o tri, o 35 e a Taça da Liga (um 3 em 2) deste lado:

Meu caro Rui:
Finalmente, a minha resposta à carta que me escreveu, após o Arouca-Benfica, da 2.ª jornada. O simples facto de ter escrito a um adepto - sim, é isso que eu sou, porque apenas estou dirigente - fez de si, também nessa altura, um treinador com especial sensibilidade e atenção para com a massa associativa.
E foram tantas as vezes, esta época, que se colocou no lugar de todos e de cada um de nós.
Também por isso, e ainda que seja usual um adepto escrever ao seu treinador, mas sobretudo pelo tempo e pelas circunstâncias, muito devido às conquistas do 35.º Campeonato Nacional (o tri) e da Taça da Liga, aqui fica o meu reconhecimento.
Mas mais do que um ato de cordialidade e de educação, trata-se do desabafo de um tricampeão... para um tricampeão.
Entre sócios de verdade, que foi uma coisa que eu não pude fazer... durante os últimos 6 anos. 
Lembro-me que recebi a sua carta logo após a derrota do Benfica, em Aveiro, frente ao Arouca, no dia em que completei 57 anos de idade.
Talvez por isso tenha tido o cuidado de me escrever.
Quanto mais não fosse por, nesse dia, como em tantos outros ter deixado a minha família para poder acompanhar mais uma deslocação do Benfica.
Não gosto de perder... nem a feijões!!!
Independentemente das fundamentadas contestações em torno dessa partida, a verdade e que a perdemos.
E como isso doeu...
Quis o destino, contudo, que após uma pré-época pouco animadora um arranque de campeonato um tanto ou quanto atribulado, e alguns significativos contratempos, sobretudo ao nível das lesões dos nossos jogadores (quantas vezes jogamos sem um número significativo de titulares ???)... que o Rui fosse feliz.
O Rui e todos nós!
Mas particularmente o Rui, que nos deu o 35.º título nacional.
E, com ele, o tri... 39 anos depois.
Como lhe estou grato.
Eu e as gerações mais novas que, até então, nunca tinham visto o Benfica tricampeão.
O Rui foi um dos que mais o mereceu.
Pela educação, pela classe, pelo rigor e pelo cavalheirismo, mesmo quando passou um cabo das tormentas, numa tentativa clara de destabilização, de mesquinhez e de inveja, à qual respondeu com elevação.
Uma atitude coerente com o seu discurso ao longo da época: confiante, altivo - mas não arrogante -, educado, sem que tenha sido necessário, em conferências, treinos ou jogos, elevar o tom de voz, muito menos ser grosseiro.
E, essencial, com o seu discernimento... sem nunca abandonar os seus.
Assim como os seus não o abandonaram.
De facto, o importante é como acaba... e não como começa.
Por isso, depois de tantas contrariedades que teimavam em assombrar a equipa, só tenho de lhe agradecer.
Designadamente por ter sido igual a si próprio, com o mesmo discurso que tinha, por exemplo, no Vitória de Guimarães.
Agradecer por ter prometido dar a vida pelo clube, aquando da sua apresentação como treinador do Sport Lisboa e Benfica.
E por há dois dias ter reforçado isso mesmo... lutar até o limite das suas forças e enfrentar o futuro de frente.
Um discurso que se mantém desde a sua escolha.
Sim, porque também o Rui foi uma escolha.
Ponderada, reflectida e... ganha!
Não fiquei indiferente ao seu discurso, nem à promessa de assumir as suas opções, as suas ideias e o seu modelo de jogo... sem medo e sem se deixar influenciar e, até, amedrontar pela estratégia mesquinha de colegas seus, que teimavam em desrespeitá-lo, mas, essencialmente, em rebaixá-lo. 
Todo o seu profissionalismo, foco, dedicação, (muita!) entrega, humildade, estabilidade e... amor ao Benfica, não me são, de todo, indiferentes.
Por isso, agradeço-lhe, também, por sempre ter pensado em todos e em cada um de nós, Adeptos, e por sempre ter colocado a equipa à frente!
Sem os egoísmos e os egocentrismos de outros tempos.
O Rui preferiu o colectivo.
Afinal, para si, primeiro estava o Benfica, depois os seus jogadores, e nunca o eu egoísta e egocêntrico do antigamente.
O que lhe permitiu criar uma emocionante e inabalável união em torno do plantel.
Como há muito não se via.
Partindo daí para uma invejável união entre o plantel, a equipa técnica, a direcção e os adeptos. E como foi extraordinário ver como os adeptos saíram em sua defesa, contra a arrogância e falta de elevação de outros.
O Rui e os jogadores, juntos, permitiram que sonhássemos, com o tricampeonato e com uma grande campanha na Liga dos Campeões.
Com a sua grandiosidade e elevação, ensinou-nos a responder dentro de campo, mesmo perante a (tentativa de) humilhação e desrespeito de outros.
E em relação a mim mesmo, quando achou que, por segundos, possa ter duvidado (todos temos um momento de fraqueza...) teve o cuidado de me elucidar sobre alguns momentos menos bons do nosso Benfica, no passado, que terminaram em vitórias finais, nesses mesmos campeonatos ou, até, como Campeões Europeus.
Teve o cuidado de me relembrar, e com razão, que na época de 2013/14, depois de termos perdido tudo o que havia para perder, inclusivamente o 3.º de 3 campeonatos seguidos oferecidos, a final europeia e a Taça de Portugal - que, ironia do destino, o Rui nos ganhou -, também começámos a perder... e fomos campeões nacionais, a que se juntaram as Taças de Portugal e da Liga.
Relembrou-me, também, que na época de 2004/05 - depois de 11 anos sem conquistar nada - na antepenúltima jornada, que nos poderia ter valido o título anunciado, e mesmo com uma exibição bem conseguida e suficiente, perdemos o jogo.
Fez questão de me lembrar o campeonato de 1993/94, onde, logo no início, perdemos 5-2, em Setúbal, mas no qual, ainda assim, nos sagramos campeões!
Recordou-me, ainda que na época de 1961/62, depois de termos empatado, em casa, com o Sporting da Covilhã e com o Belenenses e fora com o Olhanense, Belenenses e Vitória de Guimarães, e perdido fora com a Académica e com o Sporting da Covilhã, fomos... bicampeões... Europeus!!! 
Confesso-lhe que durante esta época lembrei-me várias vezes de tudo o que me escreveu.
Tudo!
Como tinha razão!
Também esta época começámos a perder... e terminamos a ganhar, a conquistar mais um campeonato nacional, superando, inclusivamente, alguns recordes alcançados (número total de vitórias, número de vitórias consecutivas, número de golos marcados, número de pontos, entre tantos outros). E honra lhe seja feita, o Rui foi dos primeiros a querer ganhar.
Elogio-lhe a capacidade que teve em descobrir jovens talentos do nosso centro de estágios, cuja potencialidade foi sistematicamente desvalorizada por quem, antes de si, por cá andou, e de reinventar, e até recuperar, outros jogadores, contrariando exemplarmente - sem uma queixa, sem um lamento, sem um insinuar da necessidade de qualquer reforço - toda a maré de azar fruto, em grande parte, de lesões... Lesionou-se o capitão Luisão e o Rui apostou em Lisandro López. Lesionou-se, por sua vez, Lisandro López, e o Rui lançou... Lindelof, que estava, há muito tempo, escondido e subaproveitado na equipa B. Antes do possível jogo do título, lesionou-se Júlio César, e o Rui lançou (e apostou) no jovem promissor Ederson.
Sem medo, descobrindo mais um dos futuros enormes guarda-redes do futebol mundial dos próximos anos.
Agradeço-lhe, por isso, cada uma dessas apostas, que fez sem qualquer tipo de receio e sem nunca vacilar, bem como a ousadia que teve em lançar na equipa, ainda, Nélson Semedo e Gonçalo Guedes. 
O tal Nélson Semedo que tinha sido o eleito para substituir Maxi, mas que o destino teimou em criar-lhe também esse contra-tempo, pela lesão que o afastou parte da época.
Isto já para não falar no facto de ter aumentado substancialmente o rendimento de alguns jogadores, que já por cá andavam.
Sem que para isso tivesse de fazer grandes jogadores, como outros (acham que) fizeram com Pablo Aimar, Saviola, Garay, Di María, Javi, etc.
Também com os jogadores já existentes no plantel, e uma vez mais, o Rui conseguiu reinventar. 
Perante tudo isso, só me leva a crer que se cá andasse já há algum tempo, Bernardo Silva e André Gomes teriam tido outro brilho com a camisola do nosso Benfica!
Com toda essa ousadia, própria dos campeões, crença e persistência, ganhou o respeito dos seus jogadores.
Mais: ganhou o respeito de todos nós!
Até pela forma como viveu - e fez viver - cada jogo, como se o amanhã não existisse, ou fosse longe de mais...
Num claro exemplo de força e disponibilidade para o combate.
Com o Rui, voltamos a ganhar com humildade.
Hoje, todos, todos sem excepção, reconhecem que foi o homem certo no momento certo, desde o momento em que prometeu dar a vida pelo clube.
Conseguindo, ainda, impor o respeito que sempre lhe foi devido.
Com a vantagem de estar cá de alma e coração benfiquistas, sempre presente, como um dos nossos... Ou não o fosse, verdadeiramente! 
Obrigado Rui, pelo tricampeonato/35, pela 7.ª Taça da Liga e pela estrondosa campanha na Liga dos Campeões.
Com muita esperança de, daqui a um ano, nos poder dar o 36.
Um enorme abraço (de adepto para adepto... tricampeão)... do tamanho das alegrias que, nesta época, tivemos.
À BENFICA!!!"

Rui Gomes da Silva, in A Bola

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