"O que nos dirá o futuro sobre o caso Cardozo? Em 1953, Ferreira Bogalho dispensou Félix e entrou para a História. Agora o assunto parece bem mais complicado de se resolver sem danos.
NESTA pré-temporada serão, porventura, exageradas as angústias dos benfiquistas vendo a sua equipa sofrer golos em todos os jogos. Não menos exageradas serão as preocupações dos portistas que viram os seus campeões falhar duas grandes penalidades acabando por perder o jogo com o Galatasaray num torneio em Londres.
O Benfica ainda tem mais um jogo particular pela frente, amanhã frente ao Nápoles, até se estrear oficialmente na Madeira no próximo dia 18 de Agosto. Ou seja, o Benfica tem mais um jogo para sofrer golos à vontade, de bola parada ou de bola corrida, avolumando as desconfianças dos seus indefectíveis adeptos sobre a operacionalidade do sector defensivo ou sobre o modo como a equipa defende em bloco.
Importante, dirão os pragmáticos, é não sofrer golos no Funchal na primeira jornada do campeonato de 2013/2014. Garantida a inviolabilidade da baliza, o empate, no mínimo, estará assegurado. Depois basta marcar um golo.
Quanto ao FC Porto, garantem os estudiosos da estatística, também não existem grandes razões para ver nos falhanços a 11 metros de Jackson Martínez e de Lucho Gonzalez qualquer tipo de prognóstico para uma temporada azarada. Falhar, todos falham. Importante é ir tentando e nunca desistir.
E ninguém no seu perfeito juízo duvidará de que não faltará aos cobradores de penalties do Dragão um rol imponente de castigos máximos para se ressarcirem pela época fora, em jogos a sério, daqueles dos momentos de desacerto frente aos turcos do tal Galatasaray num jogo a feijões. Chegámos, finalmente, aos feijões.
Os jogos de pré-temporada são a feijões quer acabem bem, quer acabem mal. Quando, há coisa de duas semanas, vimos os jogadores do Benfica aflitos com o carrego do pesadíssimo troféu Cidade de Elche conquistado com um hat-trick de Rodrigo Moreno - no que terá sido o melhor momento individual em toda a corrente preparação dos tri-vice-campeões nacionais -, dificilmente os adeptos benfiquistas conseguiram descortinar na imponente estatueta mais do que saco de vinte quilos de feijão.
Trata-se de uma questão de bom senso. Feijão é feijão. E feijão não é fruta. E vice-versa. Benfica e FC Porto sabem-no bem. A expulsão de Artur aos vinte minutos do jogo com o Nice por ter conseguido atirar ao chão com um adversário no Estádio do Algarve e a não expulsão de Kelvin nos instantes finais do jogo com o Celta de Vigo por não ter conseguido atirar ao chão com o Nolito são disso mesmo a prova.
Acabado de chegar a estas altas instâncias do futebol profissional, o presidente do Sporting tem uma visão muito própria do que deve ser o relacionamento institucional com as equipas de arbitragem em período de Verão. Bruno de Carvalho saberá melhor do que ninguém que tipo de caminho entende por bem percorrer em prol dos interesses do emblema que o elegeu presidente no passado mês de Março.
Mas, com o devido respeito, está a exagerar. Foi, pelo menos, o que deixou transparecer quando no fim do jogo com o West Ham, em Portimão, correu do banco para a relva para admoestar prolongada e veementemente a autoridade em campo com transmissão em directo na televisão para todo o País ver.
O Sporting acabara de perder o seu primeiro jogo a feijões. Chegara, no entanto, ao intervalo a vencer por 1-0 com um golo de Diego Capel obtido na concretização feliz de uma grande penalidade que, com toda a franqueza, não teve qualquer razão para existir. Os festejos de Capel junto com a claque foram de tal monta que a vedação do campo foi abaixo e a polícia viu-se obrigada a entrar em acção para devolver os espectadores mais entusiasmados aos seus lugares na bancada. Outro exagero.
Capel inaugurou o marcador já o relógio do árbitro marcava 4 minutos de compensação sobre os primeiros 45 minutos. Na segunda parte os ingleses deram a volta ao resultado, chegaram ao 3-1 e o Sporting chegou ao 3-2 mesmo à beirinha do fim. Daí os protestos do seu jovem presidente. Bruno de Carvalho quereria do árbitro mais tempo extra para tentar o empate.
Conclui-se, deste modo, que para o neófito presidente não há jogos a feijões. Imagine-se Bruno de Carvalho no banco ao longo de três dezenas de jornadas do campeonato que vem aí, com jogos a sério e árbitros a sério, e fica-se logo com a ideia de que a próxima temporada oficial vais ser extraordinariamente animada.
O Sporting partiu diferente do FC Porto e do Benfica, sobre isso não há dúvidas. Ao contrário do FC Porto, o Sporting não falha penalties. Ao contrário do Benfica, que nem pode ouvir falar do assunto, o Sporting quer sempre mais minutos de tempo de compensação. Tudo isto promete.
NO jogo com o São Paulo o ataque do Benfica ficou a zero e logo das bancadas da Luz surgiu o esperável. Parte da multidão desatou em cânticos pelo paraguaio proscrito, o melhor marcador goleador estrangeiro do Benfica de sempre. Provavelmente muitos dos que cantaram o nome de Óscar Tacuara Cardozo foram os mesmos que durante meia-dúzia de anos o assobiaram à menor distracção. Assobiar é humano e não é isso que importa hoje discutir.
O caso Cardozo tem sido - e promete continuar a ser - um espinho no rosal da Luz. Já lá vão quase três meses sobre a final da Taça de Portugal e sobre o gesto do paraguaio que, num cúmulo de frustrações, apontou o dedo ao treinador e a colegas pelo derradeiro insucesso do Benfica em 2012/2013. Não o devia ter feito.
Diga-se, em abono da verdade, que não foi o único elemento do Benfica a portar-se mal no Jamor. O recolhimento apresado à cabina retirou à cerimónia da entrega da Taça ao Vitória de Guimarães a dignidade de que se reveste sempre aquele momento em que os vencidos, com a sua presença, prestam homenagem aos vencedores.
Mas como, englobando tanta gente, se tratou de um lapso estrutural não houve um único culpado a quem apontar o dedo. No caso de Cardozo, foi diferente. Tendo sido ele quem prevaricou, a solo, a estrutura, a existir, está isenta de culpas.
Desde a final da Taça, e acentuadamente nas últimas semanas face ao cariz irresolvível que tudo isto vem tomando, as notícias dos jornais ora apontam para a saída de Cardozo como uma exigência do presidente, ora como uma exigência do treinador, o que, em termos práticos, constitui material tóxico bastante para envenenar uma época inteira quer ao presidente, quer ao treinador. Quer ao próprio Cardozo se, numa eventual reviravolta, acabasse por ficar no Benfica a ter de ouvir, a cada falhanço, os assobios de muitos dos que cantaram por ele na semana passada.
O que dirá a História no futuro sobre o caso Cardozo?
Sobre o caso Félix Antunes, ocorrido em 1953, já o sabemos. A dispensa de Félix Antunes é hoje lida como uma das glórias do mandato de Joaquim Ferreira Bogalho.
Félix fora o esteio do Benfica durante anos a fio, o primeiro defesa-central moderno do nosso futebol, dizem os historiadores e quem o viu jogar, num período em que o Benfica não ganhava campeonatos com regularidade porque era o Sporting que o fazia.
O que o Benfica ganhava ao tempo de Félix eram Taças de Portugal. Quatro de seguida em 1949, 1951, 1952 e 1953 visto que em 1950 não se disputou o troféu.
Tal como Cardozo, Félix tinha 30 anos e uma bela folha de serviços quando foi dispensado. E se Cardozo tem quatro Taças da Liga de rajada, Félix fez o mesmo com quatro Taças de Portugal. O que a História nos conta hoje sobre Félix é que faltou ao respeito ao Benfica por ter atirado com a camisola para o chão na cabina depois de uma derrota em Setúbal.
Mas conta-nos mais. Na semana que antecedeu esse jogo fatal em Setúbal, Félix tinha viajado até à Áustria ao serviço da Selecção Nacional que fora copiosamente derrotada. O resultado foi mau em Viena e o comportamento de alguns jogadores também, incluindo Félix. E todos foram multados pela FPF no regresso a Portugal.
Joaquim Ferreira Bogalho considerou inaceitável e de lesa-Benfica o comportamento de Félix na Selecção e aplicou-lhe uma multa do próprio clube a somar à multa da Federação. Foi este o motivo subjacente ao episódio da camisola atirada ao chão.
Poderá parecer estranho nos dias de hoje um clube castigar um seu jogador por considerar insuficiente o castigo aplicado por outra instituição. No entanto, em 1995 o Manchester United fez precisamente a mesma coisa com o seu deus Eric Cantona.
O francês foi-se à patada a um adepto do Crystal Palace e antes mesmo de a Federação inglesa julgar o incidente, o Manchester United suspendeu o seu jogador até ao fim da temporada de 1994/1995.
Voltemos à nossa terra. O que ficou para a História no caso Félix foi a decisão inapelável de Ferreira Bogalho, o presidente que não se importou de, naquele mesmo instante, mandar embora a maior referência do clube por ter faltado ao respeito à camisola.
Quanto ao treinador à época, honestamente, já ninguém se lembra quem era e qual terá sido a sua opinião, se a teve, sobre o assunto.
O caso disciplinar de 1953 foi um sucesso. O de 2013, pelo que envolve e pelo que se deixou envolver, tem tudo para não o ser. Que pena.
PS - E pronto. Com quase três meses de atraso, Cardozo fez ontem à noite o que devia ter feito logo na tarde da final da Taça, poupando-se e poupando-nos a esta novela. Vá lá, lembraram-se..."
Leonor Pinhão, in A Bola
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