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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Contas do fair play

"Passo a passo, os burocratas e os tecnocratas assumem as rédeas dos poderes que nos administram. Diz-se que os mecanismos partidários não atraem os melhores e os íntegros; acode o perfil “apolítico” para suprir a falência iminente e disseminar um outro modelo. Os políticos profissionais entram em decadência; pedem-se os profissionais técnicos, sem a rede da política. Chegou ao Estado a necessidade de introduzir, com novos atores, as “boas práticas” das organizações e das empresas. Nestas – depois de muitas burlas contabilísticas, promiscuidades entre quem gere e as entidades geridas, remunerações desproporcionadas, derrocadas de empresas de referência – proliferaram as regras de “governação”, enquanto conjunto de normas e de princípios de comportamento que norteiam os poderes de decisão e o controlo ou fiscalização das organizações. São regras agora agarradas pelo Estado, no sentido de cobrir os défices, estimular a competitividade da economia, promover reputação, reconquistar o financiamento externo e, no fim de tudo, permitir que o país continue. E não faltará muito para termos um “código de conduta” para se assumir funções políticas e, se aquele for violado, ser-se destituído. É para aí que estamos a seguir.
As últimas duas décadas de futebol, lá fora e cá, foram marcadas por desvarios múltiplos na gestão financeira dos clubes, contaminados pelo mundo global. A roupagem das sociedades desportivas, a atração de recursos humanos qualificados, o aperto nas regras da contabilidade, do fisco e das contribuições sociais e uma nova malha de regulamentos não foram suficientes para evitar um galope aflitivo de endividamento. Os “dirigentes” tradicionais perceberam já que vem aí um tempo de “governação” endógena, em que não é legítimo acrescentar sucessivamente passivo ao passivo.
As principais ligas europeias (como Itália, Inglaterra e também a nossa) começaram a fiscalizar periodicamente o respeito dos compromissos dos clubes, com destaque para os salários e dívidas a outros clubes, sob pena de perdas de pontos e despromoção. No vértice da pirâmide, o Comité Executivo da UEFA aprovou uma nova disciplina para a participação dos clubes nas suas provas (“financial fair play regulations”), que assenta na fiscalização das suas finanças em relação às três últimas épocas – entrará em vigor na época 2013/14 e a primeira época sob análise está em curso. Se olharmos para o documento estão lá as noções fundamentais de equilíbrio e cumprimento. E de controlo dos “desvios” nas contas. Até 2017-2018, aceitar-se-ão perdas de 45 e 30 milhões de euros entre receitas e despesas, mas, depois, o princípio é que não será aceitável um “desvio” superior a 5 milhões de euros! Seguem-se a avaliação, as correções e as sanções. Espero para ver, contudo, o nome e o peso dos incumpridores…
Tal como ao Estado aportam os técnicos “pouco políticos”, as regras de “governação” trarão ao futebol os tecnocratas “pouco desportivos”. Em potencial colisão com os interesses instalados, não terão vida fácil. Como não tiveram nem têm todos aqueles que são indiferentes no que toca à “rede” do meio…"


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