Últimas indefectivações

sexta-feira, 15 de abril de 2011

E não se pode apagá-los?

"No dia do Benfica-FC Porto, no Estádio da Luz, assistimos a uma das cenas mais baixas e canalhas da história do Futebol português. Onze mamíferos, sem honra nem dignidade, recusaram-se a entrar em campo de mão dada com crianças, como é prática nos jogos do Campeonato. A atitude é de uma pequenez repelente. Nenhum ser humano que se preze de o ser recusa dar a mão a uma criança. Os onze mamíferos recusaram.

Demonstraram com esse gesto uma ausência de carácter que os atira para o nível da escumalha social daqueles que arrancam cadeiras, destroem bares e quartos de banho e sujam as paredes com excrementos. São o «lúmpen». Restos humanos...

Perante tal atitude, que dizem os nossos doutos opinadores televisivos, os nossos plumitivos que diariamente assassinam a gramática e a ortografia? Gritam a sua indignação pacóvia:

-Ah! Que bandidos! Apagaram a luz!

Durante épocas a fio, os dirigentes do FC Porto dedicaram-se às mais infames distorções da verdade desportiva. O presidente da agremiação reunia-se em casa com árbitros na véspera dos jogos em que estes iam apitar o seu clube. Ofendidos, chocados, os jornalistas de fancaria soltaram de viva voz:

-Ah! Corrécios! Apagaram a luz!

Gente de espinha direita, que se opôs a esta nova forma de fascismo com epicentro nas Antas, foi perseguida, perdeu o emprego, foi sujeita a espancamentos bárbaros e à tortura de julgamentos de farsa. Que escreveram, solidários, os seus colegas mansos e de espinha mole?

-Ah! Que vergonha! Apagaram a luz!

Um garoto arruivado sem maneiras, a quem a Comissão de Arbitragem resolveu oferecer como prenda um Campeonato Nacional, gane contra os árbitros que, por vontade do seu dono, até ficam de cócoras se tiverem de entrar pela porta do seu estádio. Que solta a urba dos podriqueiros nas primeiras páginas dos seus pasquins?

-Ah! Inclementes! Apagaram a luz!

Na Luz, nesse domingo, os jogadores do Benfica entraram em campo com as mãos cheias de crianças. Os jogadores do FC Porto entraram de mãos a abanar. Nada na manga: muito menos dignidade. Os meninos ficaram a ganhar: não tiveram de desinfectar as mãos depois.

Não bastou apagar a luz; era preciso apagá-los todos. É no lado escuro da vida que se sentem bem."


Afonso de Melo, in O Benfica

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