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sábado, 5 de junho de 2010

Ramires


"Ex-auxiliar de pedreiro, Ramires teve na bola a chance de fugir da marreta
Volante, criado em Boa Sorte de Barra do Piraí (RJ), conta, em série do Jornal Nacional, que ganhou velocidade fugindo das broncas da avó



Marreta, pá, tinta. Tudo isso faria parte de seu cotidiano se não virasse jogador de futebol. A bola, contudo, fez um menino franzino do bairro Boa Sorte, do município de Barra do Piraí (RJ), mudar de rumo. Estamos falando de Ramires, personagem da série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os convocados por Dunga para a Copa do Mundo de 2010.

De origem humilde, Ramires, ainda no início da adolescência, teve que ajudar no sustento da casa. Para isso, foi trabalhar junto com seus dois tios, Jairo e José, como auxiliar de pedreiro. Função que o garoto desempenhava não com muita vontade.

- Não era de correr do trabalho, mas também não era firme. Tinha sempre que alguém pegar no pé. Em campo, ele não se esconde. Aparece até demais. Se ele não batesse a bola, ia ter que bater a marreta. Melhor bater a bola, neh? – brinca o tio Jairo.

O jogador não esconde que não gostava da profissão que aprendia e diz que sempre teve a intenção de mudar de rumo

- Servente de pedreiro faz bastante coisa. Debaixo de sol quente, carrega pedra, tijolo... Eu gostava mais de jogar bola, mas não tinha jeito, tinha que ajudar em casa. E foi isso que apareceu. Nunca me importei com serviço pesado, mas sempre falei que não ia ficar só naquilo. Meu sonho era ser jogador de futebol, mas se não desse, eu ia estudar.

A obstinação de Ramires enche sua mãe de orgulho.

- Se ele não tivesse insistido no objetivo dele, não teria conseguido. Mesmo com as dificuldades que enfrentou, não desistiu. Ele não queria ser pedreiro, então foi atrás. Mérito dele – conta Dona Judite.

Para sorte de Ramires e dos brasileiros que estarão torcendo por ele na Copa do Mundo, os caminhos do futebol foram abertos para o volante. Conhecido por sua velocidade, o jogador passou a "treinar" esse atributo quando ainda era criança.

- Para minha mãe não dar uns pegas nele, ele tinha que correr. Para não levar uns esfregas dela - brinca Dona Judite.

Criado pela avó

A história contada por Dona Judite ilustra um pouco a importância de Dona Teresinha, avó do volante, na vida dele. Como a mãe trabalhava em outra cidade, o jogador e seus irmãos foram entregues aos cuidados da matriarca da família.

- Minha avó foi minha mãe. Fui criado com ela. Eu gostava muito dela. Mas ela teve um derrame e não conseguiu fazer toda a fisioterapia que precisava para voltar a ter os movimentos. Eu estudava de manhã, chegava à tarde e ficava até de madrugada cuidando dela. Aquela ali, não tem jeito, está no coração - conta, emocionado o jogador.

Em 1999, Dona Teresinha piorou de saúde e acabou falecendo. Fato que mexeu muito com o jogador.

- Minha mãe tomava conta dele. Foi um baque muito forte. Até hoje, ele sente. Tem uma ligação fortíssima com ela. Ele se emociona muito quando fala da minha mãe – diz Dona Judite.

- É a pessoa que eu queria muito que estivesse aqui hoje, vendo o que está acontecendo comigo. As mudanças que estão ocorrendo. De onde ela está, tenho certeza que está vendo todo o esforço que estou fazendo, toda a luta – afirma Ramires.

Apoio de toda a família

Apesar do carinho por Dona Teresinha, não foi só a avó quem apoio o volante em sua luta para se profissionalizar. Irmãos, pais, amigos e tias acreditavam no talento do menino. Tanto que uma delas lembra até hoje da primeira chuteira que Ramires usou.

- Todos os coleguinhas tinham chuteira, aí ele ficava me empetelhando. Ele ia ter um jogo no dia seguinte e dei a chuteira. Foi dado de bom coração. Família é assim: um dia não pode, outro pode. A gente faz porque a gente ama. Mas, graças a Deus, deu certo – lembra tia Janete.

Objetivos grandes

Tia Janete apostou no sonho de Ramires. E, hoje, toda a família tem orgulho de onde o craque chegou. Mas ninguém acredita que ele atingiu tudo aquilo que queria. Para os familiares, o volante ainda vai buscar muito mais.

- Ele não vai parar tão cedo. Vai muito longe ainda. Não chegou nem na metade do caminho do que ele quer. Vai muito mais longe – garante o pai, Maurílio Marquês.

- Eu ainda não cheguei mesmo. Sinceramente, quando eu pensava em ser jogador, pensava em ser um jogador normal. Pensava que não ia ter muito nome, muita repercussão. Depois que fui convocado para a sub-23, vi que poderia ir mais longe. Hoje, o objetivo é ir para uma Copa e ser campeão – revela Ramires.


O sonho da Copa do mundo

Pai, mãe e toda família de Ramires estarão na torcida para que o filho atinja esse objetivo já na África do Sul, durante a próxima Copa. Embora os parentes já esperem um grande sofrimento durante as partidas do Brasil no torneio.

- Se não enfartar, acho que aguento assistir tudo. Ver meu filho na Copa do Mundo vai ser diferente – diz o Sr. Maurílio.

- Eu acho que não vou aguentar. Daquela vez que ele foi para a África (na Copa das Confederações, em 2009), eu já não consegui me conter. Me emociono vendo ele jogar. – diz Michelle, irmã de Ramires.

A cara do pai

Para o Sr. Maurílio, assistir aos jogos da Copa do Mundo vai ser quase como se estivesse participando dela. Afinal, basta olhar para o filho para ter a impressão de estar vendo sua própria imagem.

- Todo mundo fala isso. Às vezes, eu olho no espelho, para ver se acho mesmo. Mas pareço, sim – brinca.

Ramires também se acha parecido com o pai, mas tem outro modelo masculino.

- Sou bastante parecido com meu pai. Mas a figura que me criou mais foi meu irmão. Eu ia atrás dele. Queria ter convivido mais com meu pai, mas eu gosto dele um monte – diz o jogador.

Ramires e o pai sempre moraram distantes um do outro. Maurílio Marquês, de outra cidade, sempre visitou o filho e deu ajuda financeira, mas acabava ficando por fora da vida de Ramires.

- Quando eu vi a primeira vez ele jogando (como profissional) foi em um bar de Volta Redonda. Estava passando um jogo do Cruzeiro e ouvi falar “Ramires”. Aí eu pensei “eu tenho um filho Ramires que joga naquelas bandas”. Quando eu vi que estava focalizando ele, parecia que eu estava saindo do chão - conta o pai.

- Futebol ele gosta, mas não acompanha muito. Quando eu fui para o Cruzeiro, foi muito rápido. Muita gente não sabia. E eu não tinha muito nome, ainda estava começando. Por isso ele não sabia – relata Ramires.

Dos times do bairro ao título português no Benfica

Ramires começou jogando futebol em um campinho perto de sua casa, no bairro de Boa Sorte. Antes de jogar, precisava afugentar as vacas que passavam pelo local. A habilidade do garoto começou a chamar a atenção desde essa época. Com isso, foi chamado para atuar em alguns times locais, antes de ser contratado pelo Joinville (SC).

Do time catarinense, Ramires se transferiu para o Cruzeiro, onde ficou conhecido no cenário nacional e atraiu a cobiça de grandes clubes europeus. Contratado pelo Benfica, o jogador se sagrou campeão português da temporada 2009/2010.

Na seleção, o jogador teve destaque na Copa das Confederações 2009, já sob a batuta de Dunga. Nas eliminatórias, também fez parte do grupo que se classificou em primeiro lugar, com três rodadas de antecedência. Todos essas conquistas são compartilhadas com a mãe, que segurava as medalhas do filho durante a entrevista. Mas falta uma na coleção de Dona Judite: a da Copa do Mundo.

- Vou segurar ela também – garante.

Se o ditado que diz que coração de mãe não se engana estiver certo, o Brasil já pode começar a preparar a comemoração."



in Globo Esporte




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