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terça-feira, 28 de novembro de 2023

Perguntar não ofende...


"... pelo menos é o que diz o velho adágio popular. Mas será mesmo assim?

Há muitos, muitos anos, alguém veio ter comigo com aquele ar de pessoa que tem sempre qualquer coisa para dizer sobre tudo, e disfarçou uma opinião (depreciativa, diga-se) sob a forma de pergunta. Pergunta essa que evidentemente, não foi colocada por curiosidade. Foi feita com intuito de provocar, na melhor das intenções. Depois de ter levantado a questão, a mesma pessoa que a fez (com um ar de indignação) retracta-se dizendo "Perguntar não ofende!"
Não?
Eis então algumas formas de (não) ofender, sempre num tom interrogativo.
1. A maneira mais óbvia é também a mais simples: rearranjar as palavras de forma a que a afirmação passe a interrogação.
"E se te fosses —#%*@ seu grandessíssimo #%*@?"
Simples. Eficaz.
2. Não havendo destreza mental para rearranjos de palavras, há o método mais básico de todos: pensa-se num insulto qualquer, seguido de confirmação. "Tu és uma besta… não és?"
Muito útil naquelas situações em que "pensamos alto", e toda a gente se vira para nós com ar surpreendido.
3. Outra hipótese de insultar através da interrogação, é revelar que se suspeita de qualquer coisa, ou que há uma dúvida que nos assola. Nestes casos, as questões começam normalmente com um "É impressão minha", ou "Eu não tenho a certeza, mas...".
"É impressão minha, ou maquilhaste-te às escuras?"
"Eu não tenho a certeza, mas o bigode não é uma característica masculina?"
4. Para quem não se quer esforçar, há sempre as clássicas...
"O médico deixou-te cair à nascença?"
"Onde é que andavas quando Deus distribuiu a inteligência?"
5. Ofender em forma de questão também pode ser uma arte, quando não se faz qualquer referência à pessoa em causa (convém não ser muito rebuscado, porque o objectivo final é que se apercebam que foram ofendidos):
"Alguém quer uma pastilha?" (repetir a mesma pergunta 3-3 minutos olhando a pessoa nos olhos)
"Já chegámos ao Carnaval?"
"Preferem que fale mais devagar?"
Não é fácil responder a estas pessoas, e de uma maneira que seja proporcional ao que te disseram. É que em fracções de segundo, tens de ter em conta o ambiente e local onde estás, as pessoas que te rodeiam, o impacto que teve em ti (etc etc) e decidir:
Devo ofender de volta?
Deverei demonstrar que não me afectou?
Respondo fisicamente?
Apliquemos agora este conhecimento ao que se passou após o jogo com o Sporting CP. Roger Schmidt foi interpelado por um jornalista (cujo historial não é desconhecido pelos adeptos) que tinha claramente uma opinião. A opinião era que o Benfica não tinha merecido vencer o derby. E como previamente mencionado neste post, fez o que muitos jornalistas fazem hoje em dia: disfarçar opiniões sobre a forma de pergunta.
É uma pergunta que só tem 2 respostas: sim, ou não. Respondendo afirmativamente, o treinador do Benfica iria indicar duas coisas: que o Benfica não mereceu o resultado (o que obviamente levaria os jornalistas a perguntar se era uma crítica aos jogadores, um elogio ao adversário, e/ou um elogio à arbitragem), e atribuir o mérito a terceiros (por exemplo, dizer que foi o Sporting que perdeu o jogo, algo que por coincidência, foi afirmado pelo treinador do Sporting mais tarde). Roger poderia ter respondido também com um simples "não", mas é aí que vem à baila o contexto da pergunta, enquadrando com o que a CS tem escrito/falado esta temporada, e contrastando com o tratamento dado pela mesma CS a outros treinadores.
Podemos aqui dissertar sobre a real obrigação deontológica de um(a) jornalista, esquecendo que a larga maioria que cobre eventos desportivos tem a sua própria cor clubística. Mas o que se seguiu foi um ataque da comunicação social à reacção de Roger Schmidt, descontextualizando por completo o que se tinha passado até ali, e o histórico do indivíduo que fez a questão (alguém sequer mencionou episódios passados do repórter? alguém trouxe à esfera da opinião pública as palavras que ele falsamente colocou na boca de Rui Vitória para provocar Jorge Jesus?)
Enfim... o ditado continuará a ser difundido, e muitos continuam a escudar-se com o adágio popular para provocar e ofender. Mas tenho uma teoria, da qual estou plenamente convicto. É que se perguntar não ofende, responder também não mata!..
..a não ser que tenhas licença de porte de arma."

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