"A 17 de Março de 1974, o Sporting e o FC Porto jogaram em Alvalade, como ontem. Mas o que estou a contar não é sobre futebol. É o seguinte, na redacção do jornal República, o jovem editor de desporto escreveu um artigo sobre aquele jogo e mandou-o para os serviços de censura. Naquele tempo, o que aparecia nos jornais, mesmo sobre jogos de futebol, era lido por censores. Daquela vez, o censor, distraído, aprovou o artigo, que foi publicado. Dizia: "Os muitos nortenhos que no fim de semana avançaram sobre Lisboa, sonhando com a vitória, acabaram por retirar, desiludidos com a derrota. O adversário da capital, mais bem apetrechado (sobretudo, bem informado da sua estratégia), fez abortar os intentos dos homens do norte. Mas, parafraseando um astuto comandante, perdeu-se uma batalha mas não se perdeu a guerra"... O narrado batia certo com os factos ocorridos nos 90 minutos: o Sporting ganhou (e já agora por 2-0). Mas esta história e aquele antigo artigo não são sobre futebol. No dia anterior ao jogo, sábado, 16 de março de 1974, acontecera o Regimento de Infantaria 5 ter saído de Caldas da Rainha e marchado sobre Lisboa. Embora não por muitas dezenas de quilómetros, Caldas fica a norte de Lisboa e, nesse sentido, os que de lá vêm são "nortenhos"... Os sublevados foram parados às portas da capital por forças fiéis ao regime salazarista e retiraram-se para o seu quartel, onde se renderam. O comunicado oficial sobre o assunto foi: "Reina a ordem em todo o país." Batalha perdida, "mas não se perdeu a guerra". Como vaticinou o corajoso jornalista, seis semanas depois do falhado Golpe das Caldas, aconteceu o vitorioso 25 de Abril... Ontem, houve dois jogos da Taça de Portugal (no outro, jogou o Caldas, clube amador), mas isso é futebol. O que faço aqui é aproveitar para lembrar a extraordinária coincidência de se terem juntado os três, Sporting-Porto-Caldas, outra vez. Então, lembro: já houve tempos em que os relatos dos jogos nas quatro linhas deviam ser escritos e lidos nas entrelinhas."
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