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terça-feira, 24 de abril de 2018

O Três Pés não cabia em si de contente!

"Alfredo Abrantes veio lá da zona oriental de Lisboa. Começou por ser ponta direita, mas fixar-se-ia como central. Tavares da Silva, o jornalista que inventou a expressão Cinco Violinos, também lhe arranjou uma alcunha.

Hoje falo de Alfredo. Dizia que se iniciou no futebol jogando na praia Xabregas (chamávamos-lhe o Estádio de Xabregas), ele que depois foi para o Oriental, como não podia deixar de ser, o grande clube da sua zona da cidade.
Andou na Afonso Domingues, mas a bola era demasiado atraente para um rapazinho como ele. Aos 14 anos trabalhava na União das Estamparias, nos Olivais, com uma máquina cardadeira, e dois anos depois passou para a Auto Carbox como aprendiz de mecânico de automóveis antes de se fixar na Fábrica dos Fósforos, essa mesmo que esteve no origem do velhinho Cê-Ó-Eli, Clube Oriental de Lisboa, pois então.
Antes do Oriental havia o Fósforos e o Marvilense e o Chelas. Depois juntaram-se os três à esquina da Rua Zófimo Pedroso à maneira de quem vai cantar o solidó.
No Fósforos, o treinador era Abrantes Mendes, que chegou à selecção nacional e foi figura proeminente no Sporting durante quase toda a sua vida.
Ele percebeu que Alfredo cabia nos juniores do Sporting. E Alfredo foi ao Lumiar prestar provas. Só não ficou porque não quis: 'Francamente, a minha propensão não era o Sporting. O que eu queria era jogar no Benfica. Por mais de uma vez meti pernas a caminho para ir treinar ao Campo Grande... mas chegando ao portão perdia a coragem e voltava para trás'.
A coragem
O futuro de Alfredo passaria pelo seu sonho.
Pelo meio, o Oriental, como já vimos.
Entretanto, sai da direita para o centro: isto é, passa a jogar a defesa central. Contrariado, ainda assim: 'Gostava de correr e de marcar golos. Mas, depois, fui percebendo que estava sempre em jogo e que tinha certa queda para a posição'.
Num encontro de preparação enfrenta o enorme Ben David, do Atlético. A sua exibição foi tão eficiente, que ganhou a alcunha: Três Pés.
'Não sei quem descobriu essa. O certo é que começou a divulgar-se essa alcunha. E em certo jogo contra o Benfica, o dr. Tavares da Silva na crónica do Diário de Lisboa falou pela primeira vez no Três Pés'.
Tavares da Silva: o jornalista da expressão Cinco Violinos. Tinha jeito para nomes.
Três Pés ficou.
O Oriental sobe à I Divisão, o FC Porto convida Alfredo e Eleutério, seu colega no clube.
Eleutério viaja para o Norte, Alfredo não.
No ano seguinte, alguém o procurou no café que frequentava, no Poço do Bispo. Emissário do Benfica.
Alfredo não estava. O ardina da zona ficou com um bilhete que lhe era dirigido: que fosse ao pavilhão do Benfica, na Feira Popular, que se apresentasse para discutir a possibilidade de um contrato.
O Três Pés não cabia em si de contente!
'Confesso que houve uma altura em que receei que o Oriental não concordasse com a transferência. Felizmente, em belo dia recebi um recado para comparecer com urgência na secretaria do Benfica, onde fui informado de que os dois clubes tinham chegado a um acordo. Estreei-me contra o Belenenses'.
Entre 1954 e 1959, Alfredo-Três-Pés, de apelido meio cacofónico Abrantes Abreu, viveu momentos felizes no Benfica. Depois apagou-se.
Com o prémio da transferência abriu uma casa de vinhos e petiscos a meias com o sogro. Quando lhe pediam para escolher o melhor jogo da sua carreira, falava de uma tarde em Caracas, na Venezuela, na disputa da Pequena Copa do Mundo. Defrontara o holandês Wilkes, do Valência, e metera-o no bolsinho do colete, como se costuma dizer.
Tanto lhe fazia jogar com o pé direito ou com o esquerdo.
'Tinha dois pés que valiam por três', escreveu Tavares da Silva.
Três-Pés ficou."

Afonso de Melo, in O Benfica

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