"Estava já com artigo escrito para felicitar o Sr. Presidente da FPF pela sua atitude em antecipar a introdução do Vídeo-Árbitro na próxima época. Não porque concorde com essa medida (o meu cepticismo e total desacordo, só mais tarde poderão ser resolvidos) mas porque o Presidente afirmou-se como líder e tomou posição frontal.
Falou e justificou a medida de forma fundamentada: como estratégia para a indispensável pacificação no futebol e na arbitragem.
Passadas algumas horas, confirmou-se que o Vídeo-Árbitro é para todos mas com meios diferentes: para os grandes, mais meios do que para os outros.
Que grande e triste autogolo!
Por mais diversas que sejam as realidades, as competições têm de manter condições iguais para todos os jogos. Só no campo é que se vê quem joga grande ou pequeno.
Claro que os orçamentos e recursos são diferentes, mas isso deve corresponder aos clubes e não às competições.
Tinha começado tão bem, Presidente!
Inclusive na hipótese de recorrer a árbitros que recentemente abandonaram e que, com experiência valiosa, podem contribuir para aprofundar os conhecimentos desta geração espontânea de internacionais a que falta “o saber de experiência feito”… cujas consequências atingiram limites impensáveis.
Vivemos tempos de grandes incertezas e elevadas pressões generalizadas. Faltam valores, responsabilidade, rumos e coragem.
Somos campeões da Europa. Temos de procurar estar à altura desse notável feito.
Um bom início seria começar pela avaliação do desempenho dos árbitros com uma equipa reduzida de especialistas que analisariam os vídeos de todos os jogos (relembro que até nas competições distritais já há quem filme muitos jogos, como a AFAtv, de Aveiro).
Identificavam-se falhas e erros, avaliavam-se as actuações e até se poderiam indicar metodologias para aperfeiçoamento.
De forma inesperada, começaram campeonatos paralelos, qual deles o mais prejudicial ou até mesmo ridículo: quem divulga mais contributos, quem apresenta mais ideias, quem reúne mais vezes com a tutela e quem não consegue manter o sigilo das conclusões das reuniões.
No fundo, estamos num permanente jogo de antecipação mas sem golos, nem bolas, só de palavras e suspeições.
Surgiram ideias abstrusas: equipa que criticar com maior “veemência” as arbitragens perde pontos, com a concordância de alguns dirigentes, da APAF e até da LIGA. Ao ponto a que chegamos!
Foram ideias que nunca deveriam ter sido publicadas, pois revelam enorme desconhecimento do futebol, das competições e de bom senso.
Comentadores afectos aos clubes poderiam também ocasionar perda de pontos, o que certamente traria um novo jogo: infiltração de comentadores nos adversários.
Depois veio a questão das multas, da sua padronização o que, caso legalmente não possa haver indexação aos orçamentos dos clubes, pode fazer com que para os mais poderosos “o crime compense”.
E nem vamos abordar as decisões do Conselho de Disciplina da FPF, a sua fundamentação (?), porque nesta altura entendemos que o futebol merece um esforço de todos para serenar, mesmo que quem tenha responsabilidades continue a manter climas inadequados e prejudiciais.
Cada dia uma surpresa maior… triste, mas é a realidade que ainda temos, eventualmente por défice de paixão para com o futebol e excesso de vontade de protagonismo ou presunção de “origem de poder superior”.
Esse anúncio para pacificação foi penalizado, secundarizado, o que é estranho quando falamos de instituições altamente profissionalizadas, mas com muitas lacunas, particularmente na capacidade de previsão, de diálogo, na resposta rápida e competente.
Quando não se consegue partilhar e a convicção de infalibilidade surge, os desastres acontecem: falta a sabedoria que a vida dá.
Aproveito para partilhar, senhor Presidente, alguns tópicos (nunca sugestões estruturadas pois não entro no campeonato público das soluções milagrosas) que devem merecer atenção máxima, para as devidas especificidades e relações com a Liga e o Sr. Secretário de Estado/IPDJ.
Edificar um sólido e coerente edifício normativo e de procedimentos para a FPF é garantia de desenvolvimento e de entendimento.
Alguns temas para manter em estudo contínuo:
Claques (há países com obra feita e “Lei de Futebol” em vigor há muito tempo), plano específico para formação dos escalões mais baixos, formação de treinadores sempre com direcção pedagógica e com revogação deste modelo actual, formação dos outros agentes desportivos de forma pragmática e motivante, em função das nossas realidades, quadros competitivos optimizados, formação dual para jogadores profissionais e gestão de carreiras, regime de empréstimos de jogadores, impossibilidade de treinadores exercerem funções, na mesma época, em clubes da mesma competição, formação contínua em moldes adequados e não em negócios que implicam um preço sem certificado e outro mais elevado com certificado para créditos, tratando-se da mesma acção (IPDJ desconhece ou aceita?), celeridade das decisões do CA e do CJ, sugestões de princípios para contactos com comunicação social, apostas desportivas, certificação de investidores, garantias bancárias para salários, salários em atraso e muito mais.
Todos concordamos com o conceito de negócio, mas divergimos na função totalitária que está a exercer sobre o futebol-jogo-desporto-espectáculo desportivo.
Os factos, revelam desastrosas consequências globais e investimentos de risco (Panamá Papers, crise das dívidas soberanas, especulações com a “banca a destruir economias” e outros exemplos).
O futebol está a correr muitos e sérios perigos, numa corrida galopante, em que muitos jokers se tentam posicionar para o dominarem, de qualquer maneira – o importante é o imediato, o máximo poder e dinheiro que conseguirem – nada mais falso e perverso!
A maior parte dos clubes e jogadores estão na base da pirâmide e são indispensáveis à sustentabilidade do futebol.
Todos gostaríamos de saber se o “Portugal 2020” arrecadou verbas consideráveis para a formação na área do desporto e se assim for o que tem sido feito?
A solidariedade, consagrada em regulamentos, do futebol profissional para o não profissional e de formação, ainda existirá e terá a dimensão adequada?
Fazer formação a dirigentes sobre ética e carácter, não se pode limitar a uma listagem de ideias distribuídas numa sala, em duas dúzias de horas, possibilitando uma amena partilha de experiências.
Tem de ser muito mais e traduzir-se em mudanças de comportamentos e de atitudes.
Já que vão colocar câmaras televisivas, sugiro a colocação de uma, especificamente para a área de intervenção do 4.º árbitro, para que casos como o de Brahimi sejam exemplos sem repetição para nenhum clube.
Ninguém pode estar acima de suspeições, por isso nunca se podem permitir acusações de “encostar a face” unicamente com base na palavra de quem o afirma e sem alguma prova.
O Estado deve intervir o estritamente necessário, com firmeza, competência e rigor. Manter-se como ressonância de outras tutelas é redução de significado e de sentido.
Muitos assuntos podem ser tratados de forma envolvente:
1- A FPF/LIGA esboçando um projecto de intervenção.
2 – Em grupos mais alargados, com especialistas independentes, aprofunda-se reflexão.
3- Os clubes recebem pequeno esboço para se pronunciarem.
4 – Esses contributos regressam ao grupo de especialistas para uma fundamentação mais pormenorizada.
5- A FPF/LIGA, após analisar devidamente as propostas, decide, aprova documento final, divulga-o, publica e exige o seu cumprimento, num tempo bem definido.
Todo este processo tem de revelar coerência, o que traduzido de forma simples, quererá dizer que o sigilo tem de ser salvaguardado, mediante compromisso prévio de todos os intervenientes.
O futebol é um jogo colectivo que exige aptidões diferenciadas que só ganham dimensão quando ao serviço da equipa.
O que não faltam são temas para pensar o futebol que temos e pistas para construir o futebol que queremos, mesmo que coexistam divergências… para isso, há estratégias de consensos.
Não faltam áreas onde ocorreram procedimentos estranhos e sem sustentabilidade em que os interesses do futebol nacional no seu todo não tiveram a melhor opção.
O futebol tem de ser diferente e manter independência e sentido de serviço não só aos adeptos mas a toda a humanidade.
Um jogo pode unir povos desavindos.
Decisões estritamente ao serviço do negócio (direitos de transmissões televisivas, grandes marcas e interesses, apostas desportivas e outros) podem potenciar um caos sem reversão, caso não se consiga estabilizar uma liderança forte, competente, em prol do futebol.
Enquanto é possível, não tentem desvalorizar quem sente a paixão pelo jogo.
O tempo provará quem intencionalmente “marcou golos na própria baliza”, desvendando razões, intenções, benefícios e atitudes.
Aí entrará o julgamento da História."
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