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terça-feira, 2 de maio de 2017

Como os olhos de Elizabeth Taylor

"Em Junho de 1955, houve um domingo de Académicas. O Benfica venceu o Campeonato Nacional de Juniores, nas Caldas da Rainha, e a meia-final da Taça de Portugal, em Santarém. Coimbra não chegou a ter encanto...

A Académica é um dos clubes históricos do futebol em Portugal. Durante anos manteve, com o Benfica, relações de proximidade que se estreitaram em momentos únicos, como foi o caso da célebre final da Taça de Portugal que teve lugar em plena crise académica.
Mas houve um dia especial, e é esse que recordo aqui.
Dia 6 de Junho de 1955.
Nem em Lisboa, nem em Coimbra.
Em Santarém e nas Caldas da Rainha.
Isso mesmo. Sem tirar nem pôr.
Em Santarém, os adultos, se assim se pode dizer, para a meia-final da Taça de Portugal. Nesse tempo havia o hábito, talvez saudável, de fazer jogar as meias-finais em campo neutro, um jogo só.
Nas Caldas da Rainha, final do Campeonato Nacional de Juniores.
Convenhamos: não é vulgar.
Tinha um amigo que costumava dizer, num jeito popular muito do Monte Pedral: 'Juniores é de manhã!' Assim mesmo, no tempo do verbo.
Eram. Os jogos de juniores costumavam disputar-se cedo. Havia tempo para ver tanto desporto durante todo o domingo no Estádio da Luz.
Comecemos, assim, pelas Caldas da Rainha. Vitória clara do Benfica. Límpida como os olhos de Elizabeth Taylor.
No Campo da Mata, domínio total: técnico, táctico e físico. O treinador do Benfica era Valdivieso. Dizia no final: 'Ganhámos bem, apesar de não termos conseguido o nosso melhor rendimento. Somos campeões com muito mérito. Em 33 jogos marcámos 142 golos e sofremos 13! Julgo que esta estatística é suficientemente esclarecedora'.
Houve jovens em grande destaque, como os goleadores Santana e Muralhas. E um capitão em forma: 'Costeira conseguiu ser figura grada dentro do campo - sem um desfalecimento, prestando magnífico apoio aos avançados'. Era ele o porta-voz da equipa: 'Julgo justo o resultado. Os nervos ficaram mais calmos depois do penálti. Demos todos o nosso melhor!'.
A satisfação do dever cumprido.
Pouco mais tarde e não muito longe, os seniores também seriam fiéis ao seu destino.

A goleada ribatejana
O Benfica ganhou essa edição da Taça de Portugal: 2-1 na final a Sporting.
A meia-final foi nesse dia de Académica. 6-0: Águas e Arsénio, dois golos cada um; Coluna e Caiado fizeram os outros dois.
A Académica tinha uma equipa de nomes sonantes: o guarda-redes Ramin, Mário Wilson, Pérides, Bentes, o Doutor Bentes, Faia, Bagorro.
Fazia calor. Calos de trovoada.
O sol encoberto pelas nuvens.
Mas também aí a vitória foi clara e límpida como os olhos de Elizabeth Taylor.
'As figuras dominantes da partida foram Águas e Coluna', escrevia a imprensa da época. 'Dois avançados de indiscutíveis recurso. Há muito tempo que não víamos Águas actuar com tanta autoridade. E a equipa continua a exibir a personalidade das grandes equipas. O resultado quedou-se em 6-0. Podia ter sido mais expressivo. Oportunidades não faltaram para isso. Mas também os estudantes foram perigossímos em pelo menos três lances. Jacinto, sobre o risco fatal, salvou o golo. Um espectador, nos camarotes superlotados, exclamou: 'Estava lá por acaso!' Como se esse acaso de Jacinto fosse possível. Santo Deus!'.
Ah! Eram giras as crónicas desse tempo. Tinham pormenores soltos, revelavam episódios, contavam pormenores.
Perdeu-se por completo o prazer de escrever a crónica de futebol. Hoje ou não sabem ou não querem. Ou tudo junto.
Vamos ler mais um pouco. Perceber a festa...
'De vários pontos da região, onde o Benfica goza de extraordinária popularidade, e de Lisboa, utilizando longa e pitoresca caravana motorizada, deslocaram-se a Santarém muitos milhares de pessoas que passaram tormentos para suportar a pé firme o período em que se desenrolou a partida. Um parque desportivo que não está talhado, ainda, para os espectáculos futebolísticos de vulto, a despeito da boa vontade dos dirigentes do mais conceituado clube da linda e progressiva cidade. Nas urbes que, justificadamente, pretendem conquistar altos postos no futebol nacional, por onde se deve começar? Pela organização de um team bem apetrechado ou pela construção de um estádio - de um verdadeiro estádio embora sem o rótulo de monumental?'
O futebol, em Santarém, deu uma resposta à pergunta. Ficou parado no tempo. Ficam as recordações de jogos como essa meia-final entre Benfica e Académica.
O público ribatejano viu Coluna e Águas; e Mário Wilson e Bentes.
A felicidade, essa, só teve um cor: vermelho em flor..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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