"Mais tarde viriam a chamar-lhe Taça Império, por conveniência. Nasceu com ideias de grandeza e conheceu um único vencedor: o Benfica. Teve três edições, todas marcadas por desentendimentos e regista um «derby» repetido por cavalheirismo de Ribeiro dos Reis.
Chamaram-lhe, a princípio, Taça Portugal. A ideia era simples e partiu de um clube lisboeta, o Sport Club Império, fundado em 1907, e que também se chamou Império Lisboa Clube e Clube Desportivo Palhavã - criar uma competição que fosse além das fronteiras dos clube de Lisboa, alargando-se à província.
Era, convenhamos, uma iniciativa megalómana.
Estávamos em 1912, e queriam os dirigentes do Império que a prova fosse um campeonato de cunho nacional, disputando-se um prémio substancial a cargo das câmaras municipais cujos clubes participassem. Todos os desafios seriam disputados no Campo Palhavã, propriedade do Império, em datas que não colidissem com o já estabelecido Campeonato de Lisboa. Por conveniência lógica de deslocações, os clubes exteriores à capital disputariam entre si o acesso à «poule» final de quatro equipas, ficando reservado um lugar para o vencedor de entre eles.
Debalde. A província não correspondeu.
A primeira Taça Portugal acabou por só ter quatro clubes inscritos, todos de Lisboa - Benfica, Império, Internacional e Sporting.
Fosse como fosse, com equipas da província ou sem elas, o Benfica entrava nas provas para vencer e foi o que aconteceu logo no jogo de estreia da competição, dia 28 de Janeiro de 1912, frente aos donos da casa, o Império.
Até o chefe de Estado, Manuel de Arriaga, esteve presente!
Vitória benfiquistas por 3-0.
E foi só!
Embora o calendário completo tivesse sido publicado com antecedência, a duas voltas como um autêntico campeonato, a prova não foi além do seu vistoso jogo inaugural.
O tempo passou, invocou-se falta de datas para os jogos seguintes, e nada...
Solução: adiar-se a prova para a época seguinte. Agora com eliminatórias.
E assim sendo, em 1913, a Taça Portugal, começou a disputar-se com um frente a frente entre o Internacional e o Sporting, com vitória dos alvinegros por 3-2. Era Fevereiro: dia 23.
Pois bem, só dez meses mais tarde, por via de um protesto entretanto apresentado pelo Sporting, a outra meia-final entre Benfica e Império se realizou: vitória 'encarnada' por 2-0.
Mas a prova estava amaldiçoada. Tanto assim que a final tão aguardada nunca chegou a realizar-se. Os responsáveis pelo Internacional, tido como uma equipa fortíssima, invocaram razões atrás de razões para o contínuo adiamento do encontro, chegando mesmo a negar-se a comparecer.
Perante tal posição de força, decidiu a organização da prova atribuir o troféu ao Sport Lisboa e Benfica.
A vingança de 8 de Dezembro
As maldições - e o Benfica sabe-o como ninguém! - não se apagam de um dia para o outro. A Taça Portugal continuou entregue ao seu destino infeliz. Foi preciso esperar por 1918 para que a terceira (na verdade, segunda) edição visse luz. Uma luz ténue que não tardou a apagar-se.
Desta vez, finalmente, em estilo de campeonato.
Mas com apenas três clubes participantes - Benfica, Império e Sporting.
O Clube Internacional de Football mantinha-se afastado.
Em Outubro, Novembro e Dezembro, a prova desenrolou-se. Mas, como sempre, carregada de nuvens escuras sobre o céu invernal de Lisboa.
O Benfica foi vencendo os seus jogos.
No dia 20 de Outubro: Benfica, 2 - Império, 1. No dia 17 de Novembro: Benfica - Sporting.
Cai a tempestade.
O Sporting não consegue reunir mais do que nove jogadores para o «derby».
Lê-se no «Sport Lisboa» da época: «Quando Plácido de Sousa, o juiz de campo convidado, se dispunha a arbitrar o desafio, havia já nove homens equipados. Além do sr. Stromp, estavam Jorge Vieira, Quintela, Penafiel, Boaventura, Caetano, João Francisco, Jaime Gonçalves e Torres Pereira. Nove homens, pois: e nove homens que já temos visto jogar em primeiras categorias. No Campo da Palhavã encontrava-se Artur Pereira que nos informaram estar doente. Reunidos os nove homens, esperamos que o juiz faça começar o desafio. Há as demoras costumadas. Numeroso público espera, ansiosamente, que o desafio principie. Começam os primeiros protestos, as primeiras exclamações de impaciência. O grupo do Benfica, que se entretinha junto de uma das redes, atravessa o campo e aproxima-se das redes opostas. Está tudo compreendido! O Benfica ganha o desafio! Há uma profunda impressão de desânimo e uma expressão indignada de revolta. O público sente ter sido ludibriado. Queixa-se, inquire, protesta e reclama indemnização».
António Ribeiro dos Reis, «capitão» do Benfica, aceita jogar dispensado os pontos em disputa para minguar a vantagem Benfiquista. O Império tem de reembolsar os espectadores mas exige que o Sporting pague as despesas de organização. Perante, a recusa, as discussões arrastam-se pelos dias seguintes. O Benfica propõe que a vitória na secretária fique sem efeito e se realize novo encontro.
No dia 24 de Novembro: Império, 3 Benfica, 3. Dia 8 de Dezembro: Benfica, 5 - Sporting, 2.
A repetição do jogo de 17 de Novembro teve laivos de vingança.
Alberto Rio, que protagonizara uma fuga escandalosa do Benfica para o Sporting não alinha.
A vitória 'encarnada' é tão nítida como saborosa. José Pimenta(2), Artur Augusto («penalty»), Mengo e Ribeiro dos Reis fazem os golos.
BENFICA: Francisco Vieira; Artur Augusto, Francisco Belas; Fernando Jesus, Vítor Gonçalves, António Pimenta; Ribeiro dos Reis, José Pimenta, Morais, Crespo, Mengo.
SPORTING: Ferrando; Penafiel, Jorge Vieira; Caetano, Francisco Stromp, Boaventura Silva; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Perdigão, Loureiro, Marcelino.
O Benfica vai a caminho da sua segunda vitória na Taça de Portugal, mais tarde, por conveniência, apelidada de Taça Império.
Ah! Mas a maldição.
Desentendimentos sucessivos, aos quais não foram alheios os distúrbios no dia 17 de Novembro, impedem que Império e Sporting se defrontem no jogo que falta para concluir a «poule».
A competição que nascera de forma tão ambiciosa morre sem orgulho.
Morre nesse ano de 1918 e para sempre. Não voltará a disputar-se. Fica com o nome do Benfica como o único vencedor. E fica bem..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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