"Chego à Zeca Diabo às 16h30 em ponto, hora combinada na roulotte do costume para encontrar os amigos indefectíveis. No espaço de um quarto de hora rebentam uns cinco petardos nas imediações e os nervos ficam definitivamente em franja - não propriamente pelo estardalhaço, mas porque hoje, dia do jogo do título, já acordei tenso.
Depois do tenebroso mês de Maio de 2013, todos ansiamos pela incrível ressurreição do 'Glorioso' de Jesus em pleno domingo de Páscoa. E, por essas e por outras, começo a depositar cada vez mais fé no karma:
a) penso em indivíduos como Kelvin e Danilo que - a destempo e a despropósito - assumiram ter torcido pelo Chelsea na final da Liga Europa;
b) penso nas 'bojardas' praticamente diárias de Bruno Carvalho, como aquela de 'nos terem retirado o que é nosso por direito'... por direito, Sr. Presidente? Isso é algum resquício do sangue azul? Se consideram que títulos são vossos por direito, para quê competir, praticar desporto?
c) penso nas lendas que perdemos esta época, Eusébio e Coluna; no trauma com que começamos a temporada; na catadupa de lesões; na venda daquele que era então o nosso maior craque, Matic;
d) penso no clássico de há quatro dias, quando demos a volta a uma eliminatória jogando 67 minutos com menos um jogador e com o golo da glória marcado de forma magistral por um miúdo dispensado do adversário aos 14 anos e, precisamente, pelo actual treinador do FCP. Perfeito.
E concluo:
1) a arte imita a vida - e nem o melhor produzido blockbuster de Hollywood poderia bater a verdade e os factos desta semana vitoriosa;
2) está na altura de o karma, qual boomerang, inverter as fatalidades do destino e trazer-nos, finalmente, o merecido happy-end.
Mas falta o quase. O golpe de asa. Cumprirmo-nos. E começa a partida, oportunidades umas atrás das outras, um grande calafrio de permeio. Bancadas repletas. Dois portugueses no 11 titular. Novo infortúnio de Salvio. Mil desculpas às famílias circundantes pelas hãa, vá, palavras novas que, inadvertidamente, introduzi aos mais jovens membros das ditas. Perco cigarros, a calma, a compostura. E de repente Lima mete duas batatinhas. Nos três minutos decorridos entre um e outro golo, confesso sem pudor, caíram-me lágrimas de felicidade pura. Pensei no único dia em que consegui vir à 'Catedral' com o meu pai; lembrei-me de quando me deixaram ir ao relvado com o meu irmão e uma bola - cinco minutos de toques e correria, sem palavras, como se fossemos miúdos de novo; recordei o dia em que vi o Benfica jogar pela primeira vez, na antiga Luz, 18 anos/caloiro de Direito/recém-aterrado na capital vindo dos Açores.
Já podemos respirar então, devolver o coração ao seu ritmo quotidiano, e até discutir quem será eleito o melhor jogador desta liga: Luisão? Rodrigo? Enzo Pérez? Gaitán? Com uma arma apontada à cabeça, escolheria o último. Porque finalmente cumpriu-se em todo o seu esplendor. O karma funciona, a chama é imensa, o campeão voltou.
Taça da Liga
Bela partida de futebol perante um adversário valoroso, também ele em luta pela História, com quem discutiremos nada mais nada menos que três troféus (na Supertaça já decerto não orientado pelo excelente Nuno Espírito Santo). Foi bonito ver a festa dos nossos, no final, alegria sincera e volta ao relvado. Não menosprezamos títulos nem desrespeitamos competições. Continuem lá, outras, a contar Supertaças.
Liga Europa
Perdê-la sem perder um único jogo. Somos grandes até na sina, na desdita, no fado. Tiraram-nos demasiados Matic's para este jogo: ao Markovic, nem a defesa espontânea do adversário (Vucinic) serviu para a UEFA tirar as palas dos olhos. E depois Sulejmani despachado com requintes de malvadez e um árbitro pérfido: um, dois, três penalties não assinalados? Deve ser um novo recorde em finais europeias, e com patrocínio Moulinex. Paciência. Grande orgulho nos Manéis. E para o ano nos aguardem. Um abraço aos meus amigos, entre eles sportinguistas e um portista, com quem sofri nesta final, algures na Madeira em trabalho. Para os antis, aqueles que celebraram a vitória do Sevilha, só uma notinha de rodapé: quem pontapeia os que estão no chão nunca andará de pé.
Taça de Portugal
Domingo, último dia da época. Tínhamos que ser dignos, e fomos. Parece que se chama 'triplete' este feito: pela primeira vez um clube nacional junta no seu museu campeonato, Taça de Portugal e da Liga. Que Rio Ave na segunda parte! Que lindo o Jamor cheio de famílias em dia de sol. Escrevam: Jan Oblak será o melhor guarda-redes do mundo. E agora venha o Mundial para nos distrair dos medos do defeso: as notícias sobre craques em debandada, angústias quando ao treinador, atoardas dos rivais. Salvé 'King' Eusébio, Sr. Coluna, mister Jesus, presidente Vieira, capitão Luisão, plantel para a História. Repito-me, com orgulho a incendiar o peito: o campeão voltou."
Luís Filipe Borges, in Mística
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