"Na primeira digressão do Futebol português ao Brasil, em Junho de 1913, o Benfica foi plenamente representado: 8 dos 16 seleccionados jogavam de 'encarnado'; Cosme Damião capitaneava a equipa da AF Lisboa; Alberto Lima, presidente, também viajou; Artur José Pereira foi o homem dos golos.
Cumpriram-se, em Junho, 100 anos sobre a primeira digressão do Futebol português ao Brasil. Foi com muito gosto que participei no interessantíssimo volume chamado «A Bola ao Ritmo de Fado e Samba», organizado por Francisco Pinheiro, investigador de pós-doutoramento da Fundação Para a Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra, e por Vítor Andrade de Melo, professor da Universidade Geral do Rio de Janeiro. Um livro que convém crónicas de vários escritores e jornalistas portugueses e brasileiros sobre as relações do Futebol de Portugal e do Brasil.
Mas vamos lá a 1913, que é o motivo desta crónica de hoje.
A ideia partiu do Botafogo Football Club e foi apresentada em Lisboa pelo jornalista Duarte Rodrigues, director da revista Tiro e Sport, principal publicação desportiva portuguesa que mantinha excelentes relações com a Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro.
A coisa acertou-se. Não de um dia para o outro, que os tempos eram diferentes e as distâncias mais distantes, desculpem-me lá o irónico pleonasmo, mas durante alguns anos de conversações entre os dois lados do Atlântico.
Decisão da AF Lisboa
Decidiu-se que a Associação de Futebol de Lisboa faria deslocar ao Brasil uma selecção dos seus melhores jogadores. É aqui que entra o Benfica. E dificilmente não entraria pois eram seus muitos dos melhores jogadores nacionais e, por exclusão de partes, da capital.
Seguiram então na viagem os seguintes benfiquistas: Henrique Costa, Carlos Homem de Figueiredo, Cosme Damião, Artur José Pereira, Álvaro Gaspar, Luís Vieira, Augusto Paiva Simões e Domingos Fernandes. Oito num total de 16 seleccionados: precisamente metade. Mas viajou também o presidente do Clube, Alberto Lima, fazendo parte de um triunvirato de acompanhantes, juntamente com Duarte Rodrigues, claro está! e Mário Duarte, um dos mais completos desportivos portugueses de todos os tempos e representante do governo português. Cosme Damião era o «capitão»; Eduardo Pinto Basto, do Clube Internacional de Futebol, o secretário do grupo, recebendo 150 escudos para despesas gerais.
Artur José Pereira em grande!
A 26 de Junho, o Drina, paquete da Marinha Real Inglesa, saiu de Lisboa levando consigo a grande delegação do Futebol português. No dia 10 de Julho desembarcavam no Rio de Janeiro.
Francisco Pinheiro e Vítor Andrade de Melo fazem uma extraordinária descrição desta viagem histórica. Vale a pena lê-la com toda a atenção.
Aqui, nestas páginas, limito-me a dar-lhe conhecimento dos jogos e da importância que os jogadores do Benfica tivera neles.
Assim seja. No dia 13 de Julho, os portugueses defrontaram uma equipa formada pelos melhores jogadores britânicos do Rio Cricket e do Paysandu. Nesse tempo era assim: havia os ingleses e havia os outros. Malhas que o Futebol tece.
Cosme Damião era o «capitão», logo escolhia a equipa. Por mais valente que fosse o esforço dos homens de Lisboa, a vitória foi do adversário: 3-1. E Artur José Pereira, com um remate forte e colocado tornou-se no primeiro português a marcar um golo em jogos no Brasil. O Benfica deixava a sua marca.
Selecção do Rio de Janeiro
Mais jogos se seguiram. Um logo no dia seguinte, frente à selecção dos melhores jogadores do Rio de Janeiro. Nova derrota, desta vez por 0-1.
No dia 17 de Julho, o adversário era a Liga Metropolitana, isto é, uma mistura entre os melhores jogadores britânicos e brasileiros do Rio. E os portugueses pela primeira vez não perdem: regista-se um empate sem golos, manchado pelo senão de um penálti desperdiçado por Artur José Pereira.
Três dias mais tarde cabe a vez ao Botafogo. E agora sim, finalmente a vitória curta mas saborosa e importante: 1-0. Autor do golo? Artur José Pereira, pois então, que se assumia como o grande jogador da representação nacional.
Os portugueses viajam para São Paulo, de comboio. No dia 25 de Julho defrontam o Palmeiras, e empatam 2-2, com os golos e pertencerem a Carlos Sobral (CIF) e António Stromp (Sporting) e com o guarda-redes Paiva Simões em destaque. Vinte e quatro horas depois, o adversário é o Mackenzie College, um dos colégios com maior notoriedade de São Paulo. Cansados, os lisboetas são goleados: 1-5. Artur José Pereira, afinado, ainda consegue equilibrar a contenda por uns minutos ao fazer o 1-1. Mas a superioridade dos ingleses era absoluta.
E é já num período de esgotamento físico que, no dia seguinte, a selecção da Associação de Futebol de Lisboa fecha a fantástica digressão ao Brasil: vitória por 1-0 (golo de Bentes, do Sporting) frente ao Clube Atlético Paulistano, e a conquista de uma valiosa taça em prata e de uma estatueta em bronze.
Era tempo de voltar a casa. Os horizontes iam ficando mais largos..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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