" «Glorious football», gritaram os jornais ingleses nesse mês de Outubro de 1964. O Benfica foi a Londres defrontar o Chelsea em Stanford Bridge. Ganhou, por 4-2, e mereceu todos os elogios.
«Quinte minutos de um futebol glorioso desbarataram o Chelsea», escrevia o 'Daily Star' no dia 8 de Outubro de 1964, depois de o Benfica ter batido, em pleno Stanford Bridge, o líder do campeonato inglês. Os elogios ao jogo dos 'encarnados' foram mais do que muitos. O 'Daily Express' resumia assim a vitória portuguesa: «O Benfica deu à jovem equipa do Chelsea a primeira prova das duras realidades do Futebol europeu». Mas havia mais. Vejamos, se não se importa nem dá cabo da vossa paciência, outros exemplos da admiração britânica. O majestoso 'The Times' foi por este caminho: «A velocidade do Chelsea, o seu entusiasmo e métodos directos podem ser muito bons no Futebol inglês mas não são suficientes para a competição europeia, facto que na noite passada o Benfica demonstrou nitidamente com a sua estruturação inteligente e controlo da bola». E, para José Torres, autor de três golos, palavras de profundo agrado: «Deslocando-se pelo campo qual girafa humana, com um surpreendente domínio do esférico para jogador de tão extraordinária estatura...».
Agora que o Benfica se prepara para defrontar o Chelsea em Amesterdão, na Final da Liga Europa, vem a propósito recordar o primeiro confronto entre ambas as equipas, em Londres, nesse já distante ano de 1964. Jogo particular, é certo, mas de boa memória. E com o sublinhado devido: ao tempo, os particulares, ou amigáveis como também eram chamados, eram bem mais a doer do que são hoje. Havia neles em jogo a honra e o prestígio dos emblemas e não a simples necessidade de testar a equipa ou de dar minutos a este ou aquele jogador. Por isso, não tenham dúvidas: Benfica e Chelsea jogaram para ganhar com todas as forças de que dispunham. E os recortes da Imprensa inglesa que em cima deixei entre aspas ficam aí para confirmar o facto.
Três golos em catadupa
Se há espaço do campo que os ingleses trataram sempre com requinte, esse é o das alas. A admiração pelos bons extremos esquerdos ou direitos está-lhes no sangue, mesmo antes de o lendário Stanley Matthews, o Feiticeiro do Drible, ser figura enorme do seu Stoke City. Por isso, José Augusto e Simões foram muitas vezes aplaudidos de pé em Stanford Bridge, tal as qualidades das suas arrancadas e dos seus dribles. E, assim sendo, o buliçoso José Augusto tratou de fabricar lá na direita o golo de Torres, aquele primeiro do Benfica.
O Chelsea procurava jogar directo, com bolas aéreas, o Benfica colocava a bola junto à relva e cosia a bordado os seus movimentos de ataque, excepto quando procurava, subitamente, a cabeça do seu Gigante Torres para o movimento decisivo e mortal. O Chelsea era uma equipa ansiosa, de correrias, de choques; o Benfica tinha pelo seu lado a personalidade e um sistema de jogo consistente. Além da classe, como é óbvio: a quem tem Eusébio tem o supra-sumo da classe.
O Chelsea marcou primeiro, mas isso não lhe acalmou o nervosismo. O Benfica manteve-se sereno e empatou pouco depois.
E golo chamou golo e chamou golo. Se o primeiro foi aos 29 minutos, selando o empate, o segundo foi aos 32', também por Torres, e o terceiro à beira do intervalo por José Augusto. O Benfica ia para as cabinas com uma vantagem confortável e provocando ohs! de admiração ao público de Stamford Bridge, rendido a um conjunto de verdadeira dimensão internacional. Duvidam? Leia-se um dos parágrafos do jornalista Edward Kerry: «Houve bailes e houve golpes de florete. Mostrou-se o Benfica, por isso, equipa de múltiplos recursos e múltiplas concepções tácticas. Mas sempre a bola foi de um para o outro como em triangulações geodésicas: matematicamente certos os passes, exactamente no local quem os recebesse».
Uma falha de Raul, na segunda parte, deu o 2-3 a Budges. E então o Chelsea acreditou e lançou-se furioso sobre a defesa 'encarnada'. Mas o Benfica não tremeu; não vacilou sequer. Consciente da sua força, aguentou. Frustrou o adversário, fê-lo cansar-se inutilmente. Nunca a vitória esteve em risco. E como o toureiro que aguarda com frieza o momento de matar o miura, Torres trocou a bola em velocidade com Serafim e deu sem piedade a estocada final.
Os portugueses ficaram-se com a vitória; os ingleses com os elogios..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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