"Bento massacrou Moutinho na Selecção, crime de lesa-FC Porto, ou Bento está a recuperar Moutinho na Selecção, crime lesa-Benfica? Depende do ponto de vista clubista.
NA semana passada foi notícia a vontade do Olhanense em receber o Benfica no Estádio do Algarve e não no seu reduto próprio, o Estádio José Arcanjo, cujo relvado não se encontra nas melhores condições, foi essa a razão apresentada.
Os jornais acrescentaram ainda mais uma razão, muito simples, a acrescentar ao interesse dos algarvios na alteração do local do jogo: a receita.
A lotação do Estádio do Algarve, construído de raiz para o Europeu de 2004, é bastante superior à do histórico José Arcanjo e permitiria ao Olhanense um encaixe significativamente mais farto, tanto mais que o Benfica anda empenhado na luta pelo título e é de prever casa cheia.
Trata-se de um assunto do interesse do Olhanense, está visto.
Tal como foi, na época de 1997/98, do interesse do Vitória de Setúbal deslocar uma recepção ao Benfica para o Estádio das Antas por indisponibilidade do Estádio do Bonfim.
Se de Setúbal ao Porto são 358 quilómetros de distância, já do centro de Olhão até as bilheteiras do Estádio do Algarve, em Faro, serão os 15 quilómetros bem contados. Nada que meta medo, portanto.
Jogando-se ou não o Olhanense-Benfica no Estádio do Algarve, não faltará aos nossos rivais ensejo para criticar a hipotética mudança de palco em nome da verdade desportiva e das facilidades ao Benfica.
É injusto que o façam. É verdade que, nesta edição do campeonato, o Sporting jogou com o Olhanense no José Arcanjo e ganhou por 2-0 apesar do estado da sua equipa e do estado do relvado que também não estava na melhor das condições.
Já o FC Porto, jogo na 3.ª jornada da prova, jogou com o Olhanense e ganhou por 3-2 precisamente no Estádio do Algarve porque o José Arcanjo estava impraticável por motivo de obras de beneficiação e sobre o assunto não houve conversa alguma.
O certo é que onde quer que o Benfica jogue com o Olhanense não deixará, certamente, de se sentir muito bem acompanhado. O resto é conversa.
RICARDO SÁ PINTO é o novo treinador do Estrela Vermelha de Belgrado, um histórico clube sérvio com um palmarés notável: 22 campeonatos da Jugoslávia, 3 campeonatos sérvios, 1 Liga dos Campeões e 1 Taça Intercontinental.
Sá Pinto é um treinador português com um currículum profissional de principiante e sem títulos averbados. Nada disto impediu o Estrela Vermelha de Belgrado de o contratar numa semana em que quer José Mourinho quer Jorge Jesus vieram a público dizer a mesma coisa: os treinadores portugueses são os melhores do mundo.
Lá que têm bom nome na praça, têm. E isso muito se deve a José Mourinho, o primeiro a galgar fronteiras para um patamar de glórias ao mais alto nível nunca antes ao alcance de um treinador compatriota.
Sá Pinto contará em Belgrado com a ajuda de um tradutor meio sérvio meio português: Nemanja Filipovic, filho de Zoran Filipovic, antigo jogador do Benfica.
Está bem entregue o Sá Pinto.
O clubismo turva a vista. Todos o sabemos e devemos admitir que é assim que as coisas se passam em função da paixão bruta que informa e deformar o ponto de vista de cada um.
Tomemos o exemplo recente de João Moutinho, o dínamo do FC Porto e da Selecção Nacional, que, para variar, se lesionou. Para variar porque é muito difícil recordar qualquer outra lesão de João Moutinho, ele que vende saúde e é o mais imparável dos jogadores portugueses da sua geração.
Moutinho lesionou-se, falhou o jogo do FC Porto com o Sporting, saiu a meio do jogo do FC Porto em Málaga e nem alinhou no jogo do FC Porto com o Marítimo, no Funchal. Foi convocado por Paulo Bento e alinhou os 90 minutos do jogo de Portugal em Israel o que logo motivou um remoque público de Pinto da Costa dirigido ao seleccionador nacional.
Bento afirmara antes do compromisso de sexta-feira passada que Moutinho só jogaria se lhe dissesse que estava a 100 por cento e o presidente do FC Porto, depois do 3-3, não escondeu o seu espanto sobre a matéria: «Agora é o João Moutinho que decide se joga ou não joga?»
Convenhamos, amigos benfiquistas, que a reacção de Pinto da Costa é ajustada e que, provavelmente, um outro Pinto da Costa, mais dinâmico, ter-se-ia esticado noutro tipo de comentários explosivos e imortais.
De uma maneira geral, para os adeptos do FC Porto a situação de Moutinho na selecção é um caso de lesa-FC Porto porque o jogador, não se encontrando bem, está a ser massacrado com minutos e mais minutos de jogo em paragens longínquas quando devia de estar na enfermaria do Dragão a sopas e a descanso.
Também de uma maneira geral, os benfiquistas vêem a situação de um modo completamente diferente. Trata-se de um caso de lesa-Benfica porque Paulo Bento está a dar rodagem a um Moutinho diminuído de modo ao jogador poder ter os motores a funcionar no regresso do campeonato, já neste fim-de-semana.
É o tal clubismo que nos faz ver as coisas com olhos e suspeições diferentes conforme os afectos.
Outro exemplo recente do modo como o clubismo informa e deforma o ponto de vista é o da porventura excessiva divulgação pelas estações de televisão da gravação da aula dada por Jorge Jesus na Faculdade de Motricidade Humana. Isto para não falar das consultas on line à referida palestra do treinador do Benfica a uma multidão de estudantes candidatos à profissão de treinador.
De uma maneira geral, para os adeptos dos nossos rivais esta promoção de Jorge Jesus a catedrático oficial das televisões nacionais é um manifesto exagero, um questionável endeusamento do treinador do Benfica, uma ostensiva manobra de propaganda pró-benfiquista num momento escaldante do campeonato.
Já para alguns adeptos do Benfica, não todas, trata-se precisamente do contrário. De uma manobra antibenfiquista flagrante porque passar e repassar a aula de Jesus nos nossos canais da TV não é mais do que partilhar a «ciência» que nos move com os adversários e, na pior das hipóteses, oferecer-lhes até a possibilidade de aprenderem alguma coisa com o mestre quando já só faltam sete jornadas para o fim do campeonato.
Se até lá virmos e ouvirmos o recentemente tão desconsiderado Vítor Pereira citar um filósofo francês ou dar um provérbio popular uma organização linguística toda ela logicamente surpreendente, teremos a certeza de que a aula de Jesus chegou a todo o lado e que até ao rival aproveitou.
Isto são raciocínios de pessoas desconfiadas, obviamente.
O nosso futebol tem sempre as suas graças. Um dia destes o Inácio treinador do Moreirense vai a Alvalade jogar com o Inácio director do Sporting. É uma situação cómica, por certo invulgar a que o próprio Augusto Inácio já dedicou algumas sábias palavras recordando o «profissionalismo» com que se entregou no passado, com honras e distinções, aos clubes por onde passou e recusando fazer da visita do Moreirense a Alvalade um caso assombroso.
Tem razão o Inácio. O próximo Sporting-Moreirense, pela parte que lhe toca, é apenas uma curiosidade. No entanto, para o profissionalismo de Inácio viver um momento de verdadeira consagração, o jogo terá de acabar forçosamente empatado entre o Moreirense do treinador e o Sporting do dirigente. 50% de eficácia para cada lado. Assim é bonito.
O mundo está a mudar? Parece. Nunca se ouvira um presidente de um clube desfazer a exibição de um jogador seu ao serviço da Selecção. O vetusto estreante nesta arte foi Pinto da Costa para quem João Moutinho foi igual a zero no jogo com Israel. E disse-o. Paulo Bento respondeu-lhe com grande desrespeito e Moutinho respondeu-lhe com mais 90 minutos em gozo de saúde no jogo com o Azerbaijão."
Leonor Pinhão, in A Bola
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