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terça-feira, 15 de novembro de 2011

El Mago



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Antes não gostava de dar entrevistas. Agora tolera-as de vez em quanto. Foro do campo parece mais baixo e magro. Fala pausadamente, cumprimenta e despede-se com exemplar educação. Pede desculpa se grita com os colegas no campo e diz que ainda não fala português porque tem vergonha


-Pablo, para começo de conversa, trazemos-lhe as oitenta e uma primeiras páginas de A BOLA que têm uma fotografia sua. Destas, qual destacaria?

-Vamos ver, são muitas! Julgo que a do clássico com o Sporting, no ano em que ganhámos a Liga. Onde é que ela está? Tenho de procurar...

-É uma em que aparece ao colo do Luisão, em Abril de 2010, pode consultar pela data.

-Sim, está, cá está.

-Falando de capas, falemos de jornais. É fácil a relação de um grande jogador com os jornalistas?

-Terão de perguntar a um grande jogador (risos)...

-Por isso mesmo lho perguntamos a si...

-Bom, se a pergunta é para mim, digamos que há uns anos, quando era mais chico, esta relação era complicada. Mas era um erro, admito. Não entendia que futebolistas e jornalistas fazem ambos parte de um mesmo jogo e de um mesmo espectáculo. Não entendia as críticas, não as aceitava. Não percebia que aquelas pessoas, jornalistas como vocês, estavam apenas a trabalhar. Nessa altura lia tudo o que saía nos jornais.

-E agora?

-Agora é raro ler um jornal desportivo ou mesmo ler algo sobre desporto na internet.

-Mesmo quando sabe, por ter feito uma boa exibição, que as críticas serão positivas?

-Sim, mesmo nessa alturas. Há muitos anos que deixei de ler.

-Por achar que o se escreve é fiel a realidade?

-Não. Porque me parece difícil manter os pés na terra. Há, desde há alguns anos, uma sobre exposição de tudo e todos. Não só de futebolistas, de toda a gente. Com a internet, sobretudo, mas também com as televisões e os jornais, fala-se demasiado de tudo e de todos. Nunca me dei bem com isso, apesar de agora me dar um pouco melhor. Ser conhecido e ter fama não é a parte de que mais gosto por ser futebolista.

-De que gosta mais?

-De treinar e de jogar.

-Tem fama de não gostar de falar. Confirma?

-Em miúdo raramente dava uma entrevista. Um erro que comecei a corrigir. Não é que não goste de falar, mas a verdade é que nem sempre temos algo interessante para dizer. Não podemos estar a falar a qualquer hora e sobre qualquer assunto. Neste momento, no século XXI, há tanto assunto que é impossível sabermos de tudo. A verdade é que, por vezes, fazem-nos perguntas para as quais não há respostas.

-Como reage, no final de um jogo, às perguntas triviais mas também inevitáveis que os jornalistas lhe fazem?

-Fazem parte do futebol e era isso que eu não entendia. Fazem as perguntas que têm de ser feitas. Se estamos a falar de futebol, vamos perguntar o quê? Qual é a capital da Nicarágua?

-Dentro do campo, durante os 90 minutos, é um jogador falador com os companheiros?

-Sim, falo muito, falo muito. No campo falo realmente muito.

-Mesmo que seja algo menos agradável?

-Sim. Mas não são muitas as vezes em que tenho algo mais desagradável para dizer a um companheiro. São coisas que digo para tentar melhorar o rendimento da equipa. Corrigir o posicionamento de um companheiro ou algo assim. Mas não me recordo de ter tratado mal um colega. E, se algum dia o fiz, pois aqui lhe peço perdão.

-Por ser Aimar, sente-se muito pressionado? José Mourinho chegou a dizer aos jornalistas espanhóis que, por causa deles, tinha de ter cuidado com aquilo que punha no caixote do lixo. Sente o mesmo?

-Nunca senti isso. Mas estão a falar-me do melhor treinador do Mundo, a trabalhar numa das suas melhores equipas do Mundo e, a esse nível de popularidade, não sei o que se passa. Não passo, nunca passei, por aquilo que passam Cristiano ou Messi, por exemplo. É uma fama de nível mundial e não sei o que se passa na pelo deles.

-Mas Aimar também é mundialmente famoso.

-Sim, mas falo de outro nível. Falo dos melhores três ou quatro jogadores. Talvez dos melhores dez, vá lá. Excluindo esses, acho que se pode fazer uma vida perfeitamente normal.

-A pressão de um futebolista na Argentina, em Espanha ou em Portugal é idêntica?

-Sim, sim.

-A ideia que se tem em Portugal é que, na Argentina, a pressão dos adeptos é terrível, quase assustadora.

-Não. Num clube como o Benfica, que tem 200 mil sócios e não sei quantos milhões de adeptos, a pressão de ganhar é igual. No Valência e no Saragoça, as outras equipas em que joguei, é quase igual. A pressão de um médico, que tem de salvar a vida de uma pessoa, nada tem a ver com a pressão de um jogador. É muitíssimo superior.

-Porém, um jogador do Benfica, por exemplo, tem a pressão de milhões de pessoas a criticá-lo, a elogiá-lo, a ver todos os passos que dá e não dá.

-Mas comparada com as pressões reais, a nossa é muito menor.

-Pode considerar-se uma boa pressão?

-Sim. É uma motivação. Ser futebolista é algo maravilhoso.

-Olhando para 2008, qual a motivação que o levou a assinar pelo Benfica?

-Sentir que o Rui (Costa) foi a Saragoça falar comigo para me levar para o clube. Disse-me que queria que eu usasse o seu número. E quando ele me começou a falar do Benfica percebi alguma da grandeza do clube. Não sabia que tinha este estádio maravilhoso, não sabia que tinha tantos hinchas, confesso. E só agora, três anos depois, me apercebo, na perfeição, do impacto que o nome do Benfica tem em todo o Mundo.

-Correu muitos riscos ao vir para Portugal? Não por vir para o Benfica, mas por vir para uma liga de menor dimensão do que a espanhola?

-Quando vim para Portugal, pensava que vinha para uma liga menos competitiva. A verdade, porém, é que, tendo as duas melhores equipas do Mundo, como são o Real Madrid e o Barcelona, qualquer liga será menos competitiva que a espanhola, é bem verdade.

-Quando lhe deu o click para assumir que queria realmente vir para o Benfica?

-Todos temos ego, embora o possamos tentar negar. Por isso, quando vi uma pessoa tão importante no mundo do futebol, como Rui Costa, vir de Lisboa a Saragoça para falar comigo e me tentar contratar, o meu ego ficou inchadíssimo. Só quis retribuir-lhe a confiança que estava a depositar em mim.

-A confirmação como jogador do Benfica esteve longe de ser fácil.

-Sim, as coisas arrastaram-se durante algum tempo.

-É normal ser assim?

-Sim. Por vezes, os jornais começam a falar do interesse de um jogador em Dezembro e a contratação só se concretiza em Junho ou Julho. No meu caso, até foi mais rápido (risos).

-No Saragoça teve muitas lesões.

-Sim, sobretudo uma na púbis, que me obrigou a ser operado.

-Chegou a pensar que a carreira estava em risco?

-Sou uma pessoa que tenta viver um dia de cada vez. E, nessa fase, não estava a desfrutar da beleza de ser futebolista. Doía-me a púbis, doíam-me os adutores, doíam-me quase tudo. Se essa fase se prolongasse por muito tempo, teria de ver se valeria a pena continuar, mas nunca cheguei, verdadeiramente, a pensar nessa possibilidade. Quando perceber que as lesões não me largam ou quando já não sentir o prazer que agora sinto, tomarei a decisão de sair.

-Três anos depois, confirma que foi bom para si vir para Portugal?

-Sim. Estou muito contente, sobretudo por causa do carinho que sempre me deram os portugueses.

-Há pouco falou nas dores que sentia quando jogava no Saragoça. Até que idade pensa jogar?

-Até desfrutar. Gosto de treinar, gosto de jogar, gosto do momento de entrar no relvado, gosto de todas estas sensações. Imagino, porém, que um dia não será assim. Quando tinha 20 anos achava impossível haver um dia em que não gostasse de jogar. Agora, continuo a gostar, mas sei que haverá um dia em que o corpo dirá não.

-Muito longe ainda?

-Não sei. Não gostaria era de continuar a jogar por algum factor extra, isso não. Respeito quem o faz, mas gostaria de ter a lucidez ou a intelegência para ser eu a deixar o futebol e não permitir que seja o futebol a deixar-me a mim.

-A condição física continua a ser gerida com pinças?

-Gosto de treinar, gosto de trabalhar, gosto de estar no grupo. O resto são decisões do treinador. Mas faço um trabalho normal, não trabalho isolado.

-Ainda estranha quando vê a placa com o número 10 levantada por volta dos 60/70 minutos?

-Não. Se há outro jogo nos dias seguintes estou habituado a que seja eu a ser substituído. Se for uma semana de um só jogo, penso que posso não ser eu a sair. São coisas normais que fazem parte da gestão das grandes equipas.

-E irrita-se quando é substituído?

-Não. Se seu substituído muitas vezes, por algo será. Não me queixo por sair mais do que os outros.

-Nem interiormente?

-Não. Talvez o meu jogo baixe de intensidade e tenha de sair.

-É fácil aceitar a substituição?

-Sim. Fazemos parte de uma equipa e a equipa é administrada pelo treinador. E um treinador quer sempre ganhar. Não conheço um treinador que queira perder. Vocês conhecem?

-Não.

-Às vezes leio afirmações de alguns jogadores que não entendem porque não foram convocados, por exemplo, para a selecção. Mas porquê? Os treinadores chamam aqueles que acham que os vão fazer ganhar o jogo. Por isso, se o treinador pensa que, por volta dos 70 minutos, a minha intensidade baixa, então é porque, provavelmente, a minha intensidade baixou mesmo.

-Pode acontecer pedir para sair?

-Não aconteceu muitas vezes, quase nunca.

-113 jogos, 26 golos. Poucos golos para quem joga a dez?

-Sim, são poucos. Gostaria de fazer mais golos.

-Consegue encontrar uma razão?

-Não. Há jogadores cuja relação com o golo é melhor do que a minha. Tenho muita participação na elaboração das jogadas de golo, mas finalizo menos. É um defeito, claramente. Um número dez tem de marcar mais golos.

-Rui Costa chegou a dizer que, por vezes, gostava mais de fazer uma assistência do que de marcar um golo. É assim consigo?

-Desfruto mais de marcar um golo. Gosto mais de marcar um golo feio do que fazer um passe lindo para golo.

-Não marcar muitos golos sempre foi uma característica sua?

-Talvez na Argentina marcasse mais do que na Europa, porque jogava mais perto do ponta-de-lança. Aqui, tenho mais responsabilidades defensivas.

-Há grandes diferenças entre o futebol europeu e argentino?

-Sim. Em Espanha, quando cheguei, estranhei um pouco a maior velocidade com que se jogava e o menor espaço de que as equipas precisavam para jogar. Mas a verdade é que os bons jogadores jogam em qualquer lado. Com espaço, sem espaço, com chuva, com velocidade, sem velocidade.

-Em Espanha o futebol é mais intenso?

-Não sei se é mais intenso, nem sei qual a palavra que melhor o define. Quando cheguei a Espanha a maior diferença que notei foi na velocidade; agora, porém, se voltasse a Espanha, não sei se voltaria a notar essa diferença na velocidade.

-Pergunta para a qual, provavelmente, não tem resposta; se FC Porto, Benfica, Sporting e SC Braga jogassem em Espanha, lutavam por um lugar imediatamente abaixo de Real Madrid e Barcelona?

-Voltamos a uma das minhas respostas anteriores: estamos a falar das suas melhores equipas do Mundo. Por isso, creio que se Chelsea, Manchester, Milan, Inter ou Bayern, por exemplo, jogassem nos mesmos campeonatos de Real e Barcelona, terminariam sempre abaixo deles. Mas volto a falar da perspectiva que tenho: no futebol tudo é possível. Se calhar, eram campeões ano sim, ano não.

-Que análise faz de Jorge Jesus?

-É um grande treinador.
-Exigente?

-Sim, mas um treinador de uma equipa grande tem de ser exigente.

-Quando Jorge Jesus assinou pelo Benfica, dizia-se que ele tinha um discurso muito agressivo e exigente nos treinos e nos jogos e que isso poderia não ser bem aceite pelos jogadores, sobretudo pelos mais cotados. Foi assim?

-Nunca senti nada disso. Jesus é um grande treinador e já lho disse. Os treinadores têm sempre de exigir muito aos seus jogadores, sobretudo os de equipas grandes. E Jesus, claro, não foge a essa regra.

-Parecido com algum que já o tivesse treinado?

-Na exigência e nos métodos é semelhante a Marcelo Bielsa.

-A sua relação com o Benfica já tem muito de emocional?

-Sim. Sinto-me muito bem no Benfica. Tratam-me com muito carinho e tenho amigos em muitas pessoas que trabalham no clube.

-O River Plate desceu e, no primeiro jogo da II Divisão, o estádio estava cheio. Se o Benfica caísse na segunda, era possível o Estádio da Luz encher?

-Sim, creio que sim. Esse amor da gente do River é uma prova de fidelidade e julgo que os adeptos do Benfica também são muito fiéis.

-Faltam sete meses para terminar o contrato e já disse que sete meses, aos 32 anos, é quase uma eternidade. Que lhe passa pela cabeça?

-O futuro, para mim, é amanhã. Se me sentir útil, se me sentir importante e se continuar a desfrutar de treinar e jogar, posso pensar um pouco mais longe, talvez no ano seguinte.

-Imagina-se, por exemplo, a voltar ao River?

-No outro dia, quando fiz anos, um jornalista do meu país telefonou-me e disse-lhe que, caso voltar a jogar na Argentina, algo que não posso garantir que aconteça, a minha prioridade é o River Plate. Mas não disse 'vou voltar ao River'. Se voltar a jogar na Argentina, a minha prioridade será jogar onde já estive e onde me trataram muito bem.

-Se fosse jogador do River quando o clube desceu de divisão ficaria?

-Tantas palavras que terminam em 'iria'... Seria, ficaria, teria... A verdade é que, não podendo garantir, acho que sim, acho que ficaria. Por outro lado, se eu disser: 'sim, teria ficado', parece uma crítica aos que saíram. Lamela, por exemplo, saiu quando o River desceu. Mas eu não estou a criticá-lo.

-Podemos vê-lo, um dia, como treinador?

-Falei com o meu pai no outro dia e disse-lhe: «Aos 20 anos dizes que é impossível vires a ser treinador, mas aos 30 anos a perspectiva muda». Não significa que o venha a ser, significa apenas que já não sou taxativo. Ser treinador? Talvez, quem sabe? A única coisa que tenho a certeza é que será impossível, quando deixar de jogar futebol, colocar o futebol completamente de parte.

-Segue a dicotomia Guardiola-Mourinho e Messi-Ronaldo?

-Quem pode não segui-la?

-E quem acha que é melhor?

-Sei duas coisas: que Messi está completamente ao nível de Maradona e que os golos que Cristiano marca são de outra era. Mais de 50 golos num só ano? É um absurdo; são de outra era. Não se pode marcar 50 golos todos os anos, mas Cristiano continua a marcar. São números de outros tempos.Não tenho qualquer dúvida de que, se não houvesse Messi, Cristiano seria o melhor jogador do Mundo com muita diferença para os restantes.

-Faz sentido a última pergunta que lhe fizemos?

-Não sei, talvez não. Não podemos dizer que, se Carl Lewis nascesse agora, não ganharia qualquer medalha, porque Usain Bolt as ganhava todas. A única coisa que sei é que Messi está à altura dos melhores de todos os tempos.

-Prefere o rendilhado do Barcelona ou o poderoso do Real Madrid?

-Quando está a jogar o Barcelona e o jogo é transmitido pela televisão, sento-me a ver; se é o Real Madrid, faço o mesmo.

-Que costuma fazer fora do futebol?

-Estar em casa com a minha mulher e com os meus filhos. Desfrutar a idade dos meus filhos, porque crescem muito depressa.

-Quantos filhos tem?

-Três.

-Joga futebol com eles?

-Sim, na sala.

-Mora em Lisboa?

-Não. Em Oeiras.

-Gosta da gastronomia portuguesa?

-Sim, mas é difícil ir a um restaurante, porque os meus filhos são muito pequenos e é difícil estarem quietos. Além disso, acordam cedo e deitam-se por volta das nove e meia.

-Que conhece de Lisboa?

-Não tenho muito tempo livre, mas quando tenho, vamos muitas vezes a Belém.

-Gosta dos pastéis de Belém?

-Sim, claro. Gosto muito. Era impossível não os ter provado.

-Preocupa-se com a imagem?

-Não, quase nada. Não é algo de que esteja dependente.

-Mas o cabelo grande e a barba parecem um visual estudado. É para lhe dar um ar mais agressivo?

-Não, a barba grande às vezes é preguiça. Quando fica muito grande corto.

-Percebe-se que, como jogador, é bastante emocional. E como homem?

-Sou muito relaxado e homem de família.

-Tem saudades de viver na Argentina?

-Sim, sobretudo da família. Gosto muito da cidade onde nasci, cresci e vivi até aos 15 anos. E é lá que, um dia, voltarei a viver. Quero estar com a minha família e se ela estivesse noutra cidade, seria aí que eu viveria.

-Essa saudade é, de algum modo, colmatada pela presença do seu grande amigo Saviola?

-É um grande amigo, praticamente um irmão.

-Considera-se supersticioso?

-Não nada. Sou religioso, creio em Deus, mas não seu sepersticioso. Não entro com o pé direito em campo, por exemplo, entro com aquele que calhar.

-A Argentina parece ser um país de grandes mitos: Evita Perón, Jorge Luís Borges, Juan Manuel Fangio, Carlos Gardel, Che Guevara, Maradona. Há algum acima dos demais?

-Não sei responder. Há 40 milhões de argentinos e todos terão o seu mito.

-Sabia que o escritor argentino Jorge Luís Borges tinha ascendência portuguesa, de Torre de Moncorvo?

-Não, sinceramente não fazia a mais pequena ideia. É curioso.

-Aceite, já agora, como presente de A BOLA, esta 'Bola' de cristal e também um exemplar do livro Ficções, precisamente de Jorge Luís Borges, cuja obra o Pablo garantidamente conhece; mas assim fica com a edição portuguesa, para ler mais em português... Já agora, por que razão ainda não fala publicamente em português?

-Bem, vou aproveitar para vos contar a verdadeira razão para isso. No meu primeiro ano em Portugal, o meu irmão, Andrés Aimar, esteve cá a jogar no Estoril. Certo dia, numa conferência de imprensa do Benfica comecei a falar em português. Quando regressei a casa, o meu irmão disse-me que tinha desligado o som da televisão porque o meu português lhe dava vergonha (risos). Pediu-me, por favor, para nunca mais falar em português. Disse-lhe que, por jogar em Portugal, a minha obrigação era falar em português, mas ele insistiu e disse-me que falava realmente muito mal, pediu-me para não voltar a fazê-lo.

-Consigue dizer uma frase em português?

-Consigo, mas para isso teriam de desligar os gravadores (risos). Recordo-me de que, quando estava em Saragoça, um jornalista de A Bola esteve lá e, um dia, eu disse-lhe que ainda não podia hablar do Benfica. Foi essa a capa: «Ainda não posso falar do Benfica». Houve tradução, claro. Mas quando entrei no Benfica, alguns jogadores, como o Maxi, gozaram-me por causa dessa frase: «Ainda não posso falar do Benfica»; porque na prática, ao dizer aquilo, já estava a hablar do Benfica. A falar do Benfica.

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«Melhor golo no Benfica foi ao Sporting»

Os melhores momentos na Luz; a análise à Liga; a defesa de Javi; a possibilidade da Champions


-Como vê FC Porto, Sporting e SC Braga? Quem está mais forte?

-Há um ano, perguntaram a um jogador, não me lembro qual, o que achava do adversário Benfica. E ele disse: «Acho que está mais fraco». Não gostei de ler essa frase e é por isso que não falo dos outros. Digo, apenas, que o Benfica está bem e pode lutar de igual para igual com os outros três candidatos. São quatro candidatos a ganhar o título. Importante é olharmos para o nosso interior e ver que estamos bem.

-Nos jogos em Braga acontecem, como diz Artur, coisas do outro Mundo?

-São jogos complicados porque o SC Braga é muito boa equipa, porque tem bons jogadores que sabem o que querem. Têm um estilo de jogo que os fez ser finalistas da Liga Europa.

-O golo ao Paços de Ferreira em Outubro de 2010, pegando na bola antes do meio-campo, fintando três jogadores e fazendo o 1-0 foi o seu melhor no Benfica?

-Não

-Não?

-Aquele de que mais gostei foi e que marquei ao Sporting.

-Porquê?

-Não estávamos a jogar bem e necessitávamos de ganhar para darmos um passo muito grande rumo ao título. Além disse, foi um golo bonito porque fugi a um defesa, não o via mas intuía que vinha atrás de mim, passei pelo guarda-redes e, quando o defesa chegou, levantei a bola e fiz golo.

-Acredita que Javi Garcia proferiu as frases racistas durante o jogo em Braga, como acusa Alan?

-Conhecemos muito bem Javi, sabemos quem é o que pensa e sabemos que não tem qualquer problema desse tipo. Há limites para tudo. Aceito que tu digas que eu sou um desastre. Faz parte do jogo e do futebol. Se falarmos de outras coisas, bem graves, como essa do racismo, é mais complicado. Não acredito nisso.

-Qual o sonho que gostaria de cumprir de águia ao peito? Ganhar a Liga dos Campeões?

-O futebol é uma actividade que permite sonhar. Todos podemos sonhar. O futebol permite querer tudo. Mas não nos podemos esquecer de que, neste caso, estamos a falar de ganhar uma competição em que estão também as duas melhores equipas do Mundo da actualidade: Real Madrid e Barcelona.

-Mas há outras equipas...
-Sim, mas Real Madrid e Barcelona são diferentes. São as duas melhores do Mundo dentro do campo e fora dele, nos papéis, no dinheiro, nos adeptos. Mas claro que, mesmo assim, todos sonhamos.

-Ganhar a Champions é um sonho ou uma utopia?

-As duas coisas. Ninguém pode garantir nada. Sonho? Utopia? Quem sabe? Milhões e milhões de pessoas jogam no... não sei como se chama em Portugal. É prode na Argentina e quiniela em Espanha..

-Totobola.

-Sim. É como jogar nisso.

-Nos seus primeiros tempos na Luz chegou a dizer que ganhar um título pelo Benfica era o sonho que lhe falatava. Campeonato ganho em 2009/10, que se segue?

-Mais títulos. Quando estás no Benfica só há uma forma de pensar: ganhar, ganhar, ganhar. Feio e desagradável é jogar numa equipa em que nada te exigam.

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«Pensei que nunca veria outro Maradona»

O que é isso de ser, hoje, número 10?; os filhos da Argentina; o potencial de Witsel e Gaitán


-Jogadores como você, números 10 puros, já não existem?

-Gosto de jogar como 10, mas joguei cinco anos e meio no Valência como segundo avançado. E gostava. Quando cheguei ao Benfica voltei à minha posição original, mas joguei algumas vezes encostado à linha. E gostava. Mas onde mais gosto, claro, é como número dez.

-Witsel ou Gaitán, por exemplo, podem ser números dez no Benfica?

-Sim, têm todas as condições. São diferentes, mas têm todas as condições.

-Como catalogaria Lionel Messi; dez, nove, 11, 7 ou pouco de tudo?

-Bem ele organiza e finaliza... Faço-vos uma pergunta: Maradona era um dez?

-Era.

-...mas não só. Organizava, finalizava, fazia tudo.

-E Messi?

-Messi? Sinceramente, nem sei o que é Messi. Só há uma coisa que sei: Messi joga de Messi.

-Quando chegou ao Benfica, em entrevista a A BOLA, o Aimar disse que Maradona não tinha sucessor. Três anos depois, com esta avalancha de Barcelona e de Messi, podemos dizer que é ele o sucessor de Maradona?

-No coração dos argentinos e no coração de quem gosta de futebol, há lugar para os dois.

-É uma discussão sem sentido?

-Sim, de certo modo.

-É como ter um segundo filho?

-Sim, sim, é uma boa analogia. Mas deixem-me dizer o seguinte: durante anos e anos pensei que nunca mais apareceria um jogador como Maradona. E agora vejo que Messi está à sua altura.

-Quando Maradona acabou, surgiram muitos candidatos à sucessão: Aimar, Riquelme, D'Alessandro, Ortega, Gallardo, Saviola. Ficaram todos muito longe?

-Adoro um desses que mencionaram: Riquelme. Uma maravilha de futebolista. Mas nenhum desses chegou ao nível a que chegou Maradona. Ainda mais se falarmos não apenas nos desempenhos no campo mas também no que significaram no coração dos argentinos. Maradona é único.

-Você é um dez e é o jogador do Benfica que mais faltas comete: 23. Sabia?

-Sou? Não, não sabia. Mas sei bem que faço faltas.

-É uma contradição haver um dez que comete tanta falta?

-Não sei. Talvez seja um defeito que tenho de corrigir. Terei de melhorar a técnica defensiva (risos).

-Durante o jogo, pela forma como sorri para algumas decisões dos árbitros, parece que os contesta. É assim?

-Contestar os árbitros também é um defeito. Os árbitros estão a fazer o seu trabalho e temos de respeitá-los. Já muitas vezes disse a árbitros que deve ser dificílimo ver aquilo que eles têm de ver. Nós, os não árbitros, só à quinta repetição televisiva em câmara lenta temos a certeza: 'Ah! Sim. Foi mão...'

-Então porquê tanta contestação da sua parte, por exemplo?

-Porque os jogadores estão a um nível de pulsação tal e um nível de intensidade tão grande que, por vezes, torna-se impossível analisar essas decisões dos árbitros com isenção. Como, por exemplo, o adepto que insulta um jogador que falhou um golo. Ele também está nervoso e ansioso. Toda a gente vive o futebol, não só quem joga.

(...)"


Rogério Azevedo e Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

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