Últimas indefectivações

sábado, 9 de abril de 2011

Ganhar é deixar ganhar

"Pronto, está bem, ganharam. Que mais querem que se diga? Ganharam bem? Não. Ganharam com justiça? Não. Mereceram um iota ganhar? Também não. Porque é que o Futebol Clube do Porto ganhou? Ninguém sabe. É inaceitável.

E, no entanto, nós os benfiquistas, achamos inacreditável. Custa-nos aceitar mas, mesmo assim, com o espírito magnânimo e (porque não dizê-lo?) superior em todos os aspectos, estamos dispostos a pagar o que nos custou.

Que foi pouco. Porque o Porto precisa de aprender esta lição, profundamente inglesa e ligada às origens do futebol, antes de ter sido contaminado pelo talento, pelo esforço e pelo espírito competitivo dos americanos e do capitalismo selvagem: ganhar não é o objectivo.

É apenas um resultado. O objectivo é participar. É saber perder ao mesmo tempo que se quer ganhar. Quando o Benfica perde, não é porque quer perder. Mas também não é por não querer ganhar. O Benfica nem sequer perde para dar uma oportunidade aos outros - embora isso contribua, historicamente, bastante.

O Benfica não queria que o Porto ganhasse o campeonato, admitimos. Mas ganhou. E estamo-nos nas tintas para isso. Mereceu? Se calhar, até mereceu. Mas quem é que tem paciência para perder tempo a pensar nessas questões?

A verdade é que o Benfica reconhece e agradece que não pode - nem quer - ganhar sempre. Em contrapartida, o Porto (e até o Sporting Clube) têm esse sonho louco, todas as noites. Que se passa naquelas cabecinhas? Nunca saberemos. Nem nos interessa.

De todos os clubes estrangeiros - incluindo todos os que se dizem portugueses mas apenas representam uma região gastronómica de Portugal - só o Benfica é que sabe perder. Ganhou tantas vezes - muitas vezes sem fazer um esforço especial para isso - que ficou com uma consciência da validez relativista de ganhar.

Retire-se o Sporting Clube de Braga - passado, presente e futuro - da equação e não havia nem Porto nem Benfica do presente. Para não falar do Sporting de Lisboa, que seria cruel e irrelevante. Embora não seja, por causa disso, que se deve deixar de falar nele.

Tal como reconheceu o capitão da equipa de cricket do Sri Lanka - o grande Ceilão, cujo nome, dado por portugueses, ainda usam nos magníficos chás - a vitória da Índia foi não só bem merecida como sinal do valor da resistência valente da equipa do Sri Lanka.

É uma lição de chá. Quem perde como o Benfica - renunciando à opulência fácil de ganhar - fica sempre a ganhar. Deixando ganhar os outros, os benfiquistas mostram que os resultados são sempre uma questão secundária, mais apreciados pelos adversários invejosos e menores do que, propriamente, pelos adeptos.

O Benfica gosta e está habituado a ganhar mas não gosta, por experiência doce, de ser sempre quem ganha. Não só sabe dar lugar aos adversários como compreende que, caso eles nunca ganhem, dá a impressão (por muito errada que seja) que o Benfica não tem concorrentes.

Não tem. Mas não pode deixar essa impressão, sob pena de alguém, algures, poder pensar que o Benfica, por ser melhor, ganha sempre.

Parabéns ao Porto. E obrigadinho por ajudar a manter a ilusão indispensável de não ser impossível sermos derrotados.

Obrigados!"


Miguel Esteves Cardoso, in Público

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