"À seca extrema de jogos que vivemos, seguir-se-á uma enxurrada capaz de saciar a sede à oferta televisiva mais exigente
O que sabemos (ou julgamos saber)
- O confinamento e o afastamento social são essenciais para conter o novo coronavírus;
- Daqui a algum tempo, com optimismo lá para o princípio de Maio, com pessimismo lá para o início de Julho, iniciaremos uma nova fase das nossas vidas, marcada por um progressivo retomar da actividade habitual, com observância de regras estritas, prescritas pelas autoridades sanitárias;
- Só seremos devolvidos a uma vida mais ou menos parecida com a que tínhamos antes de sermos invadidos pela Covid-19, quando for descoberta e produzida em massa uma vacina que erradique a peste.
Na fase em que nos encontramos devemos apelar à disciplina e à resiliência, seguindo-se tempos de prudência redobrada onde podemos perspectivar um retorno do desporto de alta competição, à porta fechada, que depois de meses de privação será um bálsamo para as almas e uma forma expedita de afastar a tendência temática monolítica dos dias de hoje, onde o novo coronavírus, qual buraco negro, suga toda a informação.
Nestes tempos terríveis em que a vida tem de continuar mas a morte não pára, têm desaparecido, à margem da Covid-19, alguns vultos do desporto que não receberam, pelo contexto em que nos encontramos, o devido tributo. Ontem morreu Stirling Moss, triunfador nas 24 Horas de Le Mans em 1956 (ao volante de um Aston Martin, fazendo equipa com Peter Collins) e vencedor de 16 Grandes Prémios de Fórmula 1 entre 1955 e 1961, entre os quais o GP de Portugal de 1958, disputado no circuito urbano da Boavista, no Porto, e o GP de Portugal de 1959, realizado no circuito de Montes Claros, em Lisboa. Moss foi quatro vezes vice-campeão mundial, entre 1955 e 1958, três delas atrás de Juan Manuel Fangio, antecipando na F1 a saga que Poulidor e Anquetil iriam, na década seguinte, escrever no ciclismo.
Para conter o mais possível, no futebol, os custos inevitáveis da pandemia que atacou o planeta, tanto a FIFA como a UEFA, depois de algumas hesitações próprias do desconhecimento do inimigo que enfrentavam, chegaram a decisões expeditas, que podem minimizar danos e defender alguns princípios que estavam postos em causa. Além do adiamento do Euro-2020, medida atempada que criou espaço nos calendários nacionais para a conclusão das provas (enquanto que o Comité Olímpico Internacional esbarrava no autismo nipónico, que passou de querer fazer os Jogos à força nas datas previstas, a uma posição de dúvida quando à possibilidade de organizar o evento em 2021!), foram abertas pistas para o prolongamento das épocas até onde fosse possível, garantindo-se o mérito desportivo dos campeões. O que significa que a fome de bola dos dias de hoje irá transformar-se numa fartura nunca vista num futuro que se deseja próximo. E os operadores televisivos, que andam há décadas a encher os cofres à custa do futebol (usando uma expressão bem portuguesa, por cada porco, dão um chouriço...) que não se queixem demasiado, nem tentem fugir às responsabilidades, porque se há sector de negócio, associado ao futebol, que esteja garantido para o futuro é precisamente o audiovisual.
Mas a FIFA também anunciou ter condições para apoiar o futebol (leia-se as Confederações, que chegam às Federações, que chegam aos clubes) o que pode servir de paraquedas para o salto no desconhecido que está a ser dado. Há que ter consciência, porém, de que muitos danos serão incontornáveis, vigorará o princípio darwiniano da sobrevivência daqueles que melhor se adaptarem às novas circunstâncias (não só no futebol mas em todas as áreas de actividade, à escala global), e não valerá a pena pensar que é possível regressar a uma vida como era antes: há um novo normal à nossa espera.
Por cá, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) não escondeu e estabeleceu atempadamente parâmetros coerentes:
- Não haverá campeões de secretaria. Para ser outorgado um título, há que conquistá-lo em campo. Este é um princípio inatacável, que deve vigorar em todas as modalidades desportivas.
- Não havendo condições para levar as competições até ao fim, por falta de meios dos clubes que disputam as provas da formação e os campeonatos não profissionais, incapazes de dar respostas que salvaguardem a saúde dos desportivos e demais pessoas envolvidas directamente na realização dos jogos, a única solução é dar por terminados os campeonatos, abrindo contudo uma excepção para as subidas e descidas de divisão, que podem ser alvo de regulamentação excepcional.
- Foi ainda encontrada uma verba, para já escassa, para ajudar no primeiro impacto sofrido pelos clubes. Mas, e este princípio também é válido para os clubes do futebol profissional, o problema que se coloca agora, pode ser a oportunidade perfeita para corrigir erros e distorções que levaram os gastos muito para além das reais possibilidades de cada emblema...
Mas há outras questões que têm sido alvo de alguma mistificação e que urge clarificar. Sabendo-se que continua em aberto a possibilidade de play-offs para determinar subidas e descidas, falta falar de um cenário pessimista, no qual se prolongaria no tempo a impossibilidade de os campeonatos profissionais serem finalizados. Como determinar, então, não só as promoções e despromoções, mas também a hierarquização do acesso às competições europeias?
Uma via de play-off, que limitasse o número de jogos, deverá ser sempre colocada em cima da mesa. Mas, e se mesmo uma versão competitiva reduzida viesse a mostrar-se impraticável, o que fazer?
Em relação a subidas e descidas, uma de duas hipóteses viriam à baila: ou se dava a época por anulada e 2020/2021 iniciar-se-ia como tinha começado 2019/2020; ou aceitar-se-ia a classificação à data da interrupção das competições a agir-se-ia em conformidade.
No que respeita às competições europeias - e salvaguardando-se sempre que não acabando as provas não haveria distribuição de título - às duas primeiras sub-hipóteses atrás apresentadas, anular a época ou aceitar a classificação, poderia juntar-se uma outra, que passava por seguir o ranking de clubes da UEFA para preencher hierarquicamente as vagas.
Mais difícil, e quiça prematuro, é especular sobre quem se responsabilizaria por todas estas decisões. Mas confiemos que será possível, até Agosto ou Setembro, concluir as competições. Este será, sem dúvida, o mal menor...
Os números da pandemia em Espanha, teimam em não ceder, e é com redobrada apreensão que olhamos para os 619 óbitos por Covid-19 ontem verificados, mais 109 que na véspera (já morreram 16.972 pessoas). O facto de cada vez mais haver menos novos contágios é o único raio de esperança, num momento-chave em que os espanhóis vão hoje sair da hibernação a que estavam obrigados. O drama de muestros hermanos tem sido fonte de aprendizagem, e estará evitar-nos danos maiores na luta contra este inimigo quase invisível a olho nu. Para Espanha, solidariedade sem fim."
José Manuel Delgado, in A Bola
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