"O espectáculo foi montado para o ter como intérprete principal. Não foi à toa que Eusébio foi Eusébio antes de ser Eusébio. O árbitro, Francisco Saraiva, entrou em campo com as equipas do Atlético e a reserva do Benfica, reforçada com dois ou três dos titulares. Mas os encarnados eram apenas dez: Barroca, Mário João, Ângelo, Neto, Artur, Saraiva, Nartanga, Jorge, Mendes e Peres...
Um silêncio curto, mais curto do que o que demora a escrever.
E Eusébio.
Saiu do túnel, o braço levantado, por entre aplausos estrondosos de gente que tanto o desejara, que tanto o questionara, que tanto por ele esperara.
Onze minutos bastaram a Eusébio. Ao minuto 11, de muito longe, fora da área, remata com força e colocação: a bola sai incontrolável, impiedosa. O golo é concreto, palpável. O seu talento também.
Se calhar, era mais justo dizer que sete minutos bastaram a Eusébio. Ao minuto 7, recebe a bola de Nartanga, finta dois adversários num quadrado minúsculo de terreno e chuta como se desse pontapé dependesse a própria vida: Bastos estira-se; a bola queima-lhe as mãos e sai para lá da última linha.
O povo delira. Levanta-se satisfeito do cimento das bancadas, comenta as proezas do seu ídolo, dedica-lhe palmas e gritos de incentivo.
Voltemos ao jogo. Eusébio está lá todo. Mesmo aquilo que ainda não é já se adivinha. O executante primoroso: bom domínio de bola, tanto com o pé direito como com o esquerdo; a execução rápida, intuitiva; a bola junto à relva; o equilíbrio firme; as pancadas secas do pé; o drible simples. O estratega lúcido: calmo, esclarecido; procurando as tabelinhas; a destreza nos toques velozes; a facilidade com que já pensou no que fazer da bola antes de a receber; o altruísmo; os reflexos apurados. O rematador temível: vivaz; disparo brusco, espontâneo; potência nos pontapés tanto com o direito como com o esquerdo; força, força e mais força; corridas leves e rápidas sempre concluídas com remates bem dirigidos, pouco importando o ângulo a que se encontra da baliza.
Começa como interior-esquerdo, passaria em seguida para interior-direito, jogando com Mendes na sua frente. O público, esfomeado, exige-lhe o impossível e ele dá-lhe o impossível: aos 11 minutos apenas, três remates fulminantes, um golo fantástico. O Benfica é um conjunto desgarrado, individualista, pouco firme. O Atlético empata por Pedro Silva (15') e chega à vantagem por Angeja (36'). Mas Eusébio vai enchendo o campo com o seu estilo moderno, diferente. Aos 76 minutos, tem novo remate que daria golo ou não, ficará por saber-se: Armando Ferreira estica o braço, desvia a bola como se fosse o guarda-redes que não é. O «penalty» é de Eusébio, foi ele que criou, os adeptos ordenam-no, o futebol também: golo. Quatro minutos depois, Inácio, que entrara para o lugar de Peres, tira um centro da esquerda: Mendes toca a bola já dentro da área e Eusébio desvia para a baliza. Três-golos-três. Mendes marcaria ainda outro, a três minutos do final.
Eusébio da Silva Ferreira: uma nova estrela brilhava na Luz. «Sou um homem feliz!»"
Afonso de Melo, in O Benfica
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