"Gosto de ouvir histórias, especialmente as contadas por velhos. Normalmente, têm sumo, conteúdo, honradez, fazem-nos transpor para uma imagética a preto e branco, recordar e trazem lições associadas. As soleiras das portas dos bairros costumam ser bons sítios para as ouvir. Depois das manhãs a discutir-se a espuma dos dias, as tardes, normalmente, eram passadas em regressos ao passado, até porque a nostalgia é sempre uma casa que se gosta de visitar por ter as portas abertas e em que as paredes podem ser pintadas das cores que se quer: ou mais garridas ou mais cinzentas, consoante o padrão com que se pretende colorir a memória.
A memória dos adeptos do futebol tem sempre padrões garridos. Nos mais velhos da minha rua, fosse pelas vitórias, pela qualidade dos ídolos; fosse pelo orgulho no comportamento dos adeptos ou na rectidão de princípio e de acções dos seus dirigentes. Quando se conseguia conjugar dois factores ou mais, o peito enchia, os olhos dos mais guardiões da Lisboa antiga até chegavam a marejar de lágrimas mesmo em homens de vida dura, operários feitos de pedra e nos quais as rugas do rosto contavam as histórias da linha da vida.
Os tempos mudaram. Na maioria dos variadíssimos vectores da vida, para muitíssimo melhor. Mas no fim de tudo, hoje, a única coisa que conta é a vitória e o dinheiro daí adjacente. Seja em que indústria for, mas especialmente no futebol que, no fundo, continua a ser uma bola com efeitos mágicos que continua a prender a atenção de milhões e milhões espalhados pelo mundo. Pode dar-se a volta que se quiser mas, no fim, no sentido mais estrito da história, na enorme maioria dos casos, nos dias que correm quem conta é quem contabiliza vitórias. Mas continuo a gostar muito dos velhos da minha rua, mesmo que muitos deles já cá não estejam."
Hugo Forte, in A Bola
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