"Nunca vi Eusébio jogar ao vivo. Bom, ainda assisti a umas “peladinhas” em festas de homenagem quando já se tinha retirado e, claro, tive ocasião de o observar durante vários treinos do Benfica, numa altura em que para além de fazer parte da estrutura encarnada se entretinha em mostrar aos craques da época que, embora já de “chuteiras penduradas”, ainda conseguia fazer coisas com que alguns jamais sonharam. Muitos futebolistas de nomeada perderam apostas com Eusébio por duvidarem das suas aptidões ou por considerarem que eram capazes de fazer igual ou parecido...
Mas, no que se refere a jogos oficiais, não vi nenhum. Tenho pena. Quem gosta de futebol, independentemente da filiação clubística ou da nacionalidade, não poderia ficar indiferente à arte de Eusébio, como hoje em dia não pode fechar os olhos às coisas fantásticas que Ronaldo ou Messi fazem em qualquer relvado.
Eusébio, segundo ouvi da boca de muita gente (e confirmei através do visionamento de imagens dos anos 60), aliava uma capacidade técnica própria de um predestinado a uma força física simplesmente invulgar. Era por isso que tanto marcava golos dentro da grande área contrária, depois de driblar vários opositores, como disparava “misséis” indefensáveis a 30-40 metros da baliza. O seu vasto leque de soluções ofensivas dava basicamente para tudo.
Apesar de ter sido um grande, de ter atingido um patamar restrito, estou convicto de que Eusébio seria ainda mais lendário se, por mero acaso do destino, tivesse nascido uns anos depois. José Mourinho disse, poucas horas após o anúncio da morte do Pantera Negra, que Eusébio seria algo de assombrosso se jogasse por estes dias. Concordo em absoluto. Até onde poderia chegar um futebolista tão forte a todos os níveis se, por trás, tivesse um acompanhamento médico mais avançado; se tivesse sido operado ao joelho com as técnicas modernas; se fizesse o trabalho de recuperação que hoje é vulgar em qualquer clube mediano; se tivesse um agente que o soubesse defender/publicitar; se não se desgastasse tanto a disputar particulares sem qualquer interesse competitivo mas que valiam muito dinheiro como Toni hoje recordou a propósito de uma digressão encarnada à Argentina; se tivesse a internet e milhares de meios de comunicação social a difundir os seus feitos; se pudesse disputar mais jogos (e fases finais de Europeus e Mundiais) com a Selecção Nacional; se beneficiasse do acesso à principal prova europeia de clubes sem, antes, precisar de ser campeão nacional? Eusébio foi enorme, mas hoje em dia seria muito, muito maior ainda.
No desempenho da minha actividade profissional recordo um episódio que me ajudou a perceber o tal patamar a que Eusébio chegou. Em Dublin, capital da Irlanda, fiquei arrepiado em Lansdowne Road, pois jamais pensei ver, num estádio de futebol, adeptos a prestarem uma homenagem tão sentida a alguém que pertencia... ao adversário.
Foi a 26 de Abril de 1995, numa altura em que Portugal e Irlanda disputavam a qualificação para o Europeu de 96. Poucos minutos antes do arranque da partida, num estádio lotado de adeptos locais, ouviu-se através da instalação sonora que estava presente uma figura do futebol mundial, alguém que tinha brilhado no Mundial de 1966. Quando se escutou o nome de Eusébio, milhares de irlandeses levantaram-se de pronto e desataram a aplaudir. Fiquei incrédulo. Duvido que o público tivesse vitoriado de uma forma mais eloquente alguém da casa. O momento foi tão invulgar que os irlandeses fizeram questão de que Eusébio fosse ao centro do relvado e ele, embora contrariado, acedeu. O estádio não parava de aplaudir, enquanto os futebolistas locais, imóveis e com as mãos atrás das costas, mostravam o seu respeito com tão ilustre visitante. Os portugueses, jogadores e jornalistas, ficaram atónitos com a cena (que obrigou o encontro a começar atrasado), mas todos os que como eu não tiveram oportunidade de ver o King em acção perceberam, naquele dia, quem era Eusébio da Silva Ferreira."
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