"Muito se escreveu sobre Eusébio nestes últimos dias. Conquistada a eternidade nos anos 60, o king foi ídolo de milhões. De Madrid a Londres, do Rio Janeiro a Tóquio - como as inúmeras homenagens internacionais comprovaram - ninguém ficou indiferente à pantera que levou tanta gente a apaixonar-se pelo melhor jogo do mundo.
Mas antes de navegar por esses mares nunca dantes navegados por um desportista Português, o Senhor Eusébio foi... o menino Eusébio. E como todas as crianças tinha um ídolo. Chamava-se Fernando Lage, maestro que nos anos 40/50 jogou no Desportivo de Lourenço Marques e despertou a cobiça de Benfica, Sporting e FC Porto. Mas que nunca quis deixar a terra mãe. Era para o ver jogar que Eusébio se esgueirava rumo ao campo da sua equipa do coração para, com a cara vincada pelo gradeamento, ficar hora e meia a deliciar-se com os toques mágicos que um simples ser humano conseguiu imprimir a uma bola de futebol.
Toda a gente tem uma história com Eusébio. A minha começa ali, na Mafalala, quando Eusébio tinha oito anos. Foi vislumbrando nele esse olhar maroto de criança que pela primeira vez vi ao vivo o Rei. Pronto, não foi bem na Mafalala: o restaurante chamava-se LM, que até é abreviatura de Lourenço Marques, mas fica no Cacém. Foi ali que, em 2002, Eusébio ajudou a promover uma homenagem a Lage, então com 75 anos. E foi impressionante o que vi nesse dia: a lenda sobre quem ouvira centenas de histórias do outro mundo era, afinal, simplesmente... humano. Eusébio estava em lágrimas. O seu herói estava ali, à sua frente. Venerou-o, abraçou-o, beijou-o, pedindo-lhe tantas e tantas vezes que contasse de novo as histórias do Desporto daquele tempo.
Naquelas três horas, Eusébio tinha outra vez oito anos e estava novamente na Mafalala. «Se viesse para Portugal, tinha sido maior do que eu. Falo sempre no Di Stéfano mas o meu querido Lage está ao mesmo nível», disse-me o king nesse dia. Jamais esqueci aquele olhar não terno e tão forte, do tamanho do mundo. O mundo que, nos últimos dias, soube curvar-se de novo ante a grandeza de Eusébio e, simplesmente, dizer-lhe: obrigado!"
João Pimpim, in A Bola
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