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quinta-feira, 9 de abril de 2020

O último negócio de uma era

"Nas próximas décadas não se vislumbra como poderá um clube português contratar um internacional alemão, de 24 anos, ao Borussia Dortmund, aguardemos, pois, que Weigl se expresse na plenitude do seu futebol

Não tem a magia instantânea dos grandes artistas, que encantam plateias a agitam a indústria. Apresenta-se com rosto de cidadão qualquer e a expressão feliz de um jovem igual a tantos, em campo é silenciosa, discreto e, em menos de dez minutos, identificamo-lo como jogador despreocupado com o exterior, que não pensa em protagonismo e age, em exclusivo, em função da equipa. O papel que lhe cabe na peça não é decifrado ou mesmo valorizado automaticamente; o seu futebol não contém elementos criativos comuns aos génios, porque recusa fintas, habilidades e demais truques que retirou, ainda menino, do reportório que lhe definiu o estilo. Weigl é, assim, um operário especializado, cumpridor de todas as tarefas que lhe são atribuídas, e um funcionário superior, com técnica cristalina e profundo conhecimento táctico, que serve para manter a equipa em funcionamento, segundo princípios acordados previamente como treinador.
A maior dificuldade para um jogador com características tão especiais é o tempo que leva a acomodar-se no lar a conhecer os cantos à casa; em causa não está só a decoração, o estilo, a mobília e as regras gerais do funcionamento do lar; não é só ter a noção de onde fica a sala, o escritório, os quartos ou a cozinha, é saber quais são os armários onde estão roupa e loiças ou as gavetas que guardam a correspondência e os cofres que escondem as joias. Esse processo é complexo; moroso de assimilar e mais ainda de conjugar com o meio em que está inserido, até porque se trata de uma relação com dois sentidos - quem já habitava na casa tem de sentir-se confortável com a inclusão de um novo hóspede tão ilustre e influente na manobra colectiva.
Weigl tem a vantagem de dominar todo o terreno, conhecer as regas de circulação e acção em cada parcela por onde passa, bem como se procurar o caminho em sintonia com os outros e assim encontrar as respostas que o jogo pode. Para expressar o máximo do talento, precisa de uma equipa à volta, que lhe dê soluções para o início da criação e não a obrigue a concentrar-se na procura da bola.
Sendo um jogador evoluído e multifuncional, só atinge o máximo quando conjuga raciocínio, segurança, liderança, equilíbrio, risco e aventura. É tão responsável e zeloso a gerir o que tem para fazer que parece diminuir-se quando reparte determinadas tarefas - pode ser como Redondo, que se queixava, quando lhe colocavam um companheiro ao lado, de que lhe tapavam um olho. Weigl sublinha a importância de valores como inteligência, eficácia e simplicidade; movimenta-se em bicos de pés pelos corredores do poder (o centro do terreno), com uma autoridade clara e ao mesmo tempo discreta e silenciosa. É um médio que recusa a superficialidade do adorno e transporta uma austeridade técnica que não encanta, mas cumpre as necessidades da sua muito exigente intervenção no jogo.
Quando lhe chega aos pés, a bola não espera receber juras de amor, mas tem a certeza de que será bem tratada, vai descansar pouco, viajar depressa (joga a um/dois toques) e ter um destino seguro, Weigl recusa todos os manuais de etiqueta; não tem jeito para ser solene, intenção de ser brilhante, muito menos preocupações com a avaliação exterior. Nunca se agitará, levemente que seja, quando quiserem reduzi-lo a um número descomunal para o meio (20 milhões) e houver quem não encontre relação entre o que joga e a grandeza que não lhe atribuem. Mesmo considerando essa desfasamento, Weigl personifica o último grande e surpreendente negócio de uma era no futebol português. Nas próximas décadas não se vislumbra como poderá um clube português contratar um internacional alemão, de 24 anos, ao Borussia Dortmund. Aguardemos, então, para que possa expressar-se na plenitude do que tem para oferecer."

Rui Dias, in Record

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