"Como é pavlovianamente explicável, cada vez que o Benfica ganha um campeonato, lá surge uma catadupa de 'justificações'...
1. No rescaldo do título nacional, três intervenções mediáticas com três titulares do 37: o administrador Domingos Soares de Oliveira, o treinador Bruno Lage e o jogador João Félix. Todas significativas, objectivas e explicativas. O primeiro, na TVI, com competência, rigor e sentido estratégico. O segundo, numa inovadora conferência de imprensa, com a grandeza da simplicidade, a virtude da serenidade eloquente, a exemplaridade contagiante. O terceiro, na BTV, com a genuinidade juvenil, a alegria transbordante e a demonstração plena de que é possível juntar talento e divertimento no seu trabalho. Pela palavra e pelos paradigmas, não poderiam ter sido melhores os dias pós-título. Obrigado!
2. Entre 2003 e 2009 houve uma espécie de troféu honorífico chamado 'Taça BES' atribuída ao primeiro classificado dos jogos entre os chamados grandes. entretanto, foi-se o BES das taças e foi-se a Taça BES. Nas suas seis edições, nunca o Benfica a ganhou, sendo o FC Porto o quase totalista vencedor. Este ano a Taça (agora virtual) foi categoricamente conquistada pelo Benfica (a três e a quatro se juntarmos o SC Braga). Foi nestes jogos que o SLB edificou a vitória final. De facto, entre eles, o meu clube perdeu apenas 2 pontos (empate na Luz, contra o SCP), tendo desperdiçado 13 contra equipas abaixo da metade da tabela ou despromovidos: 3 com o Beleneneses SAD, 3 com o Moreirense, 3 com o Portimonense e 2 com Chaves na 1.ª volta e só 2 com o Belenenses SAD na 2.ª volta. Já agora, não tendo havido a taça BES, registe-se que, quanto aos Bês, também ficámos à frente de todos os outros B, sendo parte da competição ainda com Bruno Lage à frente do plantel.
3. Como é pavlovianamente explicável, cada vez que o Benfica ganha um campeonato, lá surgem uma catadupa de justificações para se concluir que as suas vitórias não tiveram merecimento. Nesta década de maioria encarnada quanto a campeonatos ganhos, é fartar vilanagem quanto a abstrusas vias para os tentar (em vão) denegrir.
Neste contexto, a palavra narrativa - ora repristinada e metamorfoseada - tomou novas dimensões diante do campeonato 37 do Benfica, depois de andar por aí, primeiro, na visão socrática (não me refiro ao filósofo grego), depois, mimeticamente perante tudo e nada, certo e errado, verdadeiro e falso.
Diz o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa que narrativa significa literariamente «testo em que se conta um facto reais ou imaginários, que decorrem num espaço e tempo determinados e em que intervêm personagens», ou seja, sinónimo de «conto», «história» ou «romance».
Pois o que é que temos ouvido e lido à saciedade por causa do 37 encarnado e proclamado como sentença transitada em julgado por despeitados derrotados? Uma interessante narrativa baseada numa posologia de 50% de fantasia e 50% de amnésia a que se acrescenta o excipiente onírico conforme o jeito e o fingimento.
Já sem argumentos extra-futebol e sem catões reais ou figurados, esta narrativa baseia-se, no essencial, em invocados «erros inacreditáveis» (sic) dos árbitros nos três jogos ganhos pelo Benfica fora de casa, a saber, Feirense, SC Braga e Rio Ave. Num passe de mágica, parte-se dos tais reclamados erros arbitrais para uma conclusão tão precipitada, como indemonstrável: a de que o Benfica teve mais pontos dos que o que teria sem eles. Bem sei que o desejo atrofia, por vezes, a racionalidade. Mas vejamos: contra o Feirense reclamou-se que foi mal anulado um segundo golo festa equipa que a colocaria a vencer por 2-0. Sobre o lance já tudo foi dito: é admissível supor que não houve fora-de-jogo, como o seu contrário, sabendo-se, porém, que foi o árbitro assistente que o assinalou e, em boa verdade, dificilmente o VAR o poderia contrariar com absoluta certeza. Curioso é comparar a reacção perante este lance e a do golo invalidado por pretenso offside ao Benfica na meia-final da Taça da Liga, precisamente contra o Porto. Ou ainda o silêncio comprometedor perante a validação do golo de Herrera no fim do jogo na última jornada contra o Sporting. Felizmente, neste caso, o Benfica já estava campeão. Imagine-se o que teria sido esta validação caso, por mero absurdo, o Benfica tivesse perdido contra o Santa Clara. Mas voltando ao hipotético 2-0 do Feirense (aos 20 minutos), nada garantiria que o Benfica não ganhasse o jogo (bastava-lhe marcar menos 1 golo dos 4 que marcou...).
Contra o SC Braga, as baterias apontaram ao penálti assinalado sobre Félix, numa altura em que o Benfica perdia por 1-0 através de um penálti tão discutível como aquele. Também aqui recordo que nada garantiria que o Benfica não vencesse, tal foi a demolidora exibição na segunda parte, onde, para não variar, se marcaram não 1, não 2, não 3, mas sim 4 golos. Não quero, porém, omitir a questão da eventual expulsão perdoada de João Félix, que, na verdade seja dita, poderia vir a alterar o rumo do desafio. Mas já agora e em jeito comparativo, que dizer de faltas de Filipe e Militão no jogo FCP-SCP (sobretudo a do primeiro, bem mais evidente à vista desarmada do que o caso de J. Félix) que, porém, não foram expulsos pelo incontornável Fábio Veríssimo (por coincidência, um dos árbitros que estava na macro-lona exibida no Dragão!). Aqui não há registo na memória, apesar de tão recente no tempo?
Finalmente, o jogo em Vila do Conde. Ainda que tenha dúvidas sobre o lance do segundo golo do Benfica (Seferovic não atirou à baliza, fez antes um passe para Pizzi, o guarda-redes do Rio Ave interceptou-o - coisa diferente de fazer uma defesa - e deixou a bola à mercê de João Félix), aceito, sem problemas, que o fora-de-jogo deveria ter sido assinalado. Acontece que tanto quando se pôde constatar, ninguém no campo, na narração e comentários, e nos adversários, contestou o golo pelo offside. Os protestos advieram de uma reclamada falta de Florentino não assinalada (em Inglaterra não se marcaria...). Aceitando-se a marcação da infracção, é indiscutível que teria de ser fora da área, ou seja, um livre e não uma grande penalidade. Logo, mesmo com o golo anulado, o Benfica iria muito provavelmente para o intervalo a ganhar por 1-0. Como se pode daí retirar que o Benfica perderia o jogo?
Há um ponto coincidente em todos estes casos: o de erros, factuais, virtuais, imaginários ou desejados, terem acontecido muito antes do fim dos jogos, donde não se pode concluir inapelavelmente sobre um qualquer resultado final. O mesmo não se pode dizer de alguns jogos do Porto, em que houve erros praticamente no fim das partidas. Exemplos: O FCP ganhou ao Belenenses por 3-2 na última jogada através de um penálti oferecido; não é assinalado um penálti favorável ao SC Braga que poderia ter dado o 0-3 já nos minutos finais; um penálti perdoado a Brahimi sobre Rochinha, também no Bessa, com o resultado em 0-0 a 19 minutos do fim. Isto para não falar de algumas expulsões poupadas, como as que atrás referi ou a que deveria ter acontecido em Setúbal com o resultado ainda em 0-0. Aliás, neste domínio, o FCP foi a única equipa que ao longo de todo o campeonato não teve nenhum jogador expulso, nem que fosse duplo cartão amarelo (se exceptuarmos a expulsão de Corona no fim do jogo da última jornada). Ao invés, o Benfica foi, depois do Tondela e Rio Ave, quem sofreu mais expulsões (2 por acumulação de amarelos e 5 directas!).
Taça de Portugal
Na prova-rainha (nome certamente e erradicar pelos polícias de ideologia de género, dada a discriminação face ao campeonato-rei), a tradição ainda é o que era. Não porque os jogadores tenham cantado o hino nacional (só três eram portugueses na apresentação das equipas: Danilo, Bruno Fernandes e Bruno Gaspar). Mas porque o Sporting venceu pela enésima vez o Porto nos penáltis decisivos. A cidade de Lisboa fez o pleno. Fernando Medina tem de aumentar o Orçamento da CML para tantos Santos António em versão vermelha e verde. O clube leonino fez uma época bem acima das expectativas depois do dia negro em Alcochete. Deve por isso ser felicitado, bem como o seu educado técnico Marcel Keizer. Ao contrário de Sérgio Conceição na tribuna, ainda que, para alguns comunicadores de serviço, seja uma questão de feitio e não um defeito. E, desta vez, não se notaram as sempre tão prestimosas e elegantes notas de F.J. Marques. É que não jogava o Benfica, claro está...
Contraluz
- Bola de Prata da II Divisão: Aos 38 anos de idade, Jorge Pires (Penafiel), com 16 golos! Um jogador que passou por mais de 10 clubes ao longo da sua longa caminhada e que já havia sido o melhor marcador daquela divisão também no Portimonense.
- Pronúncia: O sportinguista Mathieu, que fez uma enorme exibição na Taça, renovou por mais um ano. Não se tratando de um nome cazaque, chinês ou esquimó, mas sim francês, custa ouvir profissionais dos media chamar-lhe «Matiô» ou «Matiú», em vez do correcto «matiê» (um e bem fechado). Se na próxima época insistirem no erro, sugiro que Mathieu mude o nome para Mathiau..."
Bagão Félix, in A Bola
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