"Não foram apenas os golos, nem sequer apenas a qualidade dos golos ao Guimarães, na Luz. Foi a fibra. A crença. A vontade. Ninguém tiraria aquele título ao estender da mão dos jogadores encarnados. Foram buscá-lo ao fundo das almas e da sua própria atitude.
É um tempo feliz, este, encarnado vivo, em flor. Um tempo de apaziguamento também para aqueles que durante muitos anos tiveram de suportar campeonatos viciados por corrupções baratas, quase gratuitas, ofertas miseráveis, conluios macabros, gentalha de nível baixíssimo e coberto dos calores de tantas noites. Negras noites. Agora, que todos já vimos as entranhas do polvo, percebemos a raiva dos que perderam os privilégios que não lhes eram devidos. Percebemos as alianças espúrias, os abraços criminosos, os labirintos de organizações mafiosas cheias de tentáculos movendo-se, imundos e grossos, por entre o que restava de alguma honestidade. E, no entanto, tudo continua, ainda, aí. Não há lugar para julgamentos de consciências, mas é lê-las, escutá-las, decifrá-las.
Este campeonato, agora resolvido a favor do Benfica, sem grandes motivos para reservas, mostrou a face distorcida de determinados vermes que vivem agarrados à parra seca de uma videira que não tapa vergonhas. Faces distorcidas mas, no entanto, visíveis. Todos nós seríamos capazes de os apontar a dedo se vivêssemos ainda na obscuridade de um regime alicerçado na delação e no medo. O que nos difere é isso mesmo: não nos envolvermos no lamaçal odioso das insinuações canalhas nem numa forma bacoca e mazomba de olhar o mundo em redor. Já se disse 'Basta!'. Podemos continuar a repetir 'Basta!' em cada conversa, em cada texto escrito, em cada discurso lido e escutado. Mas, ao fazê-lo, recusávamos um futuro livre. 'Nem esquecimento nem perdão', bramava o Conde de Monte Cristo. Isso: não esqueçamos nem perdoemos. Mas sigamos um caminho novo, no qual possamos, como dizia a canção de Fernando Tordo e de Ary dos Santos, pegar o mundo pelos cornos da desgraça.
Para muitos benfiquistas, sábado estava destinado a ter a tarde mais longa de todas as tardes. Começou bem cedo com a romaria à Luz, uma tarde de manhã, por assim dizer, prolongou-se pela madrugada, até ao dia seguinte. E foi, ao mesmo tempo, o mais curto de todos os jogos. Forte, rápida, talentosa, a equipa encarnada reduziu a escombros o castelo de Guimarães que se esperava na Luz. Num instante, esse confronto difícil, complicado, ansioso, resolveu-se. Um Benfica que não se viu muitas vezes neste campeonato que venceu com todo o mérito a despeito da contrariedade de alguns que procuraram apequenar o líder desde a mais tenra hora.
Não foram apenas os golos, nem sequer apenas a qualidade dos golos...
Foi a fibra. A crença. A vontade.
Ninguém tiraria aquele título ao estender da mão dos jogadores encarnados. Foram buscá-lo ao fundo das almas e da sua própria atitude. Eram eles e as suas circunstâncias. Ou, melhor, eles e o seu destino.
Era a hora de Dona Águia fazer contas com a pensão da vida.
Estão feitas! O quarto título consecutivo é uma realidade. Inédita! Agora, a pergunta tem cabimento - o que se segue? Até onde se prolonga a estrada da ambição?
A noite veio prolongando a tarde de todas as tardes. Pelas ruas, pelas praças, pelos becos e pelos bairros de Lisboa, um som de alegria. Uma alegria vermelha em flor.
Ninguém diga que não se justifica.
É mais valioso o mau perder que se alimenta em silêncio. Esse fel que se entranha mas não tem eco. Não pode ter eco. Não há mais espaço, como diria O'Neill, para um Portugal que seja só três sílabas. E de plástico, que era mais barato.
Não há corações de plástico. Nem memórias..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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