"Seremos mais felizes quando uma manchete de jornal sobre futebol feminino for absolutamente normal. Por agora ainda é exceção.
Algures pelo início deste século, o clube da minha aldeia ousou criar uma equipa de futebol feminino. Teve um problema: em todo o distrito de Évora não havia adversárias. Foi assim que a União Desportiva Machedense, da freguesia de Nossa Senhora de Machede (a maior freguesia rural do distrito), se viu forçada a inscrever-se na Associação de Futebol de Portalegre para poder competir. Competiu, durou o que durou e não se recordam grandes vitórias, mas foi um passo rumo ao futuro.
Hoje, todos as associações de futebol têm competição. Cada clube português que avança para provas femininas dá um sinal de evolução.
Um estudo publicado no último sábado pelo Portugal Football Observatory, da Federação Portuguesa de Futebol, mostra a inevitável tendência: o futebol e o futsal feminino crescem exponencialmente. Em onze anos, o número de praticantes aumentou acima do dobro, mesmo com a pandemia pelo meio.
O estigma original sobre o futebol feminino tem várias vertentes, e nunca saberemos onde está a galinha e o ovo desta história. Vai do «o futebol não é para meninas» até ao «elas não conseguem chutar com força ou marcar um canto que chegue à área». Passa (sim, infelizmente ainda passa), por preconceitos sobre orientação sexual e identidade de género. Parece mentira — decorrido quase um quarto de Século 21, este tema ainda é relevante e continua a ser necessário explicar que a Liberdade paira acima de quaisquer outro valores. O mundo do futebol continua a ser misógino e homofóbico, representando visões da vida que deveriam estar enterradas desde o Século 20, para não exagerar e dizer que desde o Século 15, ou desde o amanhecer dos tempos.
A verdade é que as mulheres, hoje, batem cantos que chegam à área e disputam lances com muita energia, embora com um pouco menos de testoterona, o que só beneficia o espetáculo.
A verdade é que os pais (sim, estou a falar dos pais homens) vão perdendo a vergonha de levar as filhas aos treinos.
A verdade é que o mais belo jogo conquista o seu espaço junto das mulheres e das meninas e nunca mais este relógio vai andar para trás.
O apuramento do Benfica para os quartos de final da Champions foi apenas mais uma prova da importância que o futebol feminino ganha no desporto nacional.
Pensemos, no entanto, na diferença de valores dos prémios ganhos por este feito em comparação com o que ganham as equipas masculinas que nem para os oitavos da Champions se apuram. É exatamente o que está a pensar, e se não está devia: as mulheres ganham menos que os homens, têm menos regalias e privilégios, continuam vários degraus abaixo na escala socioeconómica. No futebol como em todas as outras áreas.
A BOLA fez manchete, na última sexta-feira, com esta conquista. Como fez há meses com a vitória histórica da Seleção Nacional feminina sobre a Noruega. Seremos mais felizes quando isto for normal. E óbvio."
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