"A arbitragem portuguesa do século 21 é cega, surda e muda. Não fala, não explica, não diz nada. Rigorosamente nada, escreve Duarte Gomes, lamentando como, passados tantos e tantos anos, as estruturas que comandam a classe continuam a escolher o caminho do silêncio
Pelo que me é dado a perceber, a divulgação pública dos áudios "Árbitro/VAR" é um dos grandes objetivos das sociedades desportivas para a próxima época.
Com base na premissa "mais e maior transparência", parece claro que a ideia de fundo é saber tudo o que acontece ao nível da decisão. Para os clubes, isso permitirá (?) afastar eventuais fantasmas sobre a integridade do processo.
Trocando por miúdos, acho que a maioria dos equipas (e não só) não confiam nos árbitros, na sua integridade e competência. Precisam "ver para crer", que é como quem diz, ouvir para confirmar que nada de errado aconteceu.
Podíamos discutir essa ideia envelhecida, a de que forças superiores conspiram para prejudicar uns em detrimento de outros, mas se calhar o mais importante é dissecarmos os "porquês":
- Porque é que isso continua a acontecer? Porque é que as pessoas duvidam sempre da honestidade do que se faz em campo e em sala? De onde vem tanta desconfiança, tanta suspeição? Como podemos dilui-la?
Parece-me que uma das principais causas para tanta neblina é a inexistente abertura da arbitragem ao exterior.
Já o escrevi muitas vezes e, por acreditar convictamente nisso, fá-lo-ei tantas vezes quanto necessário: a comunicação da arbitragem de hoje não é boa nem má. É nula. Não existe.
Passados tantos e tantos anos, as estruturas que comandam a classe continuam a escolher o caminho do silêncio. A arbitragem portuguesa do século 21 é cega, surda e muda. Não fala, não explica, não diz nada. Rigorosamente nada.
Não é crítica nem ofensa, é um facto indesmentível.
Esta forma de estar fazia, a certo momento, todo o sentido. Os tempos eram outros, menos avessos às tecnologias e a uma habituação do uso da palavra. Dizia a prudência que, na altura, o melhor era não alimentar a confusão com palavras que seriam sempre mal interpretadas. Certo. Mas o futebol cresceu, os tempos evoluíram, as pessoas ajustaram-se a novas dinâmicas de comunicação e o setor tem que acompanhar essa mudança.
Hoje o Papa Francisco reza o E-Terço, o Professor Marcelo tira selfies, o Primeiro-Ministro português relata no Twitter a sua atividade política e até o Presidente Zelensky dá notícias diárias sobre a guerra, no seu Instagram pessoal.
Os árbitros não. Ou estão mudos ou estão calados, a serem alvo de críticas excessivas, desconfianças sistemáticas, ofensas s visitas pontuais a centros de treino. Continuam a ser enxovalhados pelo facto de exercerem a sua função.
E o que é que quem os gere, quem os supervisiona, diz em sua defesa? Nada. Não diz nada.
Por vezes, emite um comunicado aqui, outro ali, muito tímidos, quase a pedir licença para não incomodar.
Desculpem, mas está mal e não é só aí.
Quando os mais novos são agredidos a soco e ao pontapé, nos distritais ou futsais desta vida, o que é que a casa-mãe diz ou faz?
Nada! Rigorosamente nada! Silêncio total.
Mas o pior mesmo é em relação ao ruído tóxico que algumas decisões provocam cá fora. O pior é o prolongamento, para a opinião pública, de um penálti ou fora de jogo discutível. O que é que a arbitragem faz aí?
Nada! Não faz nada, não diz nada. Nunca fez. E continua a não fazer.
Com todo o respeito pelos muitos amigos que tenho por ali (que sei serem competentes e darem o melhor de si), é tempo de mudar a estratégia.
Falar para o exterior será sempre censurável para os tribalistas, mas para quem pensa para lá do coração, terá sempre outro valor.
Se a comunicação for feita com estratégia e ponderação, em momentos pré-definidos, de forma didática e equitativa e com coerência e critério, tem tudo para ser fundamental no restabelecimento da confiança na classe.
Não tenham dúvidas, esse silêncio é um dos maiores responsáveis pelo atual clima de suspeição. Quando as pessoas não percebem, quando não entendem, quando não conhecem nem acompanham de perto processos sensíveis e estruturantes, desconfiam. Está-lhes no sangue, essa necessidade interior de ver para crer, o que nos leva de novo à questão da divulgação dos áudios:
- Um comunicado datado de 2020 (o mais atual à data), assinado por Pierluigi Collina e Massimo Bussaca, proíbe a transmissão de áudios "ao vivo", ou seja, durante o decorrer dos jogos. No entanto, permite que a entidade que organiza a competição (no nosso caso, a Liga Portugal) possa divulgá-los à posteriori, desde que o faça a título de exemplo, para "fins educativos".
Fica a dica."
Não dizem nada porque querem manter tudo na mesma. Eles, a fpf e a liga.
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