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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Piratear informação: do pirata da perna-de-pau a Sir Francis Drake

"Ninguém parece preocupar-se com isso, só com discutir, repetir e glosar a informação pirateada, sem querer saber se foi pirateada nem sequer se é ou não verdadeira

Vivemos em tais tempos de abundância e frenesi de informação, e de necessidade dela – mais e mais! –, e também em tempos de deleite opinativo sobre tudo e mais alguma coisa (o tempo em que cada um é “tudólogo”), que parece que ninguém já quer saber qual a origem da informação e se a mesma é fidedigna ou não. Vem isto a respeito do que por cá e pelo mundo vai circulando, muitas vezes com origem em verdadeiros actos de pirataria (ou outros furtos, fraudes, violações, etc.) e mesmo de manipulação. Mas ninguém parece preocupar--se com isso, só com discutir, repetir, glosar (ou mesmo gozar), opinar, valorar, dissecar – quantas vezes até à náusea – a informação pirateada, sem querer saber se foi pirateada ou não e se é sequer verdadeira ou não. É como se o ato de piratear perdesse qualquer importância quando comparado com a necessidade de encher de “informação” a folha em branco ou o espaço vazio, com o ímpeto de opinar sempre e sobre tudo e, também, com o ancestral e incontornável desejo de espreitar pelo buraco da fechadura ou de, abusando da cortina mal dobrada, ver uma nesga de sombras. E a culpa é de quem? É de todos, desde logo por consumirem os frutos da pirataria sem sequer se questionarem sobre a origem (e, já agora, a qualidade ou fidedignidade) da coisa. É como se pirata de informação não fosse realmente pirata (alguém que furta, engana, viola, etc.), mas um ser útil e eticamente neutro, quando não mesmo um ser benigno, amigável – por exemplo, o engraçado e inofensivo pirata da perna-de- -pau da composição musical de Zeca Baleiro. Tem olho de vidro e cara de mau, mas nem nos lembramos do que ele faz. Ávidos, entretidos e deleitados, acolhemos o saque e por aí andamos com ele, sem nos perguntarmos acerca da pirataria. Que alegre, informativo e divertido é tudo isto! Tem na origem crimes? Não interessa, the show must go on. Tenho pena que assim seja, e é grave, e cada qual só dará talvez por isso quando, um dia, tarde demais, o pirata lhe bater à porta, para lhe levar ou manipular ou forjar a sua informação. Aí quero ver se não dói e se não se lembram do problema. Mas mais grave do que esta indiferença (mesmo anomia) acerca da pirataria da informação é a tentativa de a justificar argumentando com a pretensa relevância do que é pirateado. Sim senhor, bom ponto, gosto desta argumentação. O problema é que, primeiro, os fins não justificam os meios, parece-me. Ou será que justificam? E, se justificam, isso vale só para a pirataria ou também vale para outras coisas? E quais? Segundo, mesmo que possa, porventura, ser relevante ponderar o valor do saque para avaliar a gravidade e a censura da pirataria, é preciso ver bem a proporcionalidade e o equilíbrio. E é bom não esquecer que quando certos fins justificam certos meios, então está aberto o caminho para que todos os fins justifiquem todos os meios. É dar carta de corso e um título a um pirata, transformando-o em corsário e cavaleiro. É autorizá-lo a tudo, a bem da nação. Como fez Isabel I a Francis Drake."

1 comentário:

  1. O pirata agora já não tem olho de vidro e perna-de-pau!
    Os novos Drakes vestem bem porque ganham melhor!
    Claro que continuam ao serviço de quem tem poder e quer a concorrência bem varrida!
    E quando começam como free-lancer's, fácilmente encontram quem lhes pague o fatinho e a boa comida!

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