"Foi parar ao Caramulo, o Sporting não o quis por o achar «tuberculoso»; No Benfica foi Beckenbauer antes dele
1. Nasceu em Alcântara por inícios de 1932 - e, pequenino, desatou a aparecer por detrás das cabeceiras da Tapadinha (ainda modesto campo de terra batido do Carcavelinhos), encantado sobretudo por Carlos Baptista, a quem se chamava o «Back da Morte», o seu primeiro ídolo.
2. Aos 11 anos perdeu o pai, aos 14 perdeu a mãe - e estava a ser criado por irmã mais velha quando, algures por 1947, se foi oferecer para jogador do Atlético (que acabara de surgir da fusão entre Carcavelinhos e União de Lisboa). Pediu para ser guarda-redes, guarda-redes começou por ser.
3. Treinador que o acolheu foi Carlos Baptista. Achou que o talento que ele mostrava com os pés se perdia entre os postes das balizas - e, num abrir e fechar de olhos, transformou-o em avançado centro (de recorte fino e esperteza de movimento). Desatou a marcar golos - aos 19 anos, estreou-se na primeira equipa do Atlético.
4. Armindo lesionou-se no treino antes do jogo com o Benfica. Janos Biri pediu-lhe que trocasse de posição, fosse fazer as vezes de Armindo - foi, sem esconder surpresa (e alvoroçado). Não se atormentou com a missão, o Atlético perdeu por 3-4 (e o que correu de boca em boca foi que sem o «miúdo» na defesa não teria sofrido só os quarto golos que sofreu).
5. Com Armindo recuperado, voltou às reservas - e, com o Benfica, na segunda volta, voltou a jogar (mas já a médio centro). Titular não deixou mais de ser (e, sem grande tardar, Salvador do Carmo chamou-o à selecção A para jogo com a Áustria. Abriu-o como suplente, lesão de Cabrita pô-lo em campo - e fez de Orkwick, a estrela dos 9-1 de Viena, uma sombra em si.
6. Constipara-se, abatido, jogou num dia de temporal contra o SC Braga - e, no balneário, desmaiou de súbito. O médico achou que era efeito da gripe - e pediu que o levassem a casa de automóvel (e de lá não saísse nos dias seguintes). Saiu para ir pela selecção à Turquia e ao Egipto. Depois, foi pela selecção de Lisboa a Madrid (para jogo organizado por Carmen Franco, a mulher do Ditador). No aeroporto, nevoeiro não permitiu a descolagem do avião, ficou-se à espera de melhoria tiritando de frio - e ao aterra-se em Lisboa Santa Maria foi o seu destino (incapaz de suportar tanta tosse a soltar-se o corpo a arder).
7. A pleurisia que logo lhe detectaram deixou-o internato um mês. Correu a jogar (e a brilhar) e numa inspecção para a Selecção Militar, o médico achando-lhe estranhos os pulmões, atirou-o de emergência para o Sanatório do Caramulo. Lá ficou durante quatro meses, tratado por José Maria Antunes (médico que ganhara pela Académica ao Benfica a primeira edição da Taça de Portugal e foi, por várias vezes, seleccionador nacional).
8. O Sporting tinha acordada a sua transferência a troco de 400 contos para o Atlético (e de 100 de luvas para ele) mas sabendo-o «tuberculoso» rasgou o contrato (e arrependeu-se). Voltou à liça, ajudou o Atlético a ganhar o Campeonato da II Divisão. O Benfica foi buscá-lo, de lés a lés se falou dele como melhor central da Europa. (António Simões haveria de o definir, perfeito - como o «primeiro Beckenbaeur do futebol mundial»).
9. Esteve na conquista da Taça dos Campeões ao Barcelona e ao Real Madrid - a sua quarta final, a de San Siro, jogou-a injectado com novocaína (tal como Eusébio). Era tempo em que não havia substituições - e com Costa Pereira, sem ser capaz de se ter em pé (pior: paralisado). Schwartz cogitou mandar José Augusto para a baliza. Alguém lembrou que, com o Benfica a perder por 0-1, talvez José Augusto fosse mais útil à frente - e foi ele. Lá esteve 33 minutos, com uma ligadura a aconchegar-lhe a coxa - sem que o Inter lhe marcasse um golo sequer.
10. Após o Mundial de 1966, onde fez um jogo apenas, Fernando Riera disse-lhe que não contava mais com ele - e foi para o Salgueiros. Um ano depois, despediu-se de jogador. Ao Benfica regressou como adjunto de Otto Glória - nessa condição esteve na final da Taça dos Campeões de 1968 perdida no prolongamento para o Man. United. Ainda treinou o Atlético - empregou-se numa empresa de edições, desligou-se do futebol, entrevistas deixou de dar, sublimando a ideia que dele se criara: a do homem do olhar triste, sardónico (e morreu em 2004)."
António Simões, in A Bola
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