Medo de Semedo

"Rui Vitória repetiu a ideia clássica, errada, da protecção ao jovem futebolista: Nélson Semedo «é um protótipo de jogador», disse depois do jogo com o Estoril; é preciso dar-lhe tempo para crescer e estar pronto para ser titular do Benfica, lidar com as pressões, ganhar maturidade, essas generalidades. A verdade é que se Nélson Semedo não tivesse provado valor nos jogos com Sporting e Estoril, ou se baixar de rendimento nos próximos, acabaria, ou acabará, emprestado a um Corunha qualquer. É a vida. A redoma dos chavões como 'não se pode exigir muito ao menino', 'o menino vai pensar que é o Messi', 'o menino vai desgraçar-se na vadiagem', é um erro como outro qualquer.

Quando um jogador de 21 anos, como Nélson Semedo, chega a titular do Benfica é porque está pronto. Não é protótipo do que quer que seja. É titular do Benfica. Os treinadores não devem fazer crer que os jogadores só serão algo depois de trabalhados durante anos pelas suas artes e saberes. Estamos a falar de homens, não de plantações de árvores. Um jogador com 21 anos que chega a titular do Benfica já joga futebol há 8, 9, 10 ou 15 anos, sabe o que se espera dele, os riscos e injustiças da profissão. Não é um vendedor de farturas que de repente se vê a jogar na Luz, é alguém que ascendeu lentamente ao posto. O discurso não deve ser futurista no sentido de 'daqui a uns anitos é que vai estar bom'. É claro que, com o tempo, melhorará em aspectos como a gestão do cansaço, da pressão, da colocação em campo; e piorará na velocidade, na força, perderá a energia de quem está a começar e acha que pode levar tudo à frente. O discurso, repito, deve ser mais simples, deve ser de actualidade e não de potencialidade: não interessa o futuro, interessa o que é agora. Rui Vitória - a quem se reserva a astúcia de ter apostado no jogador - deveria ter dito: «Nélson Semedo está a jogar bem e vai continuar na equipa enquanto jogar assim.»"

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola