"O dito jogo decisivo, por vezes não o é. É um hábito nosso, esta tendência para o estado de emergência do sim ou não. Em todo o caso, o jogo desta quarta-feira, com o Bayer Leverkusen, pode marcar uma diferente perspetiva para o Benfica nesta edição da fase de liga da UEFA Champions League. Uma entrada inesperada em falso, com o Qarabag, seguida de duas deslocações complicadas dificultaram as contas. Agora, enquadrar dois resultados consecutivos será o objetivo da equipa, considerando que o jogo seguinte, embora fora, é com um Ajax em dificuldades.
Inspiração coletiva precisa-se, bem como a força fundamental dos adeptos, já requisitada por Mourinho. Recuperar o orgulho na mais famosa competição europeia de clubes é a meta. A possibilidade de ultrapassar pontualmente este adversário é só mais uma motivação em jogo. «Encher o estádio, mas entrar em campo», foi a mensagem de Mourinho destinada aos adeptos. «Com alma e sem receio», a receita dirigida à equipa.
Conquista do castelo
A última vitória do Benfica em Guimarães era vista como fundamental, mesmo que em território agreste e difícil de vergar. A primeira parte foi uma amostra do espírito que o ambiente de Guimarães tradicionalmente transmite à sua equipa. Para além da atmosfera criada, a intensidade, agressividade e organização são sempre fatores que podem vencer jogos, mesmo que o adversário, como era o caso, seja teoricamente mais forte. O Benfica, que pareceu atordoado, mesmo avisado do tradicional espírito guerreiro local, viu o final do primeiro tempo chegar como se fosse um pedido seu.
Ao intervalo, as equipas que querem melhorar o seu jogo, não o conseguem só pela intervenção milagrosa dos treinadores. A paragem de jogo, só por si, para além do necessário repouso, já faz refletir os jogadores e, como foi o caso, quando as coisas não resultam, fica claro que algo de diferente tem de ser feito. Foi exatamente a expressiva palavra «forçar» que Mourinho reconheceu ter utilizado ao intervalo para mobilizar coletivamente a equipa. Não é o grito nem a quantidade de palavras que se dizem, mas o significado e a força que cada uma delas pode ter no espírito dos jogadores.
É verdade que Schjelderup e Barreiro entraram bem e que Sudakov e Prestianni não foram brilhantes, mas não foi só isso que inverteu o que acontecera no período inicial. O ter que ganhar, muitas vezes funciona como um travão, um estado ansioso que significa mais um obstáculo a transpor, para além da forte oposição vimaranense.
Cumprida a pausa regulamentar, e porque a necessidade aguça o engenho, o Benfica fez a verdadeira diferença logo no reinício do jogo. A um canto bem marcado por Lukebakio correspondeu Tomás Araújo, com um desvio em zona morta, entre a defesa e o guarda-redes vitoriano. Com as indefinições de uns, ganha a determinação de outros e com o ombro também vale... A variação é muitas vezes a chave nas bolas paradas, pela surpresa que podem representar. Otamendi e Enzo Barrenechea têm sido, normalmente, os mais solicitados. Nada como introduzir uma novidade para surpreender quem defende. O segundo golo não demoraria e com ele a antecipada resolução do jogo, ante um Vitória já diminuído. O último toque certeiro seria dado pelo jovem João Rego, em atenta recarga. Nada melhor para rematar uma noite feliz.
Ritual
Em relação ao tempo de intervalo, cada equipa técnica tem o seu ritual, no qual naturalmente acredita. Há quem deixe um espaço inicial curto, para os jogadores descansarem e falarem em privado, ainda sem treinadores. Algumas equipas técnicas procuram, nesse período, reunir ideias e concluir qual o melhor discurso a utilizar para depois se conseguir o efeito pretendido. Penso ser um bom processo, mais cerebral e metódico. Mais do que qualquer alteração, até o silêncio pode ser diferenciador.
O Benfica tem em Mourinho alguém que provoca as reações que procura, algo que foi conseguindo ao longo da carreira, em muitos e diferentes contextos. Gritaria pode, por vezes, resultar, mas é um processo mais reativo, emotivo e de efeito duvidoso. Neste caso, em que medida é que as substituições resultaram por si só ou coincidiram com um novo estado geral da equipa que forçou, conforme a mensagem de Mourinho?
Todo o terreno
Leandro Barreiro, lançado na segunda parte, foi um dos destaques do triunfo do Benfica em Guimarães. É uma espécie de António Veloso, meu antigo parceiro de equipa. O tipo de jogadores que, sem serem extraordinários, estão sempre prontos para cumprir o que lhes é pedido com o máximo rigor. Exemplos da disponibilidade tática, do caráter e de processos simples, mas eficazes. Não se espere arte, porque não virá, mas sim fiabilidade máxima e entrega absoluta.
Voltando ao passado, António Veloso foi lateral dos dois lados, médio defensivo e até central, se não me falha nada. Recupero a longínqua, mas histórica vitória da nossa Seleção, frente à Holanda, ainda decorriam os anos noventa. Os atuais neerlandeses eram campeões da Europa em título e uma das mais marcantes equipas da história. Com dificuldades para o preenchimento do centro da defesa, teve que avançar, sempre pronto para tudo, o nosso Veloso, cuja principal tarefa era tentar parar a grande estrela holandesa de então, de nome Van Basten, um verdadeiro modelo da mítica posição nove. A verdade é que o artista ficou a zero e na frustração da derrota, acabou por desiludir ainda mais, agredindo o seu exímio marcador. No final, mesmo combalido, o sr. Veloso foi um dos heróis principais de uma noite memorável."

Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!