"Voltemos a falar de contexto. O que é quase o mesmo, hoje em dia, do que falar de João Félix e até de João Cancelo. Os dois portugueses deixaram em êxtase Montjuic e a Imprensa catalã, que já os apelida de ‘meninos de ouro’. Confirma-se: são especiais em toda a plenitude do termo. E perdoem-me. Estava na cara que algo como isto ia, mais cedo ou mais tarde, acontecer.
Falar de contexto faz com que recupere o livro de Monchi, ex-diretor desportivo de um histórico Sevilha, hoje no Aston Villa. O antigo guarda-redes, que se transformou na figura crucial do bicho-papão da Liga Europa, explica sabiamente na obra escrita por Daniel Pinilla que uma transferência não começa a ser trabalhada nos dias anteriores nem termina com a assinatura do contrato. Antes, é necessário traçar em conjunto com o treinador o perfil do reforço que se procura, depois encontrar possíveis candidatos, filtrá-los não só nos aspetos técnicos e físicos, mas também emocionais, de resistência à pressão envolvente e ao momento, e também do relacionamento com os restantes elementos da equipa que representam, e inclusive a sua estabilidade familiar. Confrontado com uma lista mínima de dez sugestões, o técnico escolhe o seu preferido. Posteriormente, fechado o negócio, há uma nova missão: enquadrar o mais rapidamente possível o jogador, para que a mudança não atrase a adaptação e tenha impacto quase imediato. Monchi quis sempre que este se sentisse em casa, nem que isso obrigasse o clube a tratar de assuntos fora da sua alçada, mais uma vez com especial atenção às questões familiares. Em algumas ocasiões, bastava fazê-los sentir importantes. As boas práticas resultaram em negócios fantásticos para os andaluzes, depois da sua correspondência em campo.
Pergunto-me o que terá sido feito antes da transferência de João Félix para o Atlético Madrid. Será que Diego Simeone tinha absoluta consciência do jogador que estava a ser contratado? Já se teria informado como poderia obter o melhor rendimento do português? Estaria disponível a abdicar um pouco do pragmatismo e habitual resultadismo, e montar um onze à volta do potencial enorme de talento que transportava, como era (e é) visto quase de forma consensual por toda a gente? Ou achou que era mais um que podia domar? Quis a equipa adaptar-se a Félix ou não permitiu a este nada mais do que tentar adaptar-se, reduzir-se a si mesmo, para poder jogar? Percebeu-se desde o início que o ex-Benfica falava uma linguagem diferente da dos companheiros.
Claro que nenhum futebolista é maior do que a equipa que representa. Mas esta pode ser potenciada por um só jogador se o conseguir entender e o quiser incorporar. Tivemos inúmeros exemplos no passado. A Argentina mostrou-nos isso com Messi, o Arsenal com Bergkamp e mais recentemente com Odegaard, o Bayern com Robben, e por aí fora. O problema dos 120 milhões nunca foi de Félix, terá sido sim de um clube que não tinha um treinador capaz de gerir alguém que custou 120 milhões. Não deve haver dúvidas de que a direção e o treinador têm de estar alinhados nas decisões mais importantes. Porque a proposta do Atlético Madrid, não só em termos de futebol jogado – e não confundamos, mais uma vez, jogar bem com jogar bonito –, mas também nos resultados só resulta no meio de uma intempérie a abater-se em cima do Barnabéu ou em Barcelona. É assim quase sempre.
E Inglaterra? Um Chelsea construído no Football Manager, que não sabia que futebol queria e que podia jogar, com um treinador em declínio e um sucessor a dar golpes autoinfligidos na própria carreira, não pode ser dado como sustentação para prova de vida. E os jogadores não têm todos essa mentalidade de quererem assumir-se sempre no matter what. E Félix, aí sim, tem de saber lidar melhor com a adversidade.
Já em Barcelona, tem uma equipa que gosta de jogar à bola até mais do que jogar futebol, um técnico que sabe o que quer e está habituado a lidar com egos fortes, e bancadas que exigem valsa em todas as partidas e que o podem idolatrar para sempre. Félix precisava de um palco para atuar e este pode mesmo ser o tal.
O mesmo se passa com Cancelo. Alimenta-se de se sentir importante ou até pode ser mais do que isso. Talvez necessite que lhe digam todos os dias que é o melhor lateral do mundo. E ele vai lá para dentro e reforça a ideia.
Para finalizar, nenhum jogador pode mostrar-se completo sem contexto.
Sérgio Conceição reinventado, parte II
O FC Porto ganha, porém não está bem. Ou melhor, não o sentimos sólido. Sérgio Conceição é o primeiro a reconhecê-lo, não com palavras, porém com ações, e isso é boa notícia no meio de um arranque algo a diesel. Tal como fez com o losango no início da época passada na reação à perda de Vitinha, o técnico dos dragões volta a tentar adaptar-se ao momento. Abdicou (temporariamente?) do 4-4-2 e apostou numa linha de três defesas. É a primeira vez que o faz. Mesmo em circunstâncias especiais, como encontros particularmente difíceis na Liga dos Campeões (Turim, por exemplo), Conceição preferiu sempre manter o esquema e torná-lo híbrido, fazendo de Manafá (com as suas limitações) o central da direita, e levar a equipa a virar toda sobre o seu eixo para a direita no momento sem bola. Mudar para três defesas, com três médios no miolo – com Otávio nunca precisou de fazê-lo porque o internacional português vinha naturalmente para o corredor interior – tem de ser visto como a procura de algo. Eu diria: o controlo do jogo.
A lesão grave de Marcano complicou a ideia, porém, com tanto volume por parte do Estrela da Amadora, não se pode considerar que tenha resultado. Os três pontos conquistados num jogo mau são, no entanto, almofada para que no Olival se continue a trabalhar sem o espectro de crise. Ficou o aviso. Um rival mais contundente podia ter deixado feridas mais profundas."
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