"Em 1982, assisti ao jogo de abertura do Mundial, que se disputava em Barcelona, num salão do parador de Carmona, perto de Sevilha, junto com toda a seleção do Brasil. Treinadores, jogadores e jornalistas juntos frente ao único ecrã gigante do hotel, muitos a fumar na sala, o Daniel Reis na primeira fila causando um tumulto quando acendeu o cachimbo, "chopp" à discrição, rodinha de imprensa de Telé Santana mal terminou esse Argentina-Bélgica [a cena da foto, de há 40 anos].
Nada disto é sequer imaginável por um jornalista do século XXI, o tempo dos “direitos” de televisão e das restrições à comunicação. Mas tenho a certeza de que será possível muito melhor do que tem sido oferecido pelas televisões portuguesas, porque vejo-o nas brasileiras, inglesas e espanholas que me trazem a melhor e mais atual informação, inclusive sobre a seleção de Portugal.
O afã das equipas de reportagem das nossas televisões nestes primeiros dias no Catar lembra-me a febre da troca de “pins” nos Jogos Olímpicos.
“Já tenho o pin do Nepal, o mais raro”.
“Ora, eu tenho o da Coreia do Norte, o mais difícil”.
No Catar, tem sido idêntico.
“Hoje entrevistei um gajo da Indonésia com a camisola do México”.
“Ora, eu entrevistei um tailandês casado com uma brasileira”.
“Incrível como há pessoas do mundo inteiro num Mundial”.
“Incrível como há pessoas do mundo inteiro que respondem ‘Cristiano Ronaldo’ quando perguntamos se conhecem Portugal”.
Estender o microfone nas ruas de Doha a quem passa vestido às cores afigura ser o pináculo da carreira de um jovem repórter dos nossos dias. Ir ao Mundial e fazer memoráveis diretos ouvindo o máximo possível de sotaques diferentes de inglês de aeroporto, como quem colecciona medalhas para o currículo.
Nos Jogos Olímpicos andamos atrás das celebridades e a minha relíquia é, entre outros, um pin espanhol trocado com a Rainha Sofia no restaurante da aldeia olímpica de Atenas-2004. No Catar, andam atrás de “my friends” anónimos e desdenham as centenas de figuras históricas do futebol que lá estão, como convidados, espectadores ou comentadores de televisão.
“Hoje passei por um gajo da seleção do Brasil de antigamente, que está cá com a TV Globo, não me lembro agora o nome, mas estava ocupado a ouvir os prognósticos de um grupo de paquistaneses”.
“E o Pujol, da Espanha, passou mesmo rentinho a mim, mas na altura estava a entrevistar uns bacanos do Bangladesh”.
Trinta e duas seleções concentradas em 50 quilómetros quadrados, treinos e conferências de imprensa de manhã à noite, e nem uma reportagem sobre futebol. Nas últimas 24 horas: a chegada do Brasil, a lesão do Benzema, o catari de Mem Martins, o Plata do Equador, Paulo Bento com a Coreia do Sul, Coates e Darwin com o Uruguai, os desconhecidos do Gana - enfim, tudo o que eu gostaria de ter visto nestes dias parece ter sido tarefa impossível para os enviados portugueses.
Só pode melhorar!"
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