"É naturalmente muito forte a desilusão dos adeptos pelo desaire europeu. Mas o principal desafio do Benfica é outro.
SIM, o Benfica pode falar de infelicidade. Não tinha Enzo Pérez, nem Salvio nem Markovic, e depois ainda ficou sem Sulejmani, que estava a entrar muito bem na partida, e pelo caminho já tinha perdido a extraordinária forma de Sílvio e até a surpreendente serenidade de Fejsa.
Infelicidade a mais, é impossível negar. Se não é maldição, realmente parece. Imagine-se: um parte a perna (Sílvio) depois de bater na perna do próprio companheiro, outro parte o braço (Salvio), e fica fora da final por proteger o braço partido pouco depois de entrar em campo no infernal jogo com a Juventus.
Para explicar o inexplicável, arranjaram os espanhóis a expressão... yo no creio en las brujas pero que las hay, las hay... e respondem agora os benfiquistas com... a maldição de Guttmann.
Confesso que sobre a alegada maldição do senhor que levou o Benfica a vencer duas Taças dos Campeões Europeus já muito ouvi falar e pouca verdade conheço.
Dizem uns que Guttmann agoirou os encarnados ao ponto de os avisar que nos muito anos seguintes não voltariam a ganhar na Europa; dizem outros que não foi isso que o senhor disse, o que ele teria dito é que nos trinta anos seguintes não voltariam os encarnados a ser campeões europeus ou bicampeões. Enfim...
Se Guttmann amaldiçoou ou não o Benfica, ninguém saberá verdadeiramente o saberá, o que se sabe é que o Benfica chegou a esta final sem paz de espírito... e talvez mesmo amaldiçoado, acreditando no que escreveram a grande maioria dos jornais estrangeiros, lembrando, todos eles, a tal maldição de Guttmann.
E afinal, em que é que ficamos?
Estou dividido entre as brujas espanholas e o agoiro de Béla Guttmann.
Mas dividido ou não, relembro que numa fase de tantas decisões o Benfica foi surpreendido ao perder jogadores como Enzo, Salvio, Markovic, mais Sìlvio e Fejsa, e, em Turim, ainda antes do minutos 20 da final, viu-se ainda privado de Sulejmani, entretanto já reciclado como terceira opção para ala-direito.
Em cima disso ainda encontrou pela frente um árbitro (ou uma equipa de arbitragem) capaz de não ver coisas evidentes como os próprios espanhóis ainda ontem reconheceram nalguns programas televisivos de debate.
Não é normal.
Como tewwtou (acto de escrever no tweeter) o inglês Gary Liniker um velho monstro do futebol britânico, «três árbitros e nenhum foi capaz de ver o que Beto fez na grande penalidade de Cardozo?!», dá realmente uma ideia do que também se passou no relvado relativamente ao trabalho dos juízes.
Junte-se a tudo isso o que também me pareceu evidente no relvado do estádio da Juventus:
- permanente falta de serenidade na equipa do Benfica, bem ao contrário da equipa serena que habituou os adeptos na maior parte da época;
- sofreguidão na definição de alguns lances como se a equipa estivesse, mentalmente, com receio de perder um jogo a que se sentiria obrigada a ganhar;
- jogadores decisivos em insuficiente rendimento e gritante ineficácia como Gaitán, Lima e Rodrigo;
- André Gomes e Rúben Amorim nem sempre capazes de dar resposta ao que o jogo lhes pedia;
- Cardozo a marcar uma grande penalidade como não costuma marcar... e Rodrigo a marcar como se já estivesse a temer falhá-la...
-... e, por último, até Jorge Jesus, desta vez, a dar a ideia de bloquear quando mais a equipa pareceu precisar dele.
Perdidas duas finais europeias consecutivas... diriam então os espanhóis... yo no creo en las brujas pero que las hay, las hay... e agarram-se muitos benfiquistas à maldição de Guttmann.
Podem estar os adeptos divididos mas não pode o Benfica e os seus responsáveis deixarem dividir-se entre bruxarias.
Claro que era importantíssimo para o clube ter voltado, esta quarta-feira, às vitórias europeias, mas importantíssimo (talvez mesmo o mais importante para o futuro imediato do clube) será preparar a próxima época de modo a conseguir mostrar - como conseguiu o FC Porto há duas décadas - capacidade para inverter o paradigma com que ainda hoje os encarnados se vão desafiando.
Aceitando e aprendendo, então, o Benfica a perder às vezes, esperarão os adeptos que deixe, porém, de ganhar apenas de vez em quando.
Maior do que o desafio europeu é esse o grande desafio do Benfica.
PS: Já o tinha escrito e, obviamente, mantenho - aconteça, ainda, o que acontecer, o Benfica fez fantástica temporada, compreendendo o clube (porque tem de compreender) a forte desilusão dos adeptos pelo desaire de Turim, a que se juntará nova forte desilusão se a equipa voltar a deixar escapar, este domingo, a Taça de Portugal.
O futebol é isto mesmo!"
João Bonzinho, in A Bola
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