"A prolongada seca de títulos que se iniciou em meados da década de 90 e teve um triste fim com o triste campeonato de Trapattoni revestiu a alma benfiquista de uma fina camada de ceticismo que quebra ao primeiro maravilhamento, seja com um jogador, um treinador ou uma equipa. Nos piores momentos, basta até um golo, uma jogada, um drible. Irrompe, então, algo que oscila entre a megalomania exacerbada pelos anos de abstinência, uma arrogância epidérmica que irrita e motiva os rivais e um sentimento de superioridade que o é menos do que a lembrança de um direito adquirido que entretanto se perdeu, um privilégio.
E que privilégio é esse? Não o privilégio conspurcado dos favores e das manigâncias, o privilégio puro de ver o Benfica jogar como jogava quando foi campeão europeu, quando dominou o futebol português na década de 70, quando foi comandado por aquele sueco franzino que revolucionou a modalidade e a mentalidade, um Benfica de que os mais novos só tiveram lampejos quando Jorge Jesus trouxe para a Luz o rolo compressor.
É por todas estas razões, por esta história sempre rica mas por vezes amarga, que ao ver esta equipa de Roger Schmidt o benfiquista alterna entre estados de espírito contraditórios: a dúvida – será que vai durar? -, o alívio – até que enfim! -, e a felicidade simples, inconsciente e inebriante que só o futebol de ataque gera. Um futebol de ataque destemido mas não temerário, que é forte com os fracos e com os fortes, que não se encolhe perante nenhum adversário, que não renuncia a ser o que é porque é aí que mora a beleza que os adeptos amam e pela qual anseiam.
Sempre que o Benfica joga com o Porto, como aconteceu na semana passada, discute-se o velho tema da motivação que os jogadores do Porto transportam para o relvado e cujo segredo parece inacessível aos jogadores do Benfica. E está na hora de reconhecer o óbvio: o motor do Benfica não funciona com o mesmo combustível do motor do Porto. Não vale a pena. É querer pôr gasolina num motor a gasóleo. Não dá. Quando os benfiquistas se queixam de o Benfica não entrar no Dragão cheio de fúria estão a queixar-se de si mesmos, do clube a que pertencem.
O Benfica não é um clube de ganhar na raça, na luta, no combate. Há, e continuará a haver, vitórias agónicas, arrancadas das profundezas da alma e da entrega, do sacrifício, mas esse não é o Benfica com que a maioria dos adeptos se identifica e quer ver. O Benfica que querem ver não é uma equipa de passar à “rasquinha” contra os grandes colossos, é aquela equipa que durante 75 minutos reduziu a Juventus à insignificância, uma equipa sedutora, irresistível, bela e alegre. Podem dizer que nem sempre é possível jogar assim, que é uma quimera ou um ideal, mas quem ama futebol é esse ideal que ama, essa utopia, e não os limites comezinhos do possível.
Ganhar campeonatos aos trambolhões só satisfaz estatisticamente, mas não mata a fome de glória, de vencer com arte e nobreza. No ano passado o Benfica chegou aos quartos-de-final da Champions mas o que ficou dessa campanha? Nos momentos decisivos, a imagem de um Benfica solidário, coeso, mas também cínico e acobardado, com estratégias de equipa pobre de espírito. E o benfiquista prefere que lhe digam que tem a mania que é rico do que ver a equipa couraçada numa impenetrável pequenez.
Durante estes anos, mesmo com sucessos pelo meio, jogos inesquecíveis, raramente se viu um Benfica assim na Europa, corajoso, convicto de que os maiores feitos europeus do clube não foram alcançados na garra e “na marra”, a morder a língua ou de faca nos dentes, mas com a certeza íntima, talvez lírica, de que o belo é bom e eficaz, que a história não se escreve à socapa e que entrar aí pela porta da cavalariça é o mesmo que ficar à porta, que a beleza tem uma durabilidade própria e distinta da durabilidade de “troféus e objetivos”, que uma vitória bela é uma vitória bela e deve ser festejada sem complexos e sem cálculos tacanhos de merceeiro.
Enquanto se foi afirmando a ideia de que o Porto é o único clube português com estofo europeu, do Benfica disse-se que não tem andamento para estas corridas e essa narrativa entranhou-se no clube e em muitos adeptos não porque sejam anti-benfiquistas ou pseudo-benfiquistas mas porque sofrem da síndrome do convalescente, aquele receio irracional e permanente de uma recaída que força a que se deem passinhos pequenos e envergonhados até já não se saber andar de outra maneira. Outra razão para esses passinhos medrosos é o receio de que se jogarem com coragem e determinação os adversários lhes atirem a pedra da mania das grandezas.
E assim, salvo raríssimas exceções, se perdeu o brio benfiquista das grandes noites europeias. Sempre traumatizado pela tragédia de Vigo e outras tragédias menores, o Benfica deixou-se contaminar por uma pequenez que contraria e desonra a história do clube. Mas é possível libertar-se dessa pequenez. Não é preciso ir ao passado longínquo. A prova está aí, à frente de todos. Vinte e um jogos depois, a partir de agora ninguém pode dizer que não viu."
Não me identifico nada com este tipo de discurso fanfarrão e parolo. Não representa os Benfiquistas. O Benfica tem de ganhar sempre e em qualquer campo, jogando bem ou menos bem.
ResponderEliminarNené