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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Às cavalitas do meu pai para ver o Chalana


"É fácil memorizar a data: 23 de junho de 1984. Noite de São João, eu às cavalitas do meu pai, os dois no Jardim de Basílio Teles, mesmo em frente à Câmara Municipal de Matosinhos. Lá ao longe, tapada por dezenas de cabeças gigantones, uma pequena televisão a cores. Tenho quase a certeza que sim, a cores.
Na inocência dos seis anos, os azuis eram os maus de França, os vermelhos eram os bons de Portugal. Conheci-te aí, meu caro Fernando Chalana, dentro daquele minúsculo aparelho que nos trazia imagens de uma Marselha que me parecia de outra galáxia.
Vi-te fintar, enganar os maus sem teres de tocar a bola, simular que ias para o teu pé esquerdo e acabavas tudo no pé direito. Sim, enganaste tudo e todos. Chamavam-te esquerdino, quando tu eras, afinal, aquilo que te apetecia ser. Esquerdino, dextro, o Pequeno Genial.
A imagem - a cores, tenho a certeza - não me sai da cabeça. Os pequenos calções verdes escondidos pela camisola vermelha que te parecia XXL, o bigode que te cobria a boca e fazia pandã com a fartíssima cabeleira, uma personagem certamente desenhada a partir dos livros de Uderzo e Goscinny. Mas real, profundamente real e popular.
Pegaste em Portugal ao colo, foste o melhor no pós-Eusébio e no pré-Futre, foste um gigante, Chalanix!
Ajudaste o Benfica a acabar o Terceiro Anel com a tua venda ao Bordéus, e no Bordéus começaste os dias de sofrimento. E sofremos todos contigo, com o teu inevitável declínio. A praga das lesões não te deixou voltar a ser feliz, nem com a seleção, nem no Benfica, nem no Belenenses, muito menos no Estrela da Amadora.
Reencontrei-te em 2008. Vestiste a farda de bombeiro e tentaste ajudar o teu Benfica, num final de época penoso. Estava a metros de ti, quando deste a cara por uma eliminação na casa do modesto Getafe, para a Liga Europa. Como é que um gigante explica uma derrota assim?
Vamos ter saudades do teu olhar Bom, das tuas palavras serenas. Não sei para onde partiste, mas só pode ser um sítio maravilhoso, colorido, como a imagem daquela pequena televisão que um dia me mostrou quem era o Chalana. Às cavalitas do meu pai."

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