"Ganhou bem a Itália, feita de inteligência tática e competência em todos os momentos do jogo, ofensivos, defensivos, até na bola parada que lhe valeu uns quantos golos. Roberto Mancini, outrora um defensivista na linha tradicional transalpina, agarrou-se a uma ideia positiva e soube ser convicto, por exemplo quando insistiu em Verrati após o bom arranque de Locatelli, lúcido, ao perceber que tinha de aproveitar o momento de Chiesa, sagaz também, ao alterar dinâmicas quando privado dos laterais titulares, primeiro Florenzi e depois o muito influente Spinazzola. E o mundo rendeu-se a Bonucci, finalmente!, um dos melhores centrais da história, mesmo se é mais fácil valorizar os cortes de carrinho e cada esgar guerreiro de Chiellini. Também foi na alma que esta Itália ganhou, sobretudo quando precisou de sofrer diante da Espanha, e aí os velhos centrais, os Dupond e Dupont mais diferentes de que me lembro, se agarraram a memórias de outras batalhas. Determinante mesmo foi, todavia, a qualidade de jogo. Desta vez foi pelo que jogou, muito mais do que pelo que não deixou jogar, que a Itália triunfou e há nisso uma indiscutível beleza, poética e histórica.
Só diante da Espanha é que a nova campeã vacilou, quando do outro lado esteve outra identidade forte, também servida por talentos novos e não construída sobre ideias gastas. A nova e bela Itália renegou a herança arcaica do catenaccio do mesmo modo que as melhores seleções do país vizinho - esta que nasce incluída, com Pedri e Dani Olmo a trilharem o caminho de Iniesta e Xavi - colocaram a “fúria espanhola” no baú das inutilidades do final de século. Um exemplo flagrante está nos meios-campo e na posição charneira, a do 6, na qual facilmente se percebe ao que vem cada equipa. A Itália trouxe Jorginho, mais que um médio invisível, quase um médio infalível, que sabe sempre onde encontrar a bola, seja para a intercetar com eficácia ou entregar com esmero. A Espanha construiu-se em redor de Busquets, que antecipa as soluções de corte e passe como alguém que parece já ter vivido tudo aquilo, como se cada jogo fosse para ele um déja vu. Jorginho vai ao encontro da jogada, Busquets antecipa-lhe o destino. Mas são dois grandes, dos maiores que o Euro viu, e nenhum é o monstro físico, o destruidor de lances rápidos ou modelo para fotos de ginásio em tronco nu, que tantos insistem como ideal da posição. Só que não, como agora se diz.
Ganharam as equipas, as que foram coletivos de facto, guiados por uma ideia, organizados sem bola mas sempre com intenção de a reivindicar e utilizar bem, além da Itália e da Espanha, também a Dinamarca, a Suíça, a Áustria, mais algumas intenções elogiáveis na Ucrânia e na República Checa. Além das desilusões óbvias, França, Portugal, também a Bélgica, mesmo a finalista Inglaterra foi, em certo sentido, um desencanto. Não desvalorizo o percurso, mesmo se construído em 5 jogos caseiros e só com um adversário de topo até à final, a Alemanha, mas não me verão louvar o processo. Gareth Southgate, o selecionador inglês, foi banal, apenas mais um a desvalorizar o talento e a acreditar na receita simples para torneios curtos: mais gente pensada para defender que para atacar - 4 ou 5 defesas, em função do adversário, e sempre 2 médios robustos que equilibram (embora também joguem, sobretudo Phillips) – e a espera paciente por um erro rival, que, no caso, seria aproveitado numa correria de Sterling, numa bola parada com Maguire ou numa inspiração de Kane. Podia ter funcionado, naturalmente, com mais felicidade nos penaltis da final estaria até a celebrar um êxito inédito, que no futebol há várias maneiras de ganhar. O que também há é diferentes maneiras de perder e a discussão certa tem de começar pelo reconhecimento que o caminho escolhido para se chegar à vitória há-de ser sempre o mesmo do convívio com a derrota, excepto num caso, que é o do vencedor final. Trata-se, como bem escreveu Valdano, de sair a ganhar ser melhor que sair a não perder. Por acreditar no talento, a Espanha ganhou perdendo, ganhou pelo menos uma equipa para o futuro. A Inglaterra sai como entrou, apenas com a certeza de ter um grupo raro de jogadores talentosos - Grealish, Foden, Sancho, Rashford – que desta vez desperdiçou. Podia ter perdido de igual modo com eles? Obviamente, mas nunca saberemos o que teria conseguido com eles mais vezes em campo. Não podem jogar tantos criativos em simultâneo? Talvez não, mas também nunca saberemos se os não virmos juntos, no mínimo alguns deles e ao menos por uma vez. Sem eles já sabemos que não ganhou, mesmo tendo reunidas condições raras para o conseguir. E sem que tenha havido vitória, desta equipa não haverá também memória. E sem uma coisa nem outra, para que serve o futebol?
PS: Ao mesmo tempo e quase que sem dessem por isso os europeus, agarrados ao seu próprio torneio, jogou-se a Copa América, que teve um Argentina-Brasil na final, que foi a de Messi, finalmente ganhador da prova, melhor jogador e marcador, e que nos deixa a imagem daquele abraço, raro e sincero de Messi e Neymar, génios que se conhecem e reconhecem. Aquilo sim, é o melhor do jogo. E protagonizado pelos melhores que ele tem."
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