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quinta-feira, 2 de maio de 2019

O cerco a João Félix

"Quem marcou até agora mais 27 golos do que o segundo, mais 29 do que o terceiro e 39 do que o quarto, santa paciência, merece ser campeão

Nada de verdadeiramente significativamente se registou na jornada do último fim de semana, à excepção de a corrida a dois pelo título ter deixado de ser ombro. Foi devolvida ao Benfica uma almofada de conforto, equivalente a um empate, almofada essa que a águia deixara fugir no jogo com o Belenenses, na Luz. O resto são vulgaridades, como a opinião de Sérgio Conceição, a qual, na ausência de argumentos para explicar o tropeção em Vila do Conde, principalmente a forma como aconteceu, transferiu a cultura para o inexplicável, sem se dar conta que essas coisas, afinal, não são assim tão raras em futebol, uma modalidade desportiva incomparável pelo fascínio que a envolve.
O futebol nada esconde de sobrenatural, sublinhe-se, como às vezes os treinadores querem fazer crer, principalmente os mais antigos. Quanto muito, serão situações imprevisíveis, o que é completamente diferente, na medida em que é absurdo um treinador sentir-se dono e senhor daquilo que os jogadores lhe podem dar em cada jogo. Porque não são peças de xadrez, são pessoas com ideias próprias e que no universo da equipa formam uma diversidade de personalidades extremamente complexa, de aí que, como nos ensina o professor Manuel Sérgio, antes de se pensar nos modelos tácticos e nas estratégias é preciso compreender o lado humano, cada um dos praticantes e todos enquanto colectivo envolvido num projecto comum.
Em concreto, a luta pelo título continua empolgante, sabendo-se que em caso de igualdade pontual é campeão o Benfica por força do regulamento, que define o vencedor através dos resultados nos jogos entre ambos: duas vitórias de águia contra duas derrotas do dragão.
Nos casos inexplicáveis de que fala Conceição o Benfica também leva vantagem porque já passou por dois (sendo certo que em nenhuma deles, nem de perto nem de longe, os adeptos benfiquistas reagiram com o destempero que se viu em Vila do Conde, com o protagonista do costume):
Derrota em Portimão (0-2) com dois autogolos, um de Rúben Dias, outro de Jardel.
Empate na Luz, diante do Belenenses (2-2) tal como o Porto com o Rio Ave: vencia por dois-zero mas, por magia, a baliza de Vlachodimos mexeu-se e Rúben Dias, confundido as cores das camisolas, fez um passe de morte para golo do opositor.

O Benfica pratica um futebol mais atrevido, versátil e vistoso, em contraposição ao estilo mais musculado, disciplinado e seguro do FC Porto. Dois conceitos interessantes, ambos com os seus seguidores, e que, perante públicos de visão mais esclarecida sobre o fenómeno, teriam sugerido outra abordagem ao longo da época, com conversas e debates vivos, ponderados e eloquentes. Para mal do nosso pecados, porém, por cá, os jogos não se discutem, apenas se gritam os erros do árbitros.
Seja qual for o ordenamento final da classificação, por esta altura julgo não haver dúvidas sobre o merecimento do Benfica na conquista do título. Basta-lhe apresentar a competência necessária no calendário que falta preencher.
Quem marcou até agora mais 27 golos do que o segundo, mais de 20 do que o terceiro e 39 do que o quarto, santa paciência, se há sinal diferenciador este é o mais relevante de todos e o que melhor traduz a essência do futebol: o golo. Ou seja, o Benfica merece mesmo ser campeão. Se conseguirá sê-lo ou não faz parte de outra conversa, por causa dos imprevistos... explicáveis. Como, por exemplo, o cerco que se está a montar para expulsar João Félix. É uma doideira. Basta ler ou ouvir, especialistas na arbitragem, treinadores retirados, antigos praticantes e similares.
Félix ainda não sabe defender-se dos pisões que o massacram. Reage com a impetuosidade de um jovem de 19 anos e desprotege-se. É por esta e por outras que os virtuosos não cabem na Liga portuguesa.
Bruno Lage que se acautele, sob risco de ficar impedido de o utilizar nas duas últimas jornadas e meia...
(...)"

Fernando Guerra, in A Bola

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