"Luís Filipe Vieira tomou uma das mais importantes decisões ao escolher um treinador verdadeiramente sintonizado com o projecto da formação
O jogo de anteontem, em Moreira de Cónegos pareceu-me, desde o começo deste ombro pelo título, o que mais perigos escondia ao Benfica. O Moreirense tem a equipa da classe média mais bem trabalhada e a que melhor futebol pratica, como já demonstrara no empate com o FC Porto, na jornada 21, e anteontem sublinhou, apesar de goleada, diante de um oponente obrigado a lutar, a sofrer, a suar e a exibir-se em grande nível.
Porquê? Porque a vantagem de dois pontos que a águia tinha em relação ao dragão esbanjou-a uma semana antes, na Luz, frente ao Belenenses, igualmente a rubricar carreira apreciável no campeonato, mas sem a amplidão futebolística do Moreirense, como imagem caracterizadora da linha de pensamento de Ivo Vieira, um dos treinadores mais interessantes desta nova geração que emerge e muito promete.
Ninguém no seu perfeito juízo arrisca o nome do próximo campeão. Estamos na fase dos palpites e dos desejos, que são livres e imensos, mas não mais do que isso, nesta frenética corrida a dois, o julgo que somente a dois, por já não haver espaço para acolher outros candidatos.
De um lado, o FC Porto mais adulto, consistente e estruturado, com a assinatura, em segundo ano, de Sérgio Conceição; do outro, o Benfica, rejuvenescido, ousado e diferenciador, provavelmente mais exposto pelo facto de o novo comando técnico do seu futebol ter apenas dois meses de vida. Curtíssimo prazo que para qualquer outro no seu lugar seria motivo para se desculpar, e ser desculpado, a cada falsa partida.
Bruno Lage não se pôde dar a esses luxos. Teve de começar a ganhar, não deixando a ganhar, não deixando de ser curioso o pormenor de sobre ele desabar um grau de exigência não direi nunca visto, mas inquestionavelmente estranho pela invulgaridade. Não lhe foi concedido período de adaptação. Foi chegar, arrumar a casa e derrubar todos os obstáculos desportivos que se lhe depararam, sob risco de o considerarem impreparado para ocupar tão apetecido lugar.
Lage aceitou o desafio com serenidade: sabe ao que vai e o que tem para dar. Por isso, concentrou-se no essencial, fazendo de conta não perceber o sentido de insinuações ou questões dúbias a que os seus ouvidos se vão habituando. Reage com um sorriso sincero e simpático que atrapalha quem se esforça para lhe ferir a confiança e não se dá conta que a sua principal arma de defesa reside na autenticidade.
Lage é mesmo assim, sincero, genuíno e simples, garante quem acompanhou o seu crescimento e o conhece bem. Tal como o vemos, além de estudioso, sabedor, preparado e com a competência que se reclama para vingar na complexa área do treino, sobretudo ao mais alto nível competitivo.
A resposta está a dá-la através da qualidade do seu trabalho, irrepreensível. Admirável como conseguiu fazer tanto desde o dia 6 de Janeiro, data do seu primeiro jogo como treinador principal, na altura ainda visto como interino pela opinião pública. Repare-se: 11 jogos na Liga, com dez vitórias e um empate, duas vitórias na Taça de Portugal, derrota na fase final da Taça da Liga e quatro jogos na Liga Europa, com duas vitórias, um empate e uma derrota.
No total, 18 jogos, com 14 vitórias, dois empates e duas derrotas, 50 golos marcados e 14 sofridos. Uma eficácia de quase 80 por cento, se as contas não me atraiçoam.
Se os resultados são factor de relevo na avaliação de méritos de um treinador, então o registo de Bruno Lage é a prova inequívoca de que foi a escolha acertada de Luís Filipe Vieira, por ser este o caminho que o presidente encarnado quer seguir. Sempre quis, aliás, embora, por razões diversas que fazem parte da história, apenas o tivesse conseguido em situações esparsas, de fraco significado.
Vieira, sacudiu os fantasmas do passado. Com argúcia e sensatez tomou uma das mais importantes decisões no seu ministério ao escolher um treinador verdadeiramente sintonizado com o projecto da formação, nascido no Seixal, na fantástica infraestrutura ali construída, e em remodelação do que melhor existe na Europa e que, através de restritas visitas guiadas, deveria ser dada a conhecer à família benfiquista.
A magnificência do empreendimento, aliada ao assombro do seu funcionamento, merece ser vista e apreciada, como referência de um mundo novo no futebol. Onde Lage cresceu e aprendeu a ser treinador. Completou-se o ciclo. Vieira está em condições de proclamar a autossufiência do Benfica."
Fernando Guerra, in A Bola
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