"Sofreu «frango da vida» na final da Taça dos Campeões, a culpa foi da hérnia; Antes, outras complicações teve...
1. Ao ouvir contar que no Sporting de Lourenço Marques estavam a dar copos de Ovomaltine aos jogadores de futebol no final dos treinos - foi lá a teste. Logo assinou ficha - e tal foi o furor que causou como avançado-centro que ele próprio contou: «Diziam que eu era como o Soeiro do Sporting, capaz de levar tudo à frente, graças ao poder físico e não só...»
2. O pai trabalhava nos Caminhos de Ferro, não lhe tardou o desejo: mudar-se para o clube da sua empresa, o Ferroviário. Como não lhe deram o passe, decidiu que no Sporting de Lourenço Marques não ficava mais - e foi para o basquetebol do Ferroviário.
3. Severiano Correia, que fora para Lourenço Marques treinar a equipa de futebol do Ferroviário - vendo-lhe, no basquete, grande as mãos e elástico o corpo todo, desafiou-o a um treino como guarda-redes. Não falhou: logo confirmou que o seu futuro tinha a forma de uma baliza.
4. Para o Benfica veio no Verão de 1954. Nesse primeiro ano foi campeão nacional no futebol e no basquetebol. Havia, porém, quem quisesse o Bastos por achar perigoso ter guarda-redes que defendia como se estivesse a jogar basquete e havia quem pensasse o invés. Mal Guttmann chegou à Luz, baliza passou a ser toda dele, que a tornava aos adversários cada vez mais pequenina, elegante nos movimentos, sempre surpreendente na destreza.
5. Na final da Taça dos Campeões que o Benfica ganhou ao Barça e ao Real o titular foi ele - em Amesterdão, passou pela honra de Di Stéfano lhe querer entregar galhardete como «prova de admiração». A camisola que usou nessa tarde, a que usara também em Berna, ofereceu-a a Domingos Claudino. Titular indiscutível continuou em Fernando Riera - e antes da terceira final consecutiva, Claudino, que levara a camisola das duas vitórias pediu-lhe, supersticioso, que voltasse a jogar com ela. Jogou mas, dessa feita, o Benfica perdeu: quem saiu campeão europeu de Wembley foi o AC Milan graças a dois golos de Altafini...
6. Antes de disputar a quarta final de Taça dos Campeões começou a sentir o corpo a querer traí-lo. Pelo caminho, teve de dar saltinho à PIDE e revelou-o: «Sempre disse que o pensava sobre as colónias e os fascistas. A primeira vez que entrei na António Maria Cardoso foi devido a conversa dessas. Cheguei a ver caso mal parado. No entanto, eles tinham uma forma de actuar para as pessoas que gostavam e outra para as que não gostavam. Paternalmente, aconselhou-me a nunca mais me meter em política - e já era tanta a cortesia que só faltou revelar-me o nome do bufo...»
7. Diferente, porém, foi essa segunda vez: «A PIDE chamou-me para dizer que quando, no Leste, nos pediram autógrafos, foram usados em artigos e propaganda com mentiras sobre a política portuguesa - e que por isso estávamos proibidos de voltar a dar autógrafos em países comunistas. Continuei a dar. Eu e mais malta. Até que apanhei o valente susto...»
8. Sim, o «valente susto» fora meses antes da final com o Inter, em São Sito: «Em Praga e encontrei-me com o Marcelino dos Santos, já destacado membro da Frelimo. Éramos amigos desde a escola em Lourenço Marques, estava exilado lá. Falei com ele e com o tenente Veloso, pediram-me para trazer mensagem para Lisboa. Trouxe, nunca soube o que era. O que sei é que me avisaram que era a última vez que me avisavam» (O tenente Veloso era Jacinto Veloso, desertara levando para a Tanzânia um bombardeiro T6 que entregou à Frelimo - e isso foi uma das maiores humilhações das Forças Armadas na Guerra Colonial).
9. Trágica, para ele, foi esse jogo com o Inter. O Benfica perdeu por 1-0, golo foi de Jair - que o recordou assim: «O gramado estava molhado, ganhei na corrida, ao chutar escorreguei, não peguei bem na bola. Quando o goleiro foi para encaixá-la, passou por baixo das pernas dele e assim o meu chuto ruim acabou sendo um gol da minha vida». Pouco depois, incapaz de suportar mais as dores causadas por hérnia discal - teve de abandonar o campo. Para a baliza foi o Germano - e ele regressou a Lisboa em cadeira de rodas. Quase sempre em dor ainda fez parte do campeonato de 1965/1966. Na época seguinte não conseguiu mais do que seis jogos - e abandonou o futebol (e eterno morreu em 1990, ao acabar de fazer 60 anos...)."
António Simões, in A Bola
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