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terça-feira, 19 de março de 2019

“No primeiro dia no Porto, chego ao balneário e o Paulinho Santos: 'Quero ver se agora também dás porrada aqui'. Borrei-me logo todo”

"Passou pelo Marítimo, de onde saiu alegando que tinha medo de aterrar no aeroporto da ilha, foi campeão e ganhou uma Taça UEFA no FCP de Mourinho, jogou no Benfica, Boavista e no U. Leiria, clube que o recebeu três vezes. Aventurou-se pelo futebol espanhol, mas foi no clube onde tudo começou, o Trofense, que pendurou as botas de profissional, há três anos - tinha 40 de idade. Ainda à procura de certezas sobre o novo rumo profissional, ligado ao agenciamento de jogadores, mantém-se como vogal do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol

Nasceu na Trofa. Fale-nos um pouco da sua família e infância.
O meu pai, soube mais tarde, tinha herdado uma empresa de malas do meu falecido avô, mas as coisas não correram da melhor forma, fechou, e depois foi trabalhar para uma empresa de estores de madeira. A minha mãe na altura trabalhava numa empresa que se chama Preh, uma boa empresa na Trofa, de montagem de peças para automóveis. Trabalhou à volta de 30 anos para essa empresa.

Tem irmãos?
Tenho uma irmã mais nova, tem 38 anos.

Cresceu no Castelo.
Sim, numa casa alugada, mais tarde os meus pais compraram a casa na qual cresci.

Escola, gostava?
Sinceramente, nem por isso. (risos)

Era um miúdo sossegado ou traquinas?
Era sossegado. Nunca pensei fazer a carreira que fiz, mas quando era miúdo só via futebol, era obcecado pela bola. Ainda na escola primária, estava ansioso para que chegasse o intervalo para fazermos o nosso jogo, de 5 contra 5, 8 contra 8. Jogava muito na rua também. Juntávamo-nos em frente da casa dos meus pais, as balizas eram duas pedras grandes. Tínhamos um problema, quando a bola caía nos vizinhos… (risos). Era uma chatice. E quando pelo barulhos nos apercebíamos que vinha um carro, tínhamos que tirar as pedras.

Torcia por que clube?
No início era do FC Porto, mas a idade foi passando e os meus tios, a maioria é benfiquista, começaram a levar-me a ver os jogos do Benfica e fizeram-me virar de camisola na minha adolescência (risos).

Quando é que começa a jogar futebol num clube, neste caso no Trofense?
Comecei a jogar nos torneios entre as freguesias da Trofa e o meu pai que dizia que eu tinha um certo jeito para a bola, levou-me para o Trofenses, com 11 anos. Fiz lá toda a minha formação.

Nessa altura jogava em que posição?
Eu jogava a 8, mais interior, era mais um médio defensivo. Com os anos acabei por mudar para trinco onde fiz toda a minha carreira.

A adolescência foi passada então entre a escola e o Trofense.
Mais ou menos. Não tenho qualquer problema em contar, orgulho-me disso e valorizo isso. Quando estava a jogar nas camadas jovens, deixei os estudos, com 15, no 7º ano. Infelizmente não tinha muito jeito para os estudos e estava muito focado no futebol. Como estava já nos juvenis do Trofense, deixei os estudos e comecei a trabalhar. Estive um ano num hipermercado. Estava motivado, comecei a ganhar 450 euros. Com 16 anos fui para outra empresa lá perto, pertencia à Colgate. Era uma empresa de fazer sabonetes de glicerina. Mas fiz o 12º ano mais tarde, através das Novas Oportunidades.

O seu rendimento era só do emprego, ou já recebia do futebol?
Não, ainda não. Estive nessa empresa com 16, 17 anos e é nessa altura, estava eu no segundo ano de júnior, que passo para os seniores do Trofense, que estavam na 2ª B, que naquele tempo era muito competitiva, era praticamente uma II liga. Com 17 anos já estava a jogar pelos seniores, fizeram-me o convite e como estava focado no futebol e era esse caminho que queria seguir... Propuseram-me 450 euros, mais ou menos 80 contos na altura e eu aceitei.

Nessa altura teve a certeza de que iria ser jogador de futebol?
Em todos aqueles anos da minha formação sempre tive uma ideia muito clara, sempre fui obcecado pelo futebol, mas nunca com aquele desejo de “é isto que eu quero ser”. As coisas foram acontecendo naturalmente apesar de naquela idade, na juventude, não ser fácil, com as saídas à noite, os jantares, os fins de semana... Nunca fui muito de sair e com os jogos aos domingos de manhã, como acontecia no tempo da formação e depois com o futebol profissional, com 17 anos no Trofense, muito pior. 
Lembra-se da sua estreia como sénior?
Lembro-me dos primeiros dias, de entrar no balneário e ver os meus ídolos. Por sistema ia ver os jogos dos seniores aos domingos. Cheguei a ser apanha bolas no Trofense e a colocar no placard os números dos golos. Antigamente era assim. Estávamos ali ao pé dos nossos ídolos, para nós só havia o Trofense. Por isso quando surge a possibilidade de passar a sénior e me cruzo com alguns deles no balneário, foi uma satisfação enorme, até pedi autógrafos.

Não o praxaram, não lhe fizeram nenhuma brincadeira?
No Trofense não, havia muito respeito, sobretudo pelos mais velhos, pelo passado. No balneário havia daqueles tanques de banho de imersão, que nós fazíamos uma, duas vezes por semana e antes de ir para lá, olhava para ver se podia ir, se não estava lá ninguém (risos). Era o respeito pelos mais velhos.

Além dos ídolos no Trofense, não tinha nenhum outro jogador nacional ou estrangeiro que admirasse?
Tinha, o Maradona. Encantava-me. Quando havia o Mundial, adorava ver os jogos da Argentina só por causa do Maradona. Ainda hoje vejo vídeos dele.

Estreia-se como sénior no Trofense na época de 92/93 e depois vai para o Famalicão. Como é que isso surge?
Eu estava a despontar, ainda fui a uma convocatória da seleção dos Sub-18, mas foi para captação, para treinos, fomos cerca de 28 jogadores. Estava a ser tudo muito rápido e para mim não era normal. Fui para o Famalicão, ainda com 17 anos. Na altura não tinha empresário, o meu empresário era o meu pai, ele é que dava a cara por mim para tudo. Estava a jogar como titular no Trofense, ainda fiz 2 golos e num jogo que jogamos contra o Maia, no qual fiz o golo da vitória, ganhámos por 2-1, estava lá o treinador do Famalicão, o José Biruta. Tinha o Famalicão e o V. Guimarães interessados em mim, só que o V. Guimarães queria emprestar-me e o Famalicão dava-me garantias de que ia pertencer ao plantel principal. Foi o secretário técnico, que uns anos mais tarde vem a ser meu treinador aqui no Trofense, o Porfírio Amorim, quem disse ao presidente para me deixar estar no plantel, porque tinha qualidade e ia vencer. Foi uma aposta do Famalicão, que estava na I Divisão. Assinei com eles.

Foi ganhar muito mais?
No Trofense ganhava mais ou menos 450 euros e fui ganhar 900 ou 1000 euros para o Famalicão.

O dobro. Não se deslumbrou?
Não, nunca. Ainda estava em casa dos seus pais.

O que é que fazia com esse dinheiro? Era para comprar coisas que gostava, para juntar?
Naquela fase inicial, quando comecei a trabalhar na minha juventude, ajudava os meus pais. Mas quando comecei a ser profissional, os meus pais graças a Deus também não estavam à espera das minhas “migalhas”, comecei a ganhar para mim, sempre com cabeça. A carta fui eu que paguei com o meu dinheiro. Comprei um carro...

Qual foi o seu primeiro carro?
Foi um Ford Fiesta vermelho, usado.
Foi difícil a adaptação da II divisão B para a I Liga?
Foi mais uma etapa que não estava à espera que acontecesse assim tão rápido. Eu divertia-me na altura. Faço a minha estreia no estádio das Antas, com 18 anos. Empatámos a 0. São momentos que marcam. E para um miúdo conviver com craques da I Liga... são mudanças radicais.

Duas épocas no Famalicão e depois vai para a Madeira. Como é que surge o Marítimo?
Através do Raul Águas. No meu segundo ano no Famalicão estávamos na II Liga e fazíamos muitos treinos em conjunto com o Paços de Ferreira, cujo treinador era o Raul Águas, que nesse ano foi para o Marítimo. Portanto ele já me conhecia e gostava dos meus treinos.

Falou consigo directamente?
Foi através do Vieira, um central que agora é secretário técnico do Aves. O Vieira já conhecia o José Veiga e ele é que falou em mim. O Vieira foi para o Nacional da Madeira e eu fui para o Marítimo. E aí fiquei ligado ao José Veiga.

Foi complicado deixar o “ninho”?
Muito difícil. Sempre fui muito ligado à família, aos amigos, à minha freguesia. Jamais esquecerei esse momento, parecia que eu ia para o fim do mundo. Só para ter uma ideia, de casa dos meus pais à dos meus falecidos avós são uns 500 metros, fui a pé para me despedir deles, tudo a chorar, os meus tios também viviam lá ao lado, tudo agarrado a mim a chorar, eu venho pela rua fora, as pessoas já sabiam que eu ia para a Madeira e estavam todas à entrada da porta a despedir-se de mim (risos). Parecia que eu ia para o fim de mundo, nem sabia quando voltava.

Onde é que ficou a viver e com quem?
Nos primeiros dias ficámos num hotel, até arranjarmos apartamento. Do Famalicão era só eu mas foram mais quatro jogadores do Continente. O meu pai levou-me ao aeroporto, e estava lá o Cabral, o Bizarro, o Nuno Valente, tínhamos um grupo bom. O meu pai foi ter com o Cabral, no aeroporto, e disse-lhe: “Olha lá pelo miúdo”. O primeiro mês não foi fácil, estava sempre agarrado ao telemóvel a ligar para os meus pais, ainda por cima na altura tinha namorada.

Quando começou a namorar?
Com 15, 16 anos, chama-se Elsa, era lá da Trofa. Depois a adaptação acabou por ser simples porque comecei a conhecer as pessoas, a ter mais à vontade com elas, tínhamos um grupo bom de 6, 7 jogadores que eram do continente e que estavam lá sozinhos. Gostava da ilha e das pessoas, era um jogador muito acarinhado.

Além do Raul Águas teve o Manuel José como treinador também. Muito diferentes um do outro? 
Sim, o Manuel José é um treinador mais exigente e frontal. Só tenho a dizer bem. Foi um treinador que me marcou muito, trabalhei com ele em três clubes. Reconhecia que ele gostava de mim, porque não é um treinador qualquer que vai buscar um jogador em que aposta. Foi para o U. Leiria e disse “quero o Tiago”, foi para o Benfica “quero o Tiago”, quando é assim, é bom.
Esteve época e meia no Marítimo e rescinde. Explique lá essa rescisão.
Rescindi por justa causa na altura. Ordenados em atraso e depois aquela história do avião...

Recorde essa história.
Em Dezembro, Janeiro, a meio da segunda época, havia ordenados em atraso e eu tinha receio de aterrar na Madeira, porque na altura a pista era curta. Então rescindi com o clube por justa causa, alegando ordenados em atraso e também que tinha receio de aterrar na Madeira (risos). Foi o empresário, o Veiga que me aconselhou e comprou as passagens. Na véspera do meu regresso, dois amigos do continente que jogavam comigo na Madeira, ajudaram-me e também não foi fácil para eles. Eles vieram a minha casa ajudar-me a meter as roupas na mala, tudo à pressa porque eu tinha passagem para o dia seguinte e não podia comunicar a ninguém que ia sair, que ia rescindir por justa causa. No clube iriam saber depois, por fax. Esses meus amigos foram levar-me às seis da manhã ao aeroporto e vim embora. No dia a seguir, eles tiveram treino, eu não apareci. “O Tiago? O Tiago?”, todos a ligar-me, tive que desligar o telemóvel. Ligaram inclusive alguns sócios que tinham descoberto o meu número, ligou o presidente, foi uma confusão. Depois eram as televisões, era a imprensa toda, tive que esconder-me num apartamento porque andava tudo atrás de mim, e falava-se que eu ia para o Benfica, que ia para o FC Porto, para o Atlético de Madrid. E eu, miúdo, tremia por todo o lado.

Escondeu-se no apartamento de quem e onde?
Estive na Póvoa em casa de uma pessoa amiga. Estive lá duas semanas.

Estava o José Veiga a tratar da sua vida.
Exactamente. No início algumas pessoas ligadas ao Marítimo desconfiaram até dos meus amigos do continente que jogavam lá e com os quais eu convivia mais. Chegaram a ir ao apartamento deles, à garagem, para ver se estava lá o meu carro, eu tinha na altura um Renault Clio. Andaram à volta deles, do Cabral, do Neves e do Bizarro, a massacrá-los, coitados, estavam a levar por tabela por serem meus amigos e conviverem comigo.

Quando vem embora o Veiga já tinha falado na hipótese Benfica?
Não. Só depois. Eu estava muito bem e tinha ido à selecção mais uma vez, aos sub-21. Já se falava em alguns clubes. Estive um mês praticamente parado. Rescindi contrato, estive essas duas semanas escondido, depois surgiu a possibilidade do Benfica, como outras. Andei a treinar para não estar muito tempo parado. Estive a treinar no Trofense, pedi autorização, e a partir daí as coisas começaram a resolver-se.

Se tinha outros clubes interessados, como o Atlético de Madrid, porque opta pelo Benfica?
A decisão foi fácil de tomar, a outra proposta não se chegou a concretizar, ele disse que havia interesse mas não falou em concreto em números, e era um sonho jogar no Benfica, um clube grande em Portugal.

Foi fácil adaptar-se à vida da capital?
Fui sozinho, tinha uns primos em Lisboa da parte da minha mãe. Na altura tinha 22 anos. Ia quase todos os dias jantar a casa deles. Vivia num apartamento enorme, um T4, cheguei a levar vários casais e família para lá, quando iam de fim de semana a Lisboa. Era no último andar do prédio que fica mesmo em frente à Churrascaria do Campo Grande, ainda via meio campo do estádio antigo de Alvalade. Mas nunca tive problemas.

Como foi chegar ao balneário do Benfica?
Era uma ansiedade. Estar no meio daqueles craques... Eu não conhecia ninguém, não tinha confiança com ninguém.

Com quem é que houve logo empatia e se tornou amigo mais rapidamente?
Com o João V. Pinto e com o Paulo Madeira. Não posso esquecer também o Nuno Gomes, o Calado e o José Soares. O João V. Pinto quando soube que eu era do norte convidou-me logo para ir almoçar e jantar a casa dele. Ia com ele, para mim era uma alegria, estou a chegar, ele não tem confiança comigo, não me conhece de lado nenhum e já me está a convidar para ir almoçar e jantar a casa dele... Eu estava nas nuvens. Ele tinha uma casa em Cascais e ainda por cima na altura tinha um Porsche, eu ia ao lado dele, ia cheio de moral ao lado dele (risos).

Quando vai para o Benfica de certeza que há um salto grande no seu ordenado. Não se deslumbrou nessa altura?
Eu tive sempre a cabecinha no lugar, nesse aspecto nunca me deslumbrei com nada. A minha vida ia melhorando, como é lógico, graças a Deus estive em clubes bons e orgulho-me disso, mas nunca me deslumbrei. Na Madeira comprei o Renault Clio que até veio depois de barco para o continente e dei ao meu pai. Meio ano depois de ir para o Benfica fui buscar um BMW 325 TD à Alemanha, um carro importado. O Paulo Madeira brincava com o TD, dizia muitas vezes que faltava o S (risos). 

Lembra-se da sua estreia no Benfica?
Entrei no Benfica na semana antes do dérbi com o Sporting para o campeonato. Nessa semana tivemos um jogo para a Taça de Portugal contra os Dragões Sandinenses, joguei a titular e correu-me bem. No fim de semana era o dérbi com o Sporting e eu, miúdo, a chegar, joguei a titular, ganhámos 1-0, eu tive uma exibição soberba. Ajudou-me, deu-me confiança e conquistei os adeptos. Os sócios do Benfica diziam que eu era um jogador à Benfica, que parecia que jogava no clube há muitos anos, ainda tenho lá os recortes dos jornais.

Quando chegou apanhou o Manuel José e depois veio o Graeme Souness.
Sim. As coisas começaram por correr bem com o Souness, eu era titular e jamais esquecerei um jogo na segunda volta em que vamos a Alvalade, um mês antes de acabar o campeonato, e ganhamos 4-1, uma grande exibição. Na semana a seguir a esse jogo, um jornalista questiona o Souness sobre mim e ele diz que o Tiago é um jogador útil a qualquer equipa. Li aquilo, orgulhoso. Depois veio o meu espanto. Na pré-época a seguir vamos estagiar para Áustria e há um dia em que ele veio ao meu quarto dizer-me que eu ia ser emprestado. Estava com o José Capristano, o vice presidente da altura, que traduzia: "Ele diz que tu és jovem que precisas de rodar". Foi aí que comecei a perceber que no futebol havia muitos interesses, negócios. Infelizmente era a realidade daqueles tempos do Graeme Souness e Vale e Azevedo. Ele trouxe 6 ou 7 jogadores ingleses/escoceses. Foi buscar o Thomas com 36 anos. Com o devido respeito, não tenho nada contra ele, nem chegou a ser meu colega, mas um jovem como eu, com 23 anos, acarinhado por todos os sócios, a jogar a titular e diz que preciso de rodar?!

Como foi a sua reacção?
Estávamos no hotel, em estágio, era onze e meia, meia-noite, e nem dormi, comecei a chorar. A notícia começou a espalhar-se pelos quartos e estivemos até às duas ou três da manhã no meu quarto a conversar. A maioria dos jogadores vieram parar ao meu quarto, João V. Pinto, Nuno Gomes, Calado, aquele malta com quem eu convivia mais, ficou ali comigo, surpreendida, mas a tentar dar-me moral.
Queriam emprestá-lo a quem?
Na altura não me falaram em clubes. Nessa época fui eu, o Sánchez e o Marco Freitas emprestados. 

Falou com o Veiga?
Sim. No dia a seguir já vinha na imprensa toda os jogadores que o Benfica ia ceder. O Veiga liga-me porque havia a possibilidade de ser emprestado à Académica. Mas depois, através de outro empresário, um espanhol, surgiu a possibilidade de ir para Espanha, para a II Liga, era o Rayo Vallecano.

Antes de irmos a Espanha, não tem nenhuma história do Benfica para contar?
Lembro-me de uma vez, no balneário, nós tínhamos uma mesa grande onde estavam sempre bolas, camisolas, etc., para nós jogadores assinarmos. E um dia, o Paulo Nunes, se não me engano foi ele, foi ao cacifo do Amaral, o coveiro, pegou nas bermudas de sair dele e começou a pedir autógrafos. A malta começou toda a assinar nos calções de sair do Amaral, inclusive o próprio Amaral que estava a preparar-se para tomar banho e nem reparou onde estava a assinar (risos). O Paulo Nunes colocou as bermudas no cacifo outra outra vez enquanto o Amaral tomava banho. Quando o Amaral regressou e começou a vestir-se, ao pegar nas bermudas vê aquilo, o pessoal desata todo a rir e ele: "É sacanagem” (risos).

Foi para Espanha porque queria sair de Portugal?
Sim, foi por tudo, em termos financeiros ia ganhar o dobro. Está bem que era a II liga espanhola, mas era uma experiência nova. Aventurei-me.

Foi sozinho também?
Nessa altura já estava casado com a mãe da minha filha. Conhecia-a quando estava no Benfica, ela é da Trofa. Namorámos um ano e casámos, antes de eu ir para Espanha. Actualmente estamos separados. Ela foi comigo para Espanha mas não se adaptou, estava longe de tudo e de todos, da família.

Como foi a adaptação ao futebol espanhol e ao clube?
Na fase inicial não vou negar que tive algumas dificuldades de adaptação ao futebol. Era um futebol mais competitivo, mais físico. Estive dois anos em Espanha, um no Rayo e outro no Tenerife. No Rayo tinha lá um português, o Paulo Torres, lateral esquerdo, ajudou-me na adaptação. Vivia perto dele e foi fácil depois. Subimos de divisão, à I Liga espanhola e tudo.

Não fica no Rayo Vallecano porquê?
Acabei em grande a época, fomos ao play-off que existia antigamente, e calhou-nos o Extremadura, que na altura estava na I liga. Ganhamos 2-0 lá e em nossa casa também. Fiz o primeiro golo em casa, num estádio com 75 mil pessoas, são momentos inesquecíveis. O Rayo queria ficar comigo, mas eu ainda tinha mais um de contrato com o Benfica, e não sabia o que queriam fazer. Naquele impasse, cheguei a estar no Estádio da Luz a treinar na pré-época, mas não fiquei. Só que como eu não dava uma resposta o Rayo foi buscar outro português para a minha posição, o Hélder, um trinco que jogou no Boavista há uns anos. Depois surgiu a possibilidade do Tenerife e fui.

Que tal?
A experiência foi boa, senti-me em casa. Entre portugueses e brasileiros éramos uns 8 ou 9. Tinha lá o guarda-redes Costinha, o Bruno Caires, o Emerson que jogou no FCP e no Belenenses e outros brasileiros. Tínhamos ali um grupo muito bom, estávamos muitas vezes juntos, com famílias, sozinhos, em almoços e jantares.

Esteve sempre sozinho sem a sua mulher?
Tivemos a nossa filha, Maria João, nessa altura, quando fui para Tenerife. Como estava no fim da gravidez não foi para Tenerife logo. A Maria João nasceu em Setembro e o pai foi o último a ver a filha. Ela nasceu em Setembro, eu já estava em Tenerife, pedi autorização para vir a Portugal, era um momento único, mas eles não me autorizaram porque tínhamos um jogo importante em casa. Tive que esperar semana e meia para conhecê-la ao vivo. Custou-me tanto. Porque ser pai e não poder ver a filha... Fui praticamente o último a vê-la. Hoje temos uma relação pai/filha muito forte.

Como corre essa época no Tenerife?
Correu bem. A direcção tinha a ambição de subir de divisão porque tinha descido nesse ano, mas não aconteceu. A II liga na altura era muito forte. Só para ter uma ideia tínhamos o Atlético de Madrid, o Bétis, o Sevilha, o Extremadura...

A sua mulher e filha ficaram lá a viver consigo?
Sim. Foi mais fácil para a minha mulher nessa altura, porque tínhamos a nossa filha que era pequena e além das amizades dos jogadores portugueses, tínhamos um português, o Zé, que é da Guarda, que vive em Tenerife há 40 anos. Ele tem um barzinho no complexo desportivo do Tenerife. No primeiro dia em que chego lá, não conhecia nada nem ninguém, ele veio ter comigo (o Domingos, que já lá tinha estado, falou com ele, disse que eu ia para lá). Estar lá um português para ele é uma alegria, não falta nadinha. A partir daí nunca mais me largou, andou à procura de apartamento para mim, queria mobilar-me a casa, queria meter tudo do bom e do melhor para quando a família fosse para lá. Criámos uma amizade muito forte. Eu chamava-lhe o "pai" porque ele é como um pai. Ainda hoje todos os anos ele vem passar o natal a minha casa. O que ele fez por mim é inesquecível.

Como surge depois o U. Leiria?
Mais uma vez através do Manuel José. Levou-me a mim e ao Costinha. Ele soube que íamos ficar livres.

Foi bom regressar a Portugal?
Sim. Quando surgiu essa possibilidade não olhei para trás, ainda por cima com o Manuel José. Fiquei a viver em Leiria mas ia muitas vezes a casa, à Trofa, porque a miúda já estava na escola. Cheguei a ter um negócio, uma loja de desporto, na Trofa, durante 8 anos. Era a minha ex-mulher e a minha irmã que estavam lá. A loja não dava prejuízo mas também não dava grande lucro, decidimos fechar e alugámos o espaço.

Em Leiria começa com o Manuel José, mas apanha o Mário Reis e o Mourinho. Como foi a adaptação a esses treinadores?
Sim. O Manuel José era um treinador que provas dadas, a primeira época correu muito bem. Depois veio o Mourinho. Na altura o método de treino do Mourinho era novidade. A forma como dirigia os treinos, como lidava com o grupo. Ele respirava confiança e ambição e conseguia passar para o grupo. Ele dava mais moral, para conquistar o grupo todo, à malta que não jogava do que propriamente aos que jogavam. Os que jogam já estão motivados. Ele agarrava essa malta. E se tivesse de ir beber um copo, e aconteceu em Leiria, ele ia. Íamos a um barzinho até às 2 da manhã e ele estava ali connosco como nosso colega. Mas chegava o dia seguinte, tínhamos que dar o litro, dar o máximo. Era muito exigente. Exigia muito e tirava o máximo proveito de cada um. Eram treinos curtos mas intensos e sempre com bola. Quando ele saiu para o FCP, nós estávamos em 2º lugar, imaginem se não saísse. É quando vem o Mário Reis. Com o devido respeito, o grupo sentiu uma grande diferença.
Quando o Mourinho vai para o FCP, o Tiago não vai logo com ele, só na época a seguir, certo? 
Recordo-me de um episódio antes de surgir essa possibilidade de ir para o FCP. O Mourinho estava ali na situação entre o FCP e Benfica. Antes do treino eu e mais uns colegas costumávamos tomar o pequeno-almoço num café. E nesse dia vem uma notícia, na capa de "A Bola", sobre o Mourinho como possível treinador do Benfica. Ele sentou-se na nossa mesa, começou a ler e às tantas vira-se para mim com o jornal aberto e diz: "Bom, bom, bom". Foi mesmo assim. Comecei a pensar, hum, isto é sinal que se fores vais levar-me. Foi o que pensei. Entretanto, antes de ir para o Porto, ao despedir-se do grupo, agradeceu, porque sem os jogadores não tinha conseguido ir para o FCP, que o ajudámos muito atendendo ao trabalho que estava a desenvolver, etc., e a recompensa dele seria levar 2 ou 3 jogadores para o FCP, infelizmente não podia levar toda a gente. A malta começou logo a olhar uns para os outros. No imediato foram o Nuno Valente e o Derlei.

Ficou desiludido?
Não. Ele não me tinha falado de nada. Mas a verdade é que só estive mais meia época no U. Leiria. Na nova época surgiu. Ainda tinha mais um ano de contrato com o U. Leiria e o Bartolomeu não me queria deixar sair. O meu empresário ainda era o Veiga, só que como o Veiga estava de corte de relações com o FCP e na altura já tinha relações com o Baidek, acabou por ser este a tratar das coisas com o FCP e o U. Leiria. Lá chegaram a um acordo e fui para o FCP. Só apanhei o Cajuda uma semana ou duas na pré-época. Cheguei ao Porto todo roto (risos), porque fazíamos treinos no parque, no pinhal e na praia, na areia.

Como foi chegar ao FCP, cheio de craques?
Para ser muito claro, a primeira coisa em que pensei foi: "Vou ter de levar com o Paulinho Santos" (risos). Eu e ele tínhamos grandes guerras atendendo a nossa forma de jogar, ao nosso carácter em campo. Era de cortar à faca. Tenho um episódio, em que ele ficou todo contente, espumou-se todo, como costumo dizer, num jogo em que eu ainda estava no U. Leiria e fomos jogar ao Porto. Num lance o Cândido Costa deu-me com o cotovelo. O Paulinho Santos não jogou, mas assim que acabou o jogo, vem a correr do banco para o meio-campo onde eu estava e diz: "levaste um bolinho de bacalhau, levaste um bolinho de bacalhau", todo contente (risos), porque o Cândido tinha-me dado com o cotovelo. Portanto, quando soube que ia para o FCP, lembrei-me logo dele.

E que tal?
No primeiro dia em que chego ao balneário o Paulinho Santos já lá estava. Dou os bons dias e a recepção dele foi: "Eu quero ver agora se também dás porrada aqui como davas nos outros lados e se insultas os gajos". Grande recepção, borrei-me logo todo (risos).

Foi praxado?
Fui. O pior é que já tinha sido avisado e caí na mesma (risos). Só que uma pessoa está ali tão concentrada, tão focada que... O que ele fizeram? Deixaram o Nuno Valente no balneário para o fim, eu estava falar com ele, já não estava quase ninguém no balneário, achei estranho, mas continuei a falar, equipei-me e ele diz-me para ir com ele porque tínhamos uma reunião. Eu já sabia como aquilo se fazia, mas naquela altura estava tão concentrado que nem me passou pela cabeça. Chegamos ao átrio e estavam todos em roda, o Nuno Valente diz-me que o homem, o Mourinho, ia falar, que era uma palestra, só havia dois lugares livres e diz-me ele, anda para aqui, claro que já estava feito com eles. Como eles sabiam que eu não conhecia ninguém, à priori eu ia ficar junto do Nuno. Entretanto, quando eles começam a cantar a música do Paulinho Santos "Pau-li-nho Santos, lálálálá, Paulinho Santos, lálálá", aí começo a associar, só que já era tarde, lá veio o balde de cima (risos). Nem sei o que tinha, era água, papeis, lixívia, era tudo. Claro que tive de tomar banho antes do treino.

Esse ano não podia ser melhor. Campeão nacional, Supertaça, Taça UEFA...
E fui muitas vezes utilizado.

Qual foi a sensação de ganhar aqueles títulos todos de repente?
São momentos únicos. Era um grupo fantástico. Até posso dizer que só passei a gostar de vinho, no FCP, pelos convívios, porque aquilo era almoços e jantaradas todas as semanas, já para não falar dos estágios, em que um ou outro levava sempre alguma coisa. Os mais velhos no FCP incentivaram isso, daí aquela mística. Isso parece que não mas ajuda muito e fortalece o grupo. Nessas tainadas foi quando começaram a dizer: "Tu tens de beber vinho". A partir daí passei a gostar de um bom copo de vinho. Mesmo no autocarro havia grandes lanches. Íamos também muito a um restaurante perto do Olival, o Mourinho sabia e chegou a lá ir algumas vezes.

Ficou a imagem de ser um jogador agressivo. Isso incomoda-o?
Agressivo no bom sentido. Ou seja, eu admito que no campo era um ranhoso, era chato, chamava nomes, tinha agressividade na disputa de bola, em cada lance. Em termos verbais abusava um bocadinho, mas a verdade é que não fui muitas vezes expulso. Em quase 700 jogos que fiz na minha carreira se fui expulso 3, 4 vezes foi muito e a maioria por acumulação ou bocas, nunca agredi ninguém.

Quais são as memórias mais fortes do FCP?
Os convívios durante a semana, essas tainadas, mesmo os lanches no balneário, onde havia presunto e bebida. E as conquistas, claro.

Qual a que mais o marcou?
A Taça UEFA. Foi especial. Tudo o que envolve o jogo, antes do jogo, no hotel em Sevilha, a recepção após o jogo, a festa.

Não fica no FCP porquê?
No segundo ano não estava a ser muito utilizado e o Derlei teve uma lesão grave, foi operado aos ligamentos cruzados de um joelho. Ia parar meio ano. O Mourinho queria o Maciel, que estava em Leiria. O Bartolomeu não o queria deixar sair. Disse que se fosse o Maciel em contrapartida queria-me. Chamaram-me, o Mourinho, o Reinaldo Teles e o Antero Henriques. Falaram comigo e disseram-me que tinha surgido aquela possibilidade, o Mourinho diz que quer muito o Maciel porque ia colmatar a ausência do Derlei, mas que o Bartolomeu não deixava sair se não me emprestasse. Perguntaram-me se eu estava disponível. E da forma como me abordaram e foram claros comigo, como na altura também não estava a jogar muito, não era eu que ia inviabilizar o negócio. Aceitei as condições. Fui para o U. Leiria, o FCP é que assumiu tudo, ordenado, prémios por objectivos, etc. 

Esteve meia época no U. Leiria com o Vítor Pontes e depois vai para o Boavista.
Sim, é uma situação engraçada. O Jaime Pacheco era o treinador do Boavista e num jogo U. Leira-Boavista, duas jornadas antes de acabar o campeonato, o Boavista precisava de ganhar em Leiria, porque estava a lutar pelos lugares da Liga Europa. Mas nós ganhamos 2-0, eu fiz um golo. E há um lance perto do banco do Boavista, em que entro mais duro e o Jaime Pacheco vira-se para mim: "Tiago, não jogos nada, pá. Só dás porrada, não jogas nada". Com aquele jeito dele. Acabou a época e tenho o convite do Boavista, do Jaime Pacheco (risos). Ofereceram-me um contrato de 3 anos. Levei valentes tareias dele a nível físico, muitas vezes vínhamos fazer corrida aqui para o Parque da Cidade, no Porto. Era para campeões, porque aquilo era por tempos e com um circuito.

Além do Jaime Pacheco ainda apanhou como treinadores o Carlos Brito e o Petrovic.
Sim. Foram 3 anos fantásticos. Como jogador encaixava perfeitamente no estilo de jogo daquela casa, pela maneira de jogar, a minha postura em campo. Gostei muito de trabalhar com o Carlos Brito. Tinha uma relação aberta com os jogadores, também gostava de uns convívios, de uns almoços de equipa, de uns jantares, era inteligente e sabia agarrar o grupo dessa forma. O Petrovic era escola holandesa, ideias diferentes daquilo a que estávamos habituados. O método de treino era diferente, mais com bola. Nos primeiros dias, quando chegou, meteu-me a capitão de equipa e eu cheio de vergonha.

Não continuou no Boavista porquê? Vai parar novamente ao U. Leiria.
Acabou o contrato, o Boavista estava com problemas financeiros, nessa altura já tinha um bom vencimento e para renovar não estava fácil. O Boavista estava a atravessar uma crise financeira, surgiu mais uma vez a possibilidade do U. Leiria, cujo treinador era o Vítor Oliveira. Fui mais uma vez. Mas descemos nesse ano. Começamos a época com o Paulo Duarte que na altura era o genro do Bartolomeu e tinha sido meu colega como jogador no U. Leiria. As coisas não lhe correram bem e foram buscar o Vítor Oliveira.

Que tal?
Somos amigos. Mantemos a amizade desde os tempos de Leiria. Infelizmente a época desportiva não correu da melhor forma porque descemos, mas foi um treinador de que gostei. Partilhamos alguns momentos. Chegámos a encontrar-nos no mesmo restaurante, em Leiria, porque ele estava lá sozinho e eu também. Mas ele para pagar um almocinho ou um jantar não é fácil (risos). Para meter a mão no bolso, tem lá um crocodilo (risos). Ele diz que sou eu (risos). É um ser humano do melhor.
Na época seguinte vêm o Paulo Alves e o Manuel Fernandes como treinadores.
Sim, iniciou o Paulo Alves na II divisão. Ainda tive ali uma situação, porque eu não tinha interesse em estar numa II divisão, o U. Leiria também não queria um jogador com ordenado de I Liga como eu, mas não surgiu nada de interessante e tive de ficar porque tenho família e primeiro está a minha vida. Era um bom contrato na altura e não ia perdê-lo. Continuei. O Paulo Alves foi meu colega no U. Leiria, como jogador, é um ser humano fantástico.

É estranho apanhar um treinador que já foi nosso colega de equipa enquanto jogador?
É. Tínhamos uma grande confiança e logicamente que alteramos a nossa maneira de ser, por causa do respeito, porque é o treinador. Às vezes saía-me Paulo em vez de mister, mas ele insistia para chamá-lo de Paulo, só que eu não me sentia à vontade.

Depois veio o Manuel Fernandes.
Estávamos praticamente "mortos", estávamos cá em baixo e fizemos uma recuperação incrível, subimos de divisão. No último jogo em Aveiro contra o Beira Mar precisávamos de ganhar e o Santa Clara tinha de pelo menos empatar, no Feirense. Empatou e nós ganhamos. São momentos inesquecíveis. O U. Leiria não tem uma massa adepta muito grande mas nesse dia a cidade estava com o clube. A minha filha nesse dia até foi comigo no autocarro. Era pequenita e andou sempre comigo.

O que o levou de volta ao Trofense?
Eu sempre que dava entrevistas dizia que a minha ideia era um dia acabar a carreira no clube da minha terra. Quando chegamos à I Liga com o U. Leiria, por coincidência o Trofense desceu à II. O U. Leiria queria que eu ficasse e o Trofense como tinha descido para a II Liga ia apostar de novo no treinador Vítor Oliveira. Eu já tinha 33 anos houve hipótese de ir para o Trofense e não olhei para trás.

Teve propostas de clubes da I Liga?
Do Rio Ave que tinha o Carlos Brito a treinador, davam-me 2 anos de contrato. I Liga, as condições financeiras eram melhores como é óbvio, mas na altura o meu objectivo era acabar a minha carreira no clube onde tinha iniciado.

Para quem queria terminar, acabou por ficar no Trofense 7 épocas.
Sim. O meu objectivo era jogar 1 ou 2 épocas, derivado à minha idade. Mas o prazer e a ambição que tinha em continuar. Eu ia para o jogo com uma alegria tremenda, festejava um golo como se estivesse a iniciar a minha carreira. A minha vontade, o meu querer, tudo igual, a mesma paixão. Ainda por cima no clube da nossa terra, onde nos orgulhamos quando olhamos para a bancada e vemos a família e as pessoas amigas. Foi-se prolongando.

Esta última época já custou um bocadinho.
Sim, houve um desgaste a todos os níveis, porque logicamente que no Campeonato de Portugal há uma diferença. E, com o devido o respeito, para quem tinha o meu passado… Apanhamos campos sintéticos, vemos 200 pessoas nas bancadas… Não é a mesma coisa.

Desmotivou-se?
Não era fácil mas apesar de tudo conseguia motivar-me. Nesse aspecto era forte, era o clube da minha terra. Costumo dizer que as duas últimas épocas no Campeonato de Portugal, se fosse noutro clube não me tinha sujeitado a isso. No último ano passei de tudo no clube, que estava a atravessar uma crise muito grande e no último ano, fui ter com o director desportivo, o Nuno Lima, e disse-lhe para não se preocupar comigo, não queria dinheiro, queria era jogar. Do ano anterior já não recebíamos há seis meses, portanto estive praticamente duas épocas sem receber nada e na última época custou-me porque chegámos a dezembro, a maioria dos jogadores eram miúdos que não tinham um suporte financeiro e estavam sem receber há 4, 5 meses. Miúdos praticamente profissionais porque nós treinávamos durante o dia, a ganhar 200, 300 euros. Não é fácil. Uns vinham do Porto, outros da Maia. Chegou a dezembro, e como não recebíamos, 7 ou 8 jogadores foram-se embora. Ainda tentei segurar o barco, mas...

Acaba a carreira a ganhar aquilo que ganhava quando começou?
Exactamente. E nem recebia. E, se o clube descesse, acabava, tendo em conta as condições em que se encontrava. Ainda cheguei a pagar 1 ou 2 ordenados, que não considero 200 euros ordenado, a dois amigos meus. Estavam tão atrapalhados. São miúdos que nunca tiveram um passado rico, não tinham um suporte financeiro.

Quando é que se apercebeu que era a última época?
Apercebi-me porque mais ou menos a meio da temporada, os directores que lá estavam, já estavam a pensar numa festa de homenagem. Aí é que eu vi, opá, vai ser este ano.

Por si continuava?
Sinceramente, sim.

Mesmo naquelas condições?
Sim, porque no final da época, após a festa de homenagem, ainda me perguntaram o que é que eu queria fazer. Se queria jogar, como é que ia ser. Mas depois de uma festa de homenagem, ficava mal voltar.

Custou-lhe “pendurar as botas” então.
Custou muito. Acabei a minha carreira com 40 anos, a fazer 41.

Até à festa de homenagem, já alguma vez tinha pensado no que é que iria fazer no seu futuro?
Não, sinceramente não. Esse é um grande problema, infelizmente, da grande maioria dos jogadores. Não se precaver para o dia de amanhã porque a maioria pensa no presente e não no futuro.

Nunca lhe passou pela cabeça ser treinador?
Não. Acho que não tenho perfil e já não me estava a ver com a “casa às costas” de novo.

O que tem feito, desde então?
Já passaram 3 anos. Tenho matado o bichinho do futebol participando num torneio de futsal, sempre gostei de jogar futsal mesmo em miúdo. E à quarta-feira jogo futebol de 7 com uns amigos lá da Trofa e arredores, num sintético. Mas ai é mais soft, é com amigos, não estamos a competir.

Em termos profissionais o que se vê a fazer?
Quero e estou ligado ao futebol. Sou vogal do Sindicato dos Jogadores há 8 ou 9 anos.

Ambiciona mais dentro do Sindicato?
O dia de amanhã eu não sei. Tenho conversado com o doutor Evangelista, tenho as portas abertas. Sempre que é preciso, ele sabe, tenho participado em eventos tanto em Lisboa como aqui no norte. Sei que ele tem uma certa admiração por mim, confia em mim, porque sabe o que representei para o Sindicato e o que fiz mesmo como capitão, em vários clubes, pelo sindicato. Temos vindo a falar, tenho sempre a porta aberta, o que agradeço. E colaboro com dois amigos que foram colegas de futebol, o Hélder Gaúcho, central que jogou comigo no Boavista e em Leiria e o Toñito, o espanhol que também jogou comigo no U. Leiria, e que jogou no Sporting e no Boavista. Ambos têm uma empresa de agenciamento de jogadores, ou seja, acompanho jogadores que eles mandam para cá.

Está a dar-lhe prazer esse trabalho?
Sim, é a minha área. Em breve estarei num outro projecto com dois colegas meus que ainda estão no activo.

Onde é que ganhou mais dinheiro?
No FCP.

Onde investiu o dinheiro?
Como referi, sempre fui uma pessoa moderada, com cabeça. Investi sempre bem em património. Em solteiro já tinha um terreno e um apartamento.

A sua filha está com 19 anos, o que é que ela faz?
Está a estudar no 1º ano na universidade, em ciências da comunicação. É uma apaixonada pelo futebol, temos uma cumplicidade tremenda. Ela nasceu no futebol e por isso o bichinho acompanha-a, não há um fim de semana que não vá comigo ver um jogo.

Torce por que clube?
Pelo FCP, é doente, doente. E namora com um jogador de futebol (risos), mas não foi fácil apresentar ao pai.

É supersticioso?
Não.

Tem tatuagens?
Não.

Tem algum hóbi para além do futebol?
Só futebol. Vejo muito, em casa, nos estádios.

Esteve três vezes no U. Leiria, em momentos diferentes. Não tem nenhuma história para contar? 
Lembro-me de uma partida que fiz ao Éder Gaúcho, central brasileiro. Normalmente os brasileiros usam meia branca. Como eu tinha muita confiança com ele e já estava farto de ver aquela meia branca cansada nos pés dele e não se usava meia branca, deixei-o ir tomar banho, fui buscar uma tesoura e cortei as pontas das meias. Quando ele vestir-se, pega nas meias e elas entram rápido (risos), não tinham a parte dos dedos. Desatou-se a rir e percebeu logo que fui eu.

E do Trofense?
Uma vez, na II Liga, falei com o meu cunhado, pedi-lhe para se fazer passar por jornalista e ligar para uns 4 ou 6 jogadores do Trofense. Pus-me ao lado dele a gravar as entrevistas, onde ele perguntava o que achavam das opções do treinador, que era o prof. Neca. Fizemos a jogadores que jogavam e também a outros que não estavam a jogar. No dia seguinte, depois do treino, junto o grupo, peço à equipa técnica para estar presente também e ligo o telemóvel às colunas que tinha levado de casa. Quando começo a passar as entrevistas e eles se apercebem o que era, desatam todos a rir. Estivemos uma hora a ouvir aquelas 5 ou 6 entrevistas, até o prof. Neca ria à gargalhada. Vá lá que nenhum criticou o treinador (risos)."

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