"Qualquer fulano pode dizer, sem corar e sem se entalar, que sicrano é 'alegadamente' isto ou aquilo.
1. Seja-me permitido começar com uma metáfora futebolística de um benfiquista chamado Félix: a tempestade Félix foi cirúrgica. Fez estragos na Mata Real. Alerta vermelho.
2. O tempo será, como sempre, o soberano juiz de tudo o que paira a propósito do meu clube. Como simples sócio, o meu maior desejo é que, no fim de tudo, o nome e a história do Sport Lisboa e Benfica fiquem preservados na sua essência eclética, desportiva e ética. Mentira, porém, se não dissesse que me sinto desconfortado, ainda que não abalado. Não porque passe sentenças transitadas em julgado de acordo com o brutal ruído de fundo que tudo contamina e tolda a razão. Não porque não reconheça tudo o que de muito bom tem acontecido no clube. Não porque me deixe encadear emocionalmente pelo atropelo de todas as regras éticas e deontológicas que é pasto para todas as sevícias. Não porque me deixe abater pelas falsas virgens que por aí andam a perorar e a fazer verdadeiros autos-de-fé ao Benfica, não se dando sequer ao cuidado de olhar para si próprios e suas agremiações.
Estamos perante imbróglios onde a fronteira entre o real, o virtual e o artificial é, por agora, indistinguível. Todos os dias meio-mundo comunicacional, em regime de circo ambulantes, debita juízos, sentenças, ameaças, cabalas, insinuações, ilações, antevisões e projecções em canais televisivos que vendem 'sangue' ao litro. Entre o alegadamente alegado e as violações de segredo, entre o artificialmente somado e o repetido mil vezes como se fosse uma nova notícia, entre a maquinação que é óbvia e os doutos justiceiros de trazer por casa, é um fartar vilanagem. O advérbio mil vezes repetido 'alegadamente' é a senha e o salvo-conduto para dizer as maiores barbaridades, sem qualquer preocupação pelo rigor. Qualquer fulano pode dizer, sem corar e sem se entalar, que sicrano é 'alegadamente' isto ou aquilo.
Perante tudo isto, sinto tristeza, enquanto estado do espírito, não enquanto juiz do que não conheço. Sinto cansaço de um mundo-cão em redor de um futebol que já não é que vivi durante muitos anos, ganhando ou perdendo. Sinto inquietação não por mim, mas pelas novas gerações que são formatadas num ambiente podre de ódios entre inimigos e não num ambiente desportivamente são, embora duro, entre adversários.
Uma boa reputação de alguém ou de uma instituição conquista-se ao longo de uma história, entre sucessos, fracassos e embates. Mas, pode esboroar-se, justa ou injustamente, ao virar da esquina, sobretudo neste 'novo mundo' da comunicação ardilosa, de recalcamento perverso, de cobardia, de impunidade e anonimato que hoje tudo condiciona.
Seja qual for o desfecho de acções no âmbito judiciário, um ponto (importante) não desvalorizo objectivamente: o do receio que o SLB possa ter sofrido um sério abalo na 'escala de Richter' do seu valor reputacional que fez e faz mover este grandioso clube.
Não se pense, porém, que quando escrevo estas linhas me sinto cercado pela lupa cretina que quer fazer crer que o Benfica é o 'eixo do mal'. Tenho idade suficiente para não me deixar abater pelo esvoaçar de certos abutres. Sei que os fins jamais justificam os meios (coisa certamente os somemos para quem tem criminosamente violado este principio, com a naturalidade própria do despudor e da imbecilidade). Sei que, na origem de todo este imbróglio, estão violações inadmissíveis de direitos constitucionais garantidos, como o da privacidade e do direito ao bom nome. Sei quão impensável é condenar pessoas e instituições na praça pública, com meios de comunicação social e destilar venenosamente o que lhes é dito por quem tem o dever do sigilo. Sei que se passa facilmente de presunção de inocência à presunção de culpabilidade. Espanto-me com a constatação de que a violação do segredo de justiça tanto pode ser um crime, como uma expertise, uma dádiva ou uma oportunidade. Sei que muito do que agora se diz do meu clube não será, certamente caso único no meio do futebol nacional, como se os clubes rivais fossem uns santinhos na fila para a canonização. Sei, sabemos todos, que tráfico de influências, arbitragens condicionadas, toupeiras na relva, aldrabices que deram títulos, lugares preenchidos estrategicamente como veículos transmissores de poderes, linguagem comunicacional desbragada, conhecimento antecipado de procedimentos juiciais em jeito regional foram o fermento de muitos anos de más práticas em roda livre. Sei que uns bilhetinhos e umas camisetas são o pão nosso de cada dia nos clubes, mas que, no Benfica (vide caso Centeno sobre o qual correu tanta tinta), é sempre criminoso. Sei tudo isto e muito mais. Basta estar atento e ter memória. E depois, não percebo como ainda nada aconteceu perante uma tão completa, sórdida e recorrente devassa ética (e certamente criminal) do acervo e da vida contratual, comercial e patrimonial de um clube.
Ouvi o vice-presidente da Direcção Dr. Nuno Gaioso num canal televisivo. Confortou-me porque, esclarecida e serenamente, deu importantes informações sobre as reuniões do CA da SAD. Decantada a poeira destes dias, falou o presidente do Sport Lisboa e Benfica. Foram palavras de assumida responsabilidade as que ouvi de Luís Filipe Vieira para todos os benfiquistas de Portugal e da diáspora. É imperativo robustecer o clube na rota das vitórias, mas também da decência, da exigência e da honra. O nosso pior inimigo é o tempo do pântano entre o tempo mediático e o tempo da justiça. Se tiver havido erros, falhas ou necessidade de autocrítica, cá estaremos para seguir em frente, de cara lavada, porque temos o direito e o dever de ser profundamente exigentes. O Benfica tem de saber repor e restaurar a autoridade do exemplo.
Nada tenho contra dirigentes ou quadros do clube que, em fases da sua vida, têm simpatia por rivais ou trabalharam noutros clubes. Por exemplo, considero fundamental o trabalho do Dr. Domingos Soares de Oliveira, um elemento chave conhecedor e competente. Mas, neste momento, não posso deixar de expressar a ideia de que, noutros domínios, o Benfica, no seio de milhares e milhares de associados, tem pessoas rectas, diligentes e capacitadas para, honrando a camisola, dar o meu melhor para o clube. Pela minha parte, dispenso o apport e a experiência, às vezes ardilosa, que se podem pretensamente trazer do trabalho antes feito noutros clubes ou em rivais.
Admito que se considere que a minha visão é romântica e inconciliável com o presente e sobretudo o futuro do nosso futebol. Tenho perfeita consciência de que a agora chamada indústria necessita de capitais, tecnologia, saberes e aptidões altamente profisionalizadas. Não sei se também por cá os clubes saberão resistir ao vento dos 'novos tempos' que, na Europa, tem transformado clubes em empresas unipessoais ou de capitais puramente financeiros, em que a força do dinheiro - sempre volúvel, sem cor e sem pátria - esmaga a consistência da alma e esbate a paixão. Mas ainda acredito que é possível conciliar o clube do coração com a sociedade da gestão. Com a exigência, boa selecção, seriedade, meritocracia e pagando a qualidade.
Ao correr do teclado, revisitei um texto de um dos meus livros, escrito em 2002, isto é, no meio da 'seca' de uma década sem ser campeão. Permito-me transcrever aqui parte dessas palavras, porque as sinto exactamente do mesmo modo. E como eu, estou seguro que sentem todos os verdadeiros benfiquistas de raiz e que anseiam pelo fim justo deste tempo de incómodo ansiedade.
Disse então: O Benfica para mim é definitivamente uma paixão. Daquelas que não têm antídoto. Que me acompanhará até ao último momento da vida. Sou seu amante, até ao tutano da minha alma. Uma derrota do meu Benfica perfura-me o ânimo, sem cuidar da anestesia. Uma vitória do meu Benfica alimenta-me mais do que o mais calórico dos alimentos, a anima-me mais do que uma mão cheia de antidepressivos. Na vitória, o amor ao clube é partilhado, mas no desaire a solidão dá-lhe uma expressão infinita e incondicional.
O Benfica é ao mesmo tempo afecto e privilégio, coração e razão, vitamina e analgésico, fermento e adocicante, saudade e desafio, cumplicidade e aconchego.
O Benfica acontece em mim. E nesse acontecer, funde-se a minha personalidade com o sentimento de pertença. Onde tudo o resto do clube se apaga, excepto isso mesmo: a ideia de ser Benfica. Sem personagens, sem fronteiras, sem referências. Apenas a imanência de o Benfica estar dentro de mim e eu dentro do Benfica.
Como acontece com a pessoa amada, o verdadeiro teste do afecto concretiza-se nos momentos difíceis.
Força Benfica! Lutemos unidos pelo pentacampeonato!"
Bagão Félix, in A Bola
Forcaaaaaaaa Benficaaaaa....
ResponderEliminarSomos Benficaaaaa porra ...nada nem ninguém nos travão o amor e o nosso caminho de vitórias . Carrega benfica
ResponderEliminarSempre ao lado do glorioso e dos seus
ResponderEliminarIsto sim e digno de ser lido
ResponderEliminarEste excelente texto deixou, de certeza, alguns cronistas benfiquistas de pacotilha, com as orelhas a arder...
ResponderEliminarMagnífico. De leitura e divulgação obrigatórias.
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